Aconteceu no tempo dos primórdios do
Língua de Trapo e dias antes do meu primeiro trabalho avulso, em 1979...
Desde que iniciei a tocar, em abril de 1976, pelo fato de estar a começar da absoluta
estaca zero, eu soube que precisava acelerar o processo do meu aprendizado de
maneira urgente. Se pudesse contratar famosas bruxas como "Samantha Stevens" ou "Jeannie", para
ajudarem-me com os seus poderes mágicos, seria o ideal para que eu pudesse transformar-me em uma
fração de segundos em uma espécie de "John Paul Jones da pauliceia", mas na realidade eu tive que amargar a
morosidade de meu aprendizado para aprender a tocar modestamente, não teve jeito.
Após duas
tentativas de estudar em escolas de música em 1977 e 1978, respectivamente, mas
que revelaram-se frustrantes por motivos que eu contarei em outras crônicas (e
sim, ambas renderam histórias pitorescas), tive uma terceira oportunidade no ano
de 1979.
Essa escola e esse professor também foram curiosos em muitos aspectos,
mas nesta crônica quero ater-me a um só acontecimento ocorrido e que foi tão
constrangedor que eu resolvi omitir de minha lista de shows, e neste caso, teria sido a
primeira apresentação na minha carreira a ser computada nos "trabalhos avulsos",
ao anteceder em cerca de quarenta dias aproximadamente, o meu primeiro trabalho que
computei de forma oficial nessa área, que foi como side man do cantor/compositor e pianista, Tato Fischer. E como foi?
Bem, eu
estava a estudar em um conservatório musical denominado: “Béla Bartók”. Localizado
na Penha, bairro da zona leste de São Paulo e apesar de ter esse nome pomposo,
por designar um compositor romeno erudito, “cool” entre os apreciadores da dita música
“clássica”, a tal escola era simples na sua constituição e aberta a cursos de
instrumentos em geral e com enfoque popular. Não foi o ideal que eu precisava e
buscava, mas se revelou do que coube no meu combalido bolso nessa ocasião e entre
estudar em uma escola simples e não estudar, cravei na opção “A”.
O professor
de baixo era um sujeito gentil, brincalhão e que logo mostrou-se amigo, mas de
contrabaixo ele não sabia nada. Era na verdade um professor de violão e que na falta
de um baixista de ofício, ministrava aulas para aspirantes nesse instrumento,
imbuído daquela máxima de quem toca violão e guitarra, por conseguinte, toca
baixo, também.
Claro que os princípios dos três instrumentos são os mesmos, mas
ao mesmo tempo em que existem similaridades, existem particularidades distintas
entre os três, portanto, são raros os músicos que dominam as três linguagens
com desenvoltura em cada uma.
Nas suas aulas
ele oferecia-me para trabalhar, um baixo Giannini, imitação do modelo Gibson 335 (e
que eu até gostava pelo "design", ao pensar na persona de Jack Casady, um baixista que admiro
e que usava bastante o Gibson 335 na sua banda, o grande, Jefferson Airplane), mas esse simulacro nacional não tinha som de nada, como quase todo baixo nacional tosco daquela época,
ao ficar só na imitação grosseira do design de um instrumento importado
consagrado, caso do Gibson.
Além disso,
a sua metodologia de ensino era modorrenta, ao pedir-me para marcar no baixo a tônica e
a quinta acima ou quarta abaixo dos acordes que ele tocava ao violão, ao executar músicas
do Roberto Carlos que cantava em plenos pulmões, a denotar que as adorava,
certamente.
- “A-ma-da
Amante-e-e-e”...
E nessa
altura, 1979, eu já havia evoluído muito por conta própria, ao tocar linhas de
baixo sofisticadas da parte de baixistas internacionais do Rock que eu apreciava, em
cima de seus discos. Portanto, tocar músicas do Roberto Carlos a estabelecer
marcações simplórias, além de não agradar-me em nada, é óbvio que não
engrandeceriam o meu aprendizado musical. Mesmo assim,
fui a insistir no curso e a pedir sempre que ele oferecesse um conteúdo melhor e
mais compatível com meu gosto musical, solicitação essa que nunca correspondeu, até que eu cansasse-me e deixasse a escola definitivamente.
Todavia, não
consegui evitar que ele convocasse-me a participar de uma apresentação que eu tive
certeza que seria constrangedora e da qual não consegui escapar, pois ele
argumentou que eu era o único aluno de contrabaixo em condições de tocar nesse
evento e o diretor da escola apelava para a minha colaboração, até a sinalizar eventuais
descontos nas mensalidades, se eu comprometesse-me a participar.
A escola
formaria uma banda para participar de um evento cívico, em uma sala de cinema daquele
mesmo bairro, no dia da Pátria, 7 de setembro, dia da Independência do Brasil.
Sem maneira para recusar, aceitei fazer parte e lá fui eu convocado a participar de um ensaio na
escola e aí, o que eu previra ser vergonhoso, comprovou-se na prática ser
ainda pior do que eu esperava.
Tratara-se de uma série de adolescentes a tocarem
violão "batido", bem naquela dinâmica pobre de iniciantes ao instrumento, um baterista que mal
conseguia manter a pulsação da música nas três peças básicas do instrumento, um mini
naipe de metais bem desafinados que chegavam a castigar o ouvido e o pior de
tudo, como toque de classe às avessas, um coral formado por alunos de canto, ainda mais desafinado e que
dava vergonha alheia. Mas poderia
piorar...
Quando eu tomei
conhecimento do repertório sugerido, deu desespero, com uma versão medonha dos
hinos nacional e da independência e um medley de músicas popularescas em seu bojo. Pior ainda,
quando informaram-me que usaríamos uma toga como uniforme da escola e cada
setor da banda com uma cor alusiva à bandeira do Brasil.
No dia da
apresentação, com o teatro lotado, a única amenidade que eu tive foi o fato de
haverem acatado o meu pedido para usar a toga verde, por motivos óbvios para quem conhece-me ou leu minha autobiografia com atenção e convenhamos, pelo menos isso!
A
performance foi uma tortura. A banda era horrorosa, o som daquela simulacro de
baixo Gibson 335, na verdade um Giannini, péssimo, e as togas verde/amarela/azul e branca, só não foram piores
que a constrangedora desafinação geral e luta pelo andamento perdido, com
aquele garoto da bateria a ter uma atuação catastrófica.
E a se somar a constatação óbvia: se a
maioria ali era ruim demais, imagine isso somado ao nervosismo do efeito “Stage
Fright” (medo do palco), da parte da maioria naquele palco.
Enfim, não lembro-me do nome de ninguém ali, mas torço para que caso alguém tenha profissionalizado-se, que de fato tenha melhorado o seu nível musical, pois naquele
dia de setembro de 1979, eu não era nenhum grande músico, longe disso, mas
sofri com a inaptidão total dos demais, fora o clima de ufanismo barato do
evento, com direito a discursos da parte de “lideranças do bairro”, aqueles aspirantes a
políticos que fazem dessas atividades, mini palanques para angariar simpatias
no seu reduto.
Foi tão
insípido que eu não computei como uma apresentação oficial minha e no caso, teria sido
o meu primeiro trabalho avulso de fato.
A única observação que foi positiva nesse dia foi o comentário do professor de saxofone da
escola, que ao perceber a minha expressão facial de aborrecimento indisfarçável ante a situação, passou por perto e
disse: -”que dureza”... quase como uma manifestação de solidariedade. E tal afirmação sintetizou o que representou aquilo...
Que dureza, cara! hahaha.
ResponderExcluirLuiz Henrique, que legal que achou bacana a crônica divertida !
ExcluirDe fato, quando aconteceu-me, foi bastante constrangedor, mas tantos anos depois, levo no bom humor e fico contente por ter gerado uma história em forma de crônica.
Muito grato por ter visitado o meu Blog 2 e postado comentário. Visite-o, sempre.
Abração !!
Ah...que dureza mesmo rss...eu tive uma apresentação também, em um palco muito chique e importante, no Esporte Clube Pinheiros, aonde eu estudava...Jardim da Infância! Toquei "coquinho" e triângulo! E cantei o Hino Nacional e o Hino do Clube Pinheiros...primeira, única e última apresentação musical da minha vida hahahah - depois só dança...é uma brincadeira de minha parte, óbviamente meu amigo...pois, embora essa apresentação desastrada, sua carreira - embora underground, maior parte do tempo - mas que conheci, respeito e super admiro, fala muito mais alto! Bj querido!
ResponderExcluirPassei por isso também, amiga Christine. Toquei triângulo na bandinha da minha escola, em espetáculo infantil realizado em dezembro de 1968, no Teatro Paulo Eiró...
ExcluirMuito legal saber que gostou desta crônica e melhor ainda a sua consideração pela minha pessoa e esforços artísticos na carreira. De fato, sempre no underground, com pequenos lampejos do mainstream apenas, mas sabemos, para estar nesse patamar é tudo questão de business e marketing, portanto, apesar da aspereza generalizada, tenho até uma certa sensação de orgulho por não ter conspurcado-me para habitar aquele mundo dos holofotes, onde geralmente a qualidade passa ao largo.
Bacana demais ter sempre seu apoio, inclusive nos meus Blogs !!
Beijo, amiga querida !