quarta-feira, 27 de junho de 2018

Crônicas da Autobiografia - Fila para Comprar o Sgtº Peppers e Eclipse - Por Luiz Domingues

             Eu (Luiz Domingues) em 1967, aos sete anos de idade

Aconteceu em 1967, no tempo em que eu nem sonhava em querer tocar, mas o Rock já estava a fisgar-me, sutilmente...

A minha lembrança sobre os Beatles remonta ao ano de 1963, quando o radinho que ficava em cima da geladeira da minha residência, tocava muitas de suas músicas, diariamente, enquanto a minha mãe preparava o almoço da família. E posso afirmar, tocava muito e com variedade de canções, não uma só. 
 
Continuei a ouvir nos anos seguintes com a mesma profusão, pelas ondas sonoras do rádio e isso somou-se ao bombardeio visual mediante fotos em jornais e revistas e a seguir, através dos ditos “promos” (vídeos “promocionais”, daí o prefixo “promo”, a se constituir da pré-história do vídeoclip), além do lançamento dos “Beatles Cartoons” na TV e obviamente por estar no pleno usufruto da infância naquele instante, isso só reforçou a minha simpatia pela banda, ao assistir os seus desenhos animados e obviamente, sempre a conter as suas canções.

O sensacional, "Rubber Soul", um dos dois LP's que os Beatles lançaram em 1966

No entanto, o primeiro álbum dos Beatles que eu ouvi na íntegra, assim que saiu, foi o “Rubber Soul”, em 1966 e foi mediante uma situação para lá de prosaica. Nesse ano, eu morava no bairro da Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo e bem próximo de uma praça chamada: “Cornélia”, com uma de suas faces para a Rua Clélia.
 
Nessa praça e naquela época, o bucolismo era enorme, ao parecer-se com uma pracinha interiorana. Aos domingos, famílias reuniam-se ali e o padre da paróquia São João Maria Vianney, mandou instalar um serviço de alto-falantes espalhados pelas árvores da praça e assim, sob um clima de quermesse, tocava-se música o dia inteiro. 
 
Predominava a MPB na maior parte do tempo, mas também bastante artistas dito jovens do movimento da “Jovem Guarda” e do Rock internacional (pasmem!), e foi por conta dessa fortuita oportunidade que eu ouvi os dois lados do LP “Rubber Soul”, muitas vezes, a denotar que o padre delegara a função da escolha e controle dessa discotecagem para algum jovem “antenado”, pois só tocavam-se coisas boas ali, a grosso modo.
Ainda a morar no mesmo endereço, em 1967, lembro-me que em uma certa manhã desse ano, o radinho estava ali em cima da geladeira, a todo vapor a embalar as tarefas domésticas de casa, quando subitamente o céu começou a escurecer. 
 
Não fora, no entanto, algum sinal de uma tempestade a aproximar-se, mas um eclipse, um fenômeno astronômico que no alto de meus quase sete anos de idade naquele dia, eu já entendia o que significava, mas nunca havia visto, ao menos nessa proporção tão impressionante, pois ainda que rápido, o céu do meio dia tornou-se igual ao da meia noite, praticamente. 
 
Pelo rádio, o locutor falava em tom solene (e naquela época, todo mundo falava com esse tom grandiloquente no rádio e na TV), ao emitir o boletim sobre o eclipse e as suas consequências como por exemplo, a rede pública de iluminação que fora ligada para dar suporte, entre outras providências. 
 
Mas o locutor também falou de um fenômeno paralelo que estava a ocorrer em diversas lojas de discos, ao menos nas mais badaladas e modernas da cidade, na ocasião. Chamara a atenção da imprensa o fato de que filas kilométricas de clientes foram formadas em tais lojas, pois tais estabelecimentos estavam com o estoque pronto para a venda, do novo álbum dos Beatles que chegara às suas prateleiras. Tratara-se de um álbum com um nome comprido e inusitado, mas nessa altura, todo mundo só esperava loucuras vindas dos Beatles, convenhamos...

E não foi apenas do mais novo álbum dos Beatles que fez com que os fãs enfrentassem uma fila na porta das lojas, em 1967, mas simplesmente, uma obra-prima, que tornou-se um marco do século XX, sem exagero algum...    

E foi assim então, em um dia atípico, com escuridão ao meio dia, que o rádio anunciou eclipse e filas formadas por ansiosos fãs dos Beatles na porta de lojas paulistanas de discos. 

Ao pensar agora como adulto, eu gostaria de haver tido alguns anos a mais em 1967 e não apenas sete anos de idade nessa ocasião, para poder ter aproveitado a década de sessenta com maior intensidade, sem dúvida, mas não posso reclamar, pois mesmo criança e sem acesso total ao que ocorria no mundo e sobretudo pela falta de um poder de assimilação mais maduro, ainda assim, sinto-me privilegiado por ter vivido aquela década e possuir tais lembranças comigo. 

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O Cantor que não Suportava ser Chamado pelo seu Próprio Nome - Por Luiz Domingues

-“Como canta bem aquele rapaz!”

Esse costumava ser o comentário recorrente da parte de quem assistia as performances de um cantor com talento nato, cujo nome mostrava-se exótico: Sincarlos. De fato, desde a tenra infância, nas festinhas infantis e nos festivais colegiais das quais apresentou-se a cantar, Sincarlos despertava a atenção e sobretudo a admiração contumaz de quem o via em ação. Mas havia um problema, porque ao ostentar tal nome exótico, esse fator o envergonhava acintosamente. 
 
O seus pais eram pessoas simples e quando ele nascera, acharam que a junção da palavra, “Sim”, com o nome próprio tradicional, Carlos, que gostavam por conta do “Rei”, Roberto Carlos, haveria de despertar admiração ao seu filho, pois eles quiseram que a positividade dessa afirmativa, expressa por tal palavra, designasse que a vida seria boa para o seu bebê. 
 
De fato, Sincarlos nasceu com o talento para o canto e mesmo que não quisesse seguir pela vida artística com propósitos sérios no futuro, no mínimo, haveria por angariar simpatias por onde quer que atuasse, nem que fosse para cantar amadoristicamente nas festas corporativas de final de ano no ambiente de empresas, cultos religiosos ou nas reuniões familiares.
Mas não foi o caso, pois a música arrebatou Sincarlos de tal maneira que o talento latente apenas potencializou a sua determinação em fazer disso a sua carreira. 
 
Rapidamente, desde os pequenos conjuntos de garagem, sendo ainda um adolescente imberbe, Sincarlos já estava a receber convites para gravar e atuar em bandas maiores, para atingir o grande público.
 
Tudo isso fora metafórico e empolgante para ele, no entanto houve um componente desagradável, que fora a sua sina desde o berço, isto é, a questão do nome exótico a suscitar confusões generalizadas no tocante ao seu entendimento, fora a questão desagradável sobre as piadas prontas e debochadas, fruto dessa situação que o vitimara com o inevitável “bullying”, desde muito pequeno. 
 
Agora ele estava diante de um dilema, ao demarcar o seu nome para exercer a sua arte, portanto: assumiria o seu nome real, criaria um “nome artístico” ou um apelido?
Ele optou então pelo apelido, “Simca”, que lembrava vagamente o seu nome real, para não perder totalmente o vínculo. Mas não adiantou nada, pois mesmo tendo o apelido oficializado nos encartes dos discos que gravara e todo material publicitário relativo a isso, o público, por carinho da maioria e desdém dos debochados, insistia em chamá-lo pelo nome próprio. E nem mesmo o sub-apelido evidente, “Chambord” (a alusão ao antigo carro da marca Simca Chambord), o ajudara a amenizar seu problema.

Todavia, traumatizado desde a infância pelas brincadeiras maldosas, sempre que identificava alguém a chamá-lo assim, com a segunda intenção de desdenhar, ele perdia a cabeça e brigava. Xingava e ia às vias de fato sem parcimônia e tal fator inerente de sua personalidade agregou-se à sua imagem pública a gerar um efeito retroalimentador, e assim tornou-se um prato cheio para os seus detratores. 
 
Então, muitos elementos mal-intencionados infiltravam-se nas suas apresentações com a intenção deliberada de provocá-lo, só para sabotar os seus shows, visto que ele não suportava engolir desaforos, e mesmo que a imensa maioria estivesse ali porque adorava a sua voz refinada e sua excelente performance de palco, sabotadores em potencial sempre compareciam apenas com tal determinação torpe.
Certa vez, inserido em um grande festival de música, o público estava a delirar com a performance de sua banda e dele, Sincarlos, em específico, quando um sujeito gritou sozinho, ao aproveitar-se de um raro momento de silêncio generalizado entre as músicas e com o público a respirar:

-“Sincarlos, cantorzinho do nome ridículo, por que não muda para Nãocarlos?“

Não demorou um segundo, nem mesmo para para o autor rir de sua própria galhofa deselegante e o sujeito levou um violento impacto bem no meio da testa. Fora desferido pelo próprio, Sincarlos, mediante o uso seu pedestal de microfone como uma arma. Enlouquecido, Sincarlos mudara o seu semblante  de forma similar com a qual o Dr. Bruce Banner porta-se normalmente quando contrariado e quem conhece o universo Marvel, sabe o que costuma acontecer em tais circunstâncias...
Sincarlos cantava muito, era adorado por seu fãs, mas não suportava piadas motivadas pelo seu nome estranho. Portanto, essa questão revelara-se complexa pelos seguintes aspectos:

1) Não teria sido melhor controlar o seu temperamento explosivo, por tratar-se de uma pessoa pública?

2) Sempre há a presença de gente mal-intencionada a procurar a diversão por vias inconvenientes, ou seja, a querer zombar de alguém como se todos fôssemos idiotas a servirmos os galhofeiros de plantão, o que faz dessa gente, execrável em essência.

3) Quando for registrar um filho no cartório, pense nas consequências que essa pessoa terá pelo resto da vida por uma escolha equivocada de sua parte ou de seu cônjuge...

domingo, 17 de junho de 2018

Metamorfose às Avessas - Por Luiz Domingues



Havia um grupo de jazz na cidade, chamado: “Gouttes”, formado por rapazes jovens e bem nascidos, de onde deduzia-se que no caso dos seus componentes, o conhecimento musical avantajado fora adquirido mediante estudos em boas escolas de música e pelo equipamento e instrumentos de alto padrão internacional que usavam, fora óbvio que eram mesmo todos abonados. 
 
Claro que isso não era demérito, embora a inveja que sempre grassa no meio, provocasse comentários deselegantes da parte de muitos invejosos de plantão, que desdenhavam deles, ao chamá-los de “frescos”, por se vestirem como dândis europeus. 
 
E como se não bastasse serem bons músicos, bem equipados e bem preparados técnica e teoricamente, os rapazes eram bem apessoados e despertavam a atenção das meninas e isso potencializara ainda mais a raiva da parte do cordão dos invejosos.

- "Poxa, os rapazes tocam músicas de artistas de primeira grandeza como Thelonius Monk, Chet Baker e Charles Mingus à perfeição, tem ótimos instrumentos e arrancam suspiros das meninas por terem, todos eles, a fisionomia de galãs de cinema como Alain Delon e Tony Curtis... que raiva", vociferavam alguns desses maledicentes!
Mas nem todo mundo pensava assim no meio. “Tem sempre laranjas boas no caixote, embora ao fundo algumas estejam podres”, filosofia popular, mas com seu fundo de verdade e dessa forma, um músico do meio que batalhava por sua carreira, mas nem de longe com as mesmas condições financeiras tão boas desses rapazes, fizera amizade com o baterista do “Gouttes”.

Em uma ocasião futura, durante a realização de um grande festival, esse rapaz mais simples, finalmente ingressara em uma banda mais proeminente e por pura coincidência, a sua banda estava escalada para atuar na mesma noite. 
 
Nos bastidores, Dom, esse rapaz mais humilde encontrou-se com Dan, um dos componentes da banda de Jazz, mas as circunstâncias agora mostravam-se bem diferentes para o “Gouttes”, pois a banda passara por uma ampla reformulação. 
 
Eles não tocariam mais Jazz, como amavam praticar e doravante, sob a orientação da gravadora com a qual haviam assinado um contrato felpudo e em comum acordo com um empresário, daqueles bem centrados na determinação comercial total na música, fariam um som bem popular, ao sabor da orientação dos marqueteiros da ocasião. 
 
Claro que havia o dissabor pessoal da parte deles, segundo confidenciou Dan, mas a parte prazerosa a compensar tamanho sacrifício, seria a perspectiva do mega estrelato, mediante portas abertas na mídia, com o esquema de hiper divulgação da gravadora, bem alinhavado com os planos do empresário, que já fechara uma mega turnê em âmbito nacional. Sob tal perspectiva de se obter um sucesso estrondoso, os rapazes não vacilaram para fechar o contrato.
Entretanto, houve um componente a mais nessa mudança imposta por tais fatores externos e Dan explicou a Dom, que a gravadora insistira na inclusão de uma cantora, no grupo. 
 
A ideia seria ter uma menina muito bonita na linha de frente, com porte de modelo e nem precisava ser uma cantora de fato. Se ela conseguisse manter uma afinação mínima dentro da harmonia e aprendesse a não perder a pulsação/andamento das músicas, seria o suficiente e visto que os seus colegas eram excelentes músicos, toda a parte musical estaria garantida, em tese, portanto, não deveriam temer por nada constrangedor. 
 
Porém, essa era a conversa da parte de empresários e marqueteiros da gravadora, pois bom músico que era, é claro que Dan sabia que no desenrolar dos acontecimentos não seria assim exatamente como fora preconizado e na prática, uma pessoa com pouco talento e nenhuma experiência musical poderia arruinar tudo. Foi quando afirmou em tom de desolação:
 
-“ela é linda, mas não canta nada”...

Bem, por se considerar que 99.9 das pessoas não tem noção de teoria musical e pelo menos 85% delas, são facilmente manipuláveis por campanhas publicitárias bem fundamentadas pela formação de opinião, não deu outra, a outrora boa banda de Jazz fez muito sucesso popularesco, ao produzir um som Pop, enlatado & insípido, bem ao gosto do modismo da ocasião, com a cantora que na verdade não cantava nada, mas ante a sua devida proeminência, a encantar pela sua beleza física acentuada. 

Por tais fatores públicos e notórios, e mesmo que não despertasse nenhuma queixa pelo seu fraco desempenho musical da parte de seus fãs, pouco criteriosos, tudo logrou em êxito. Ou seja, “tudo como dantes, no quartel de Abrantes”, a anotar-se mais uma pérola da sabedoria popular e certeira para designar a mesmice que norteia a difusão cultural comercial. E assim, o bom Jazz do Gouttes, ficou apenas restrito à memória de um reduzido grupo formado por testemunhas de um tempo remoto.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Ostracismo e Estrelato... - Por Telma Jábali Barretto

No mundo atual muito acontece estimulando a exposição, mídia levando ao palco coisas e pessoas com certa facilidade...Muito a contento de muitos e muito ao desconforto de outros.

Bem mais difícil, agora, permanecer no anonimato e ...quantos?! ...ainda, o desejam?!...Parece existir uma necessidade crescente dessa coisa de ser visto, conhecido...quase que uma psicoterapia (terapia deveria “curar” e ?!”...) coletiva onde direta ou sub-repticiamente, comentamos, narramos, expomos tudo que vivemos, sentimos, questionamos ou desejamos num infinito “Caras” que nem se limita mais a fins de semana, mas, a cada circunstância em cada sagrado dia! E de quanta troca, aprendizado sim, mas, quanta confusão daí advém, quanto filtro e critério deveremos aprender a ter e de quanto palco para tanto ... Isso comprova aquela fala do “falem até mal, mas falem de mim..” Na contramão disso, também, uma crescente necessidade do direito de privacidade, que nem de longe quer chegar ao outro extremo, do ostracismo... Esse é apontado, atualmente, como um dos maiores medos que assombra pessoas. Quão complexos nos tornamos?!...Jaya!!! Estamos evoluindo! Em meio a uma consciência patente, inquestionável que todos passaremos...mas, em meio a esses mesmos processos, queremos assegurar que, de alguma forma, ficaremos! Imaginar que sejamos abandonados, esquecidos...esmaecidos, talvez incomode mais que antes...

Não ser para si mesmo, impossível ! Somos de carne e osso e, como tal, carregamos a bagagem que essa matéria orquestrada por muitos sentidos, mente, alma e espírito dão vida e forma ao que chamamos existir numa sinfonia única de anseios, conquistas, dores e amores na passagem desse chamado viver, no nosso mundo. De onde será vem  acontecendo essa necessidade de deixar nossa marca?!...

Parece ser mais recente, na trajetória humana, esse tipo de circunstância, que elucubramos em nossas caraminholas otimistas onde ousamos dizer, novamente, seja uma característica de amadurecimento! De nosso olhar, possa ser uma consciência recém surgida que algum papel nos caiba nesse grandioso cenário de que somos parte, co-habitando lugar, tempo e momento. Querer saber qual personagem nos foi designado, corresponda ou queiramos?! Aceitar e assumir possa ser valioso, quem sabe?! e, até, um certo senso de responsabilidade para com o todo, o mecanismo e engrenagem gigantesca que flui impune e inexorável. Finalmente, começamos entender  individualidade... Mas, daí a imaginar que sejamos todos fadados ao estrelato, numa mesma cena onde cortinas se abrem, palcos são pensados e montados, em que luzes e sombras das histórias são construídas e dirigidas, músicas compostas para dar corpo a todo um contexto e, que desse olhar que enxerga o todo, nada poderia ter sido suprimido para que o bom espetáculo aconteça, para que aqueles que deram forma possam ‘servir’ com suas habilidades, trazendo beleza/desordem e harmonia/inquietude para aqueles outros impactados pela força e energia flua levando inspiração/revolta a tantos outros cuja contribuição seja anterior ou posterior a essa dita encenação....?!....

Para que cada situação aconteça, muito além cenas acima descritas, numa busca de didática para transmitir algo tão transcendente como o próprio viver, olhamos para cada trajetória única, desses bilhões de seres que ora convivemos, só nesse planetinha que nos acolhe, milhares de outras e tantas sutilezas são postas a serviço. Infinitesimais e subliminares, assim como extrapolados, superquânticos fluxos continuamente nos estimulam numa incansável busca de nos acessar, para, mais que brilhos e lantejoulas, ou num outro extremo, o simples direito de existir além holofotes,  nos convidem a trazer o melhor de nós mesmos, numa real oferta daquilo que, cientes, sabiamente, seja nossa sensação do  cumprimento de dever de casa, de quem mesmo desperto, durma numa infinita paz !!!

Que cada qual exerça, usando o melhor de seus sentidos, com escutas e olhares apurados, afinados numa auto-observação honesta e verdadeira, trazendo aí sim, sua intransferível dignidade interna, com  sintonia e idioma o palco da Vida!

Telma Jábali Barretto é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Engenheira civil, é também uma experiente astróloga; consultora para a harmonização de ambientes e instrutora de Suddha Raja Yoga. Nesta reflexão, aborda a complexa questão que envolve a notoriedade pública, e suas inerentes agravantes a criar paradigmas egóicos. 

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Crônicas da Autobiografia - O Golpe da Falsa Limpeza - Por Luiz Domingues



      Aconteceu no tempo da Patrulha do Espaço, em janeiro de 2000

Estávamos a gravar o álbum “Chronophagia”, da Patrulha do Espaço, em janeiro de 2000, no estúdio Camerati, de Santo André-SP, cidade localizada na região conhecida como Grande ABC, integrante da gigantesca mancha metropolitana de São Paulo. 
 
Tal estúdio fora bem usado nos anos anteriores, mas naquela ocasião, estava decadente, a carecer de reformas em sua estrutura física, ainda que a parte operacional do equipamento, propriamente dito, ainda estivesse em ordem, com tudo a funcionar a contento. 
 
Entretanto, o seu proprietário na época, já havia desistido de investir nas suas melhorias e mediante o pedido do proprietário do imóvel para a devolução do mesmo, resolvera vender todo o maquinário e fechar as portas. Portanto, nós fomos os últimos artistas a usufruírem de suas instalações e o nosso álbum ali em construção, “Chronophagia”, tornou-se por conseguinte, o último disco ali gravado, oficialmente.
Esse estúdio continha uma particularidade interessante em sua arquitetura, pois por tratar-se de uma antiga residência de alto padrão, era muito amplo e com um desenho estrutural arrojado, a fugir do padrão de uma residência familiar tradicional, porém, por  apresentar salões enormes, o que possibilitou que tal empreendimento fosse adaptado para ser usado como um mini centro cultural, mediante um auditório na sua parte interna, dentro de um salão que deve ter sido uma espécie de “living room” muito amplo, anteriormente. 
 
E o estúdio em si, ficava alojado em uma instalação igualmente ampla, montada no quintal, ricamente ajardinado, como uma sala de inverno charmosa e sob um belo paisagismo, mas isso em um tempo anterior, deduzíamos, pois estava tudo muito mal cuidado nesses tempos decadentes em que vivera os seus últimos dias e assim, a meta do seu mandatário foi sucatear o estúdio, vender o seu equipamento e entregar o imóvel ao proprietário, que nessa altura já estava apalavrado com um empreendedor que visava montar ali um restaurante de cozinha japonesa, sob alto padrão (e foi o que ocorreu, meses depois). 
Foi quando surgiu a ideia para aproveitarmos a nossa maratona de sessões ali e produzirmos um show no pequeno auditório do complexo e assim, logicamente ao visar aproveitar a estrutura do estúdio para gravar o concerto. Tudo isso eu contei com detalhes no texto do meu livro autobiográfico, mas aqui eu exponho um detalhe inédito e inusitado. 
 
O dono do estúdio na ocasião, foi o cantor/compositor, Belchior, uma figura sensacional da MPB setentista, autor de muitos clássicos naquela década etc. Contudo, ele não teve nenhuma intenção de salvar o estúdio, que já comprara por um preço reduzido da parte do antigo dono, consciente de que estava decadente e dessa forma, o seu plano foi apenas o de ganhar algum dividendo com a venda do equipamento e nada mais. 
Portanto, ele nem aparecia por lá e deixara a responsabilidade da sua administração em seus dias finais, ao técnico de som que cuidou de nossa gravação e só havia um funcionário (um faxineiro), que astutamente, ao perceber a decadência do espaço e por antever a perda de seu emprego, ficava nos quartos vazios do patamar superior, a aproveitar a calmaria total e simplesmente dormia o dia inteiro, sem pegar em uma vassoura, em hipótese alguma. 
 
Quando esse rapaz soube que nós tencionávamos fazer um show no auditório, veio rapidamente dizer-nos que haveria uma “taxa de limpeza”, que seria supostamente uma ordem expressa de seu patrão. Pura balela, Belchior nem aparecia ali e claro que a sua intenção fora apenas amealhar dinheiro para o seu bolso.
Então, quando percebemos o golpe do aspirante a astuto, dissemos-lhe que pagaríamos após o show e então, nós ficamos a observar os seus movimentos na contrapartida. 
 
Claro que ele fingiu empenhar-se, ao passar uma vassoura fortuitamente pelo auditório, mas isso revelou-se risível, pelo serviço ridículo que empreendia, que mal conseguia disfarçar de tão embusteiro que ele era. Então, nós enfatizamos que ele deveria esmerar-se em limpar bem não apenas o auditório e a entrada do estabelecimento, mas sobretudo os banheiros que serviam a parte concernente ao auditório e que seria usado pelo público, que esperávamos. 
 
E como havia uma quantidade deprimente de baratas mortas ali nos banheiros, reforçamos a ordem para ele cuidar disso. Infelizmente, ele não fez nada e quando demos conta disso, ficamos chateados, mas certamente que instaurou-se a determinação para não pagarmos absolutamente nada ao elemento. 
 
Não dava tempo para tomarmos providências em outro sentido, porque a montagem do equipamento e preparação da gravação do show consumiu-nos horas e assim, envergonhados parcialmente, assumimos a ideia de que o público teria banheiros sujos à sua disposição, com baratas mortas pelo piso, mas por outro lado, se a produção do show fora nossa, é bem verdade, a casa estava em más condições e supostamente cobrara uma taxa para tal providência ser tomada e ao não cumpri-la, eximira-nos totalmente de culpa perante o público e principalmente da obrigação de pagar por algo que não fora feito, como um serviço prometido.

Pois bem, fizemos o show no sábado e na segunda-feira posterior, quando o sujeito veio cobrar-nos, ele foi conduzido por um membro da nossa banda a uma inspeção nos banheiros e ao mostrar-lhe as baratas mortas na mesma posição em que ele as vira na sexta-feira, o embusteiro percebeu que a nossa recusa para pagá-lo, não oferecer-lhe-ia a chance de nenhuma contra-argumentação em contrário.

Ainda bem que nenhum usuário do recinto, oriundo do público, teve a ideia de “chutar” os corpos inertes dos blatídeos, a destruir assim a nossa prova cabal contra o nosso golpista “barato”...