A
 cabala diz que a luz divina sempre está no mesmo 
lugar, nos esperando, 
nós é que não sabemos como 
alcançá-la. 
Nos últimos tempos, as únicas 
luzes que me tem 
chegado são da memória, como Sofie, minha magra 
namorada francesa, que poderia se desfazer com um 
vento mais forte e 
cantava alouete para mim.
Estamos
 no Quinta da Boa Vista, eu deitado em seu 
colo. 
O vento balança as 
árvores e os pássaros cantam para 
nós dois e para a vida. 
Era estranho 
como uma menina de pernas tão magras 
poderia ser uma coisa tão 
especial. 
Dou risada quando penso nas meninas de 
hoje. Na verdade, não é bem uma 
risada. É outra coisa 
do universo romântico. Um jeito que não é todo 
mundo 
que entende.
O
 ano é 1996. 
Sofie é dona de umas três lojas de artigos femininos na 
Zona Sul. 
Eu sou uma promessa literária, na agonia entre a fama 
e o 
anonimato. Ele tem 26 anos. Eu farei trinta. 
A gente se beija e o Rio de
 Janeiro entra no grande 
roteiro romântico do universo. Eu lambo os 
lábios dela, 
ela sorri; rimos e brincamos com o bolo de fubá. Ela me 
chama de Marcelo, como minha mãe. Com seu 
sotaque,parece mais que um 
carinho, o êxtase 
supremo. 
Um dia ela me pede em casamento.
-- Vamos casar, Marcelooo?
-- Você sabe que ,entre eu e você, tem a mamãe. Não 
posso deixar minha mãe sozinha.
-- Vamos levá-la. Na França, você tem mais chance. 
Aqui você pode se tornar um gênio incompreendido.
-- Por que você não fica?
Ela apenas sorri, melancolicamente.
Os
 dias estão se aproximando e nos amamos como se 
fosse sempre uma 
despedida. 
Eu lambia-lhes os pés e aquilo era minha glória. Que 
me 
importava o Camões, se eu tinha Sofie? 
Ela era o sagrado e a sagração; 
nesse tempo, nasciam 
flores onde eu pisava e tudo que eu bebia, dava 
inveja 
aos deuses. Sofie acreditava que eu seria um mito das 
letras. 
Às 
vezes, todavia, ela se queixava quase em francês.
-- Eu só tenho Você aqui , Marcelooo.
Um dia, o inevitável, no aeroporto Internacional.
-- Por que você tem mesmo de ir embora?
-- Não sei viver com gente sem cultura. Se você não 
casa comigo, prefiro voltar para Marselha.
 Foi assim que Sofie me deixou sozinho no país. E sem suas pernas magras de ninfa, para que eu pudesse continuar.







 
Psicológico roteiro!
ResponderExcluirTambém achei, Telma !!
ExcluirParece filme do Godard !
Nouvelle vague...sim, bem JEAN-LUC GODARD! "Foi assim que Sofie me deixou sozinho no país. E sem suas pernas magras de ninfa, para que eu pudesse continuar."... sensacional!
ResponderExcluirPuxa, que bacana saber que pensamos igual, Ana !
ExcluirTambém curti muito a crônica do Marcelino, um escritor inspirado.
Grato pela participação !