A
 seguir, tocávamos um frevo, chamado, "Conspurcália", de autoria do Laert
 Sarrumor. Nessa animada canção com ares carnavalescos, o Laert escreveu
 uma letra a satirizar a indústria alimentícia, e a quantidade absurda de
 porcarias que induz-nos a comer, ao colocar elementos químicos abomináveis
 na comida industrializada, sem o menor pudor. Hoje em dia é tema na 
moda, com a onda ecológica que vivemos, mas em 1983, soava como algo 
exótico ou mesmo, um maneirismo típico de cultura hippie, ridicularizada. Claro, por tratar-se de 
Língua de Trapo, o tratamento sarcástico estava garantido. Lembro-me do
 guitarrista, Serginho Gama, a fazer um pequeno ritual para provocar o 
público. Isso foi fruto da improvisação dele (o chamado, "caco" teatral), e não aconteceu no show de 
estreia. Tal improviso pôs-se a desenvolver-se ao longo das apresentações, e só consolidou-se durante a longa temporada que faríamos no Teatro Lira Paulistana, meses 
depois. 
Após uma vinheta rápida, ele costumava voltar ao 
palco, ao trajar uma camiseta do Botafogo (seu time do coração, pois é carioca). Ele entrava com um jeito bem forçado no típico "malandro" carioca, a tomar um 
refrigerante (o contraste : "malandro" a tomar refrigerante ?), geralmente uma Fanta Laranja em lata. Muitas vezes, ele 
oferecia às pessoas da plateia. Só por entrar com a  camiseta do 
Botafogo, já causava reações. Geralmente vaias e pequenas provocações, 
principalmente aqui em São Paulo, onde os times do Rio, são rivais 
históricos dos nossos clubes. Mas mesmo com esse clima não tendo grande relação
 com a música, apesar da latinha de refrigerante, aliás, uma sutileza 
que só percebiam ao final da música, o fato é que ofertava-nos um efeito 
interessante. A música, por si só, empolgava também. Lembro-me do Naminha, a iniciá-la na 
caixa e bumbo da bateria, e imediatamente contagiar o teatro. E aí, 
entrávamos com o instrumental todo, e o Laert a cantava em duo com o 
Pituco. Gostava de tocá-la, pois lembrava-me os frevos do Moraes 
Moreira. Uma canção bem composta, arranjada, empolgante, e claro, com 
letra corrosivamente satírica, no clima do trabalho todo.    
"Conspurcália"  (Laert Sarrumor) 
Há dias em que eu 
chego em casa
Preparo algo para comer, um lagarto me sorri, sarcástico e 
ferino
Um ácido corrói parte do intestino
Congelada, a carne me 
convida
E a salada é só inseticida
Esta comida, menina, tem 
anilina
Engorda o porco e faz morrer
Corantes, acidulantes
Gases, 
aromatizantes
Mamãe prepara a merenda com muito carinho
E assim ela 
encomenda a gastrite do filhinho
ue beleza, a cirrose está posta
E a 
sobremesa, lá-lálá-lá-lá
Esta comida, menina, tem toxina
Engorda o porco
 e faz morrer
É esse maldito regime, é esse maldito regime 
macrobiótico
É esse maldito regime, é esse maldito 
regime macrobiótico    
Nem preciso dizer que os versos finais tinham dupla conotação.
"Maldito Regime", teve esse poder do duplo sentido, a provocar o governo autoritário de então. Não foi uma novidade, pois lembro-me do humorista, 
Jô Soares, nos anos setenta, com um espetáculo denominado : "Viva o Gordo, 
Abaixo o regime", com essa clara intenção da dubiedade. Mas, mesmo sem 
ser original, a ideia na música foi muito boa, e rendeu-nos muitas risadas.
Continua... 
Nenhum comentário:
Postar um comentário