sexta-feira, 29 de junho de 2012

O Que Beira a Margem - Por Julio Revoredo

Há um ser, que distende

Voraz e célere, apreende

Nao tem veias, impressões digitais.

Segue-se a apreensão, desfoca, imago, mago, nada, inflexão.

E sombra, esbora, acende.

Se há vida, na vida, tangeia.

O que dizer sobre o estranho,

Por onde cruza e vagueias ?

Não e tão simples assim, quando o encara, o profundo olhar nao tem fim

E sim , fogo.

Triplica-se no espelho, o jogo, sabe-se, homem, dobro.

Há um ser, que distende, ao que o comum, não compreende, e que continua, no amplo fluxo.

Julio Revoredo é colunista fixo do Blog Luiz Domingues 2. Poeta e letrista de diversas músicas que compusemos em parceria, em três bandas pelas quais eu atuei: A Chave do Sol, Sidharta e Patrulha do Espaço. É também um pesquisador em potencial, por possuir um arquivo pessoal invejável sobre música, cinema, literatura, teatro e artes plásticas.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Do Homem Obscuro - Por Julio Revoredo


Resplandece com a luz do sol

Une o corpo a alma

O frio queima

Anoitece

Começa a dizer-me enigmas
Inconstante no amor

Abre-se a terra

O ódio e sepultado no esquecimento

Palavras transpõem-se

A beleza do estilo

A sombra é enganadora,
Ante o véu da alegoria

Ante o inventor das palavras

O furor das ondas

O choque dos ventos

O mar glacial, dia infausto
Zune o vento tempestuoso

Não há refugio

Há fastio.

Soturno Saturno
A alma dos mortos

ígnis vigil

Volutatio animi.



Julio Revoredo é colunista fixo do Blog Luiz Domingues 2. Poeta e letrista de diversas músicas que compusemos em parceria, em três bandas pelas quais eu atuei: A Chave do Sol, Sidharta e Patrulha do Espaço. Os seus poemas são ricos em imagens fortes e sentimentos análogos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Um Épico do Caju ao Recreio - Por Marcelino Rodriguez

A cena não me sai da memória, como se eu estivesse participando de um filme épico, percorrendo lugares ermos, buscando um sinal que lembrasse-me a civilização.

Era como se eu estivesse nos países mais pobres da África ou da Ásia. Mais estava no Brasil, numa viagem de ônibus que vai do Caju ao Recreio dos bandeirantes, via Avenida Brasil.
O trajeto abunda em outdoors, indústrias, comércios variados,
favelas, muita pobreza no ar, o que já deprime.
Mais um fato que chamou-me a atenção sobremaneira foi que até
chegar-se ao Barra Shopping, em mais de hora de viagem, olhando pela janela do ônibus, tentando entender aquelas paisagens amorfas, não se avista uma livraria sequer.

Fiquei pensando na violência, nas relações genéricas de um país
continental que não cultua livros como gênero de primeira necessidade.

Como se relaciona a população sem leitura?  Como pensar um povo sem cultura? Que futuro pode haver? Descobri a pólvora nesse dia: falta cultura de livros no Brasil.

Ou seja, o livro precisa ser descoberto.
A população simplesmente não sabe que através do conhecimento poderia sanar parte de seus problemas. Não se relaciona livro com poder e dinheiro, curioso... Assim que a informação passou a ser meramente decorativa, com "bacharéis" sem literatura,
daí a péssima qualidade do funcionalismo e das trocas sociais em
geral, incluindo um comércio cego e imediatista, religiões pitorescas,
e a vida vazia do faz de conta do vídeo, com indivíduos abaixo da crítica, doentes.

Monteiro Lobato , "descobridor do petróleo no país", provavelmente com senso livresco, dizia que um país se faz com Homens e livros.

Eu diria que os homens se fazem com livros ou valores, pois são essas qualidades que alçam a humanidade acima do reino animal.

Mais livros e se teria mais disciplina, menos violência, se gastaria
menos em drogas e jogos, diminuiria a gravidez prolixa de pobres e
adolescentes.
Livro ensinaria a lei da consequência e a descoberta do outro. O livro é uma ponte entre o humano e o divino. Ou será que se pode pensar a humanidade sem livros? Eu diria até que certos homens
são dispensáveis; livros, não.

Aqui está a pólvora do mal brasileiro: pensa-se ser possível chegar a algum lugar sem informação.  Onde fica esse lugar mesmo? Aliás, o que é lugar?

Quem quiser descobrir um país ( ou inventá-lo ) tem que começar pelos livros.

A falta de cultura é o que engendra todos os males no país da minha mãe.

Marcelino Rodriguez é colunista sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor, cronista e difusor cultural, já tem diversos livros publicados , entre eles, "Bom Dia, Espanha" e "O Tigre de Deus em seu Jardim". Nesta crônica, escrita em 2005, expressa seu desalento em relação à dramática situação da educação e cultura no Brasil, onde o hábito da leitura inexiste, simplesmente.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 10 - Por Luiz Domingues


Animados com a perspectiva em participar de um festival com um nível muito alto para os nossos padrões daquele momento, resolvemos encorpar o som da banda, ao acrescentarmos um novo membro, e tornarmo-nos então, um quinteto com a entrada do guitarrista, Wilton Rentero. Ele surgiu oriundo de uma indicação que o Laert recebeu, a dar conta de um garoto que era estudante de violão clássico, e apesar de ter pouca familiaridade com guitarra, ser rocker. 


Apesar do Osvaldo não ter apreciado muito a ideia, pois era o membro fundador e estava acostumado a ser o “lead guitar”, foi convencido pelo Laert e por eu mesmo, que seria benéfico para a banda ter outro guitarrista e assim, o som da banda ser mais qualificado. E assim, marcamos uma audição com o Wilton Rentero, e sua técnica era tão superior à dos demais, que nem precisamos consultar-nos, verbalmente. Aprovadíssimo estava, sem reservas. Foi por volta de março de 1977, que isso ocorreu e assim conhecemos o Wilton Carlos Rentero. Apareceu com sua guitarra "Ookpik", modelo SG, branca e disposto a mostrar-nos seus dotes musicais em um teste. Sua presença tornar-se-ia a grande oportunidade para catapultar a banda rumo a outros degraus, mais altos.


Como quinteto e tendo um guitarrista que fazia solos desse nível, consideramos que a boa base feita pelo Osvaldo, cresceria, também.

Além disso, tínhamos o Laert Sarrumor, que apesar da sua inexperiência nessa época, era um diamante bruto, em processo de lapidação, e a passos largos. E fora o fato de que eu crescia muito no baixo. Em março de 1977, eu já tinha quase um ano de esforços para vencer a barreira inicial do aprendizado, e posso dizer que melhorara muito. O que menos crescia no entanto, foi o Fran Sérpico, mas mesmo mais lentamente, também apresentava seus progressos.
O Wilton Rentero morava em Engenheiro Goulart, um bairro da zona leste de São Paulo, próximo à Penha. Parecia uma cidade do interior, com pracinhas e estação de trem etc. Era (é), bem longe, mas sua força de vontade nunca tirou-lhe o ímpeto para ensaiar e participar das atividades da banda. Logo que entrou, já deu-nos a perspectiva em inscrevermo-nos em festivais. Espertamente o Laert sabia que faltava esse detalhe para a banda pleitear participar de festivais estudantis, e de fato, ficamos muito enriquecidos com sua guitarra. Ele era estudante de violão clássico, mas tinha também uma forte formação Rocker, a apreciar tudo o que gostávamos, praticamente. Mas sua predileção era mais pelo Blues e Rock'n Roll, do que Hard-Rock e Progressivo. O negócio dele era “Janis Joplin”; “Rolling Stones”, e outros artistas próximos dessa sonoridade. Não que não gostasse de Prog Rock, aliás gostava bastante do “Yes”, mas na hora de tocar, seu estilo era mais Stones, via Mick Taylor. Porém, o som mais pesado também fazia-se presente, e nesse caso, o “Led Zeppelin” era sua banda de cabeceira. Apesar de ter menos familiaridade com a guitarra do que em relação ao violão, logo adaptou-se e seus solos cheios de veia bluesy, transformaram a banda, ao dar-nos um salto quântico de qualidade. E obviamente, todos motivaram-se a estudar mais, ao subir o nível do Boca do Céu.




O festival “Fimp” não deu certo, mas tínhamos duas perspectivas interessantíssimas: o Festival do meu colégio, "Femoc" (Festival Estudantil de Música Oswaldo Catalano"), e o Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo), este sim, de grande porte, com eliminatórias no ginásio do Palmeiras e transmissão pela TV Bandeirantes. Começamos então a ensaiar e prepararmo-nos para gravarmos as músicas com melhor qualidade, a fim de podermos ter condições de classificação. 
A amizade com o Wilton Rentero foi instantânea, e logo, eu; Laert, e ele, passamos a frequentar juntos o mesmo circuito freak da cidade. Shows; cinema; teatro, e exposições, e lá estávamos nós na porta, com visual de hippies, e aquela euforia por estarmos envolvidos naquela atmosfera setentista maravilhosa. E nem desconfiávamos que estávamos no "final da feira", com aquela “vibe” indo para o ralo... mas aí é outra história. Um exemplo vívido disso que acabei de dizer no trecho anterior, ocorreu por exemplo, no dia seguinte ao nosso primeiro show, quando fomos ao Teatro Municipal de São Paulo, para assistir o show "Mutantes / O Terço tocam Beatles". Essa história já foi contada em capítulo anterior, inclusive.


Atmosfera mágica de anos setenta; aquele perfume de patchouli; todo mundo vestido como hippie chic; cabeludos; e com aquela esperança utópica por estarmos a transformar o mundo cinzento, com a força do amor...


Toda essa atmosfera “Woodstockeana” que chegara atrasada ao Brasil, alimentava os sonhos do Boca do Céu, e certamente foi fator de incentivo para a nossa trajetória. Sem esse clima, não teríamos tido tanta força de vontade, não tenho dúvida disso.
E no ano de 1977, o Brasil deu seus primeiros passos tímidos em direção aos shows internacionais. Após shows sazonais de Santana; Herman Hermit's; Jackson Five; Steve Wonder; Ray Charles; Ravi Shankar e Alice Cooper... mas creio que após o Rick Wakeman em 1975, foi que a perspectiva começou a tornar-se mais concreta e nesse ano de 1977, tivemos duas surpresas agradabilíssimas desse porte internacional, e que tiveram suma importância no fator motivacional do Boca do Céu. Comentarei no decorrer da cronologia dos fatos.
Continua...

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Autógrafo - Por Luiz Domingues

Um pedaço de papel

Um rabisco apressado
Uma fuga, uma ilusão

Um sonho realizado
Poema escrito em 1982 e certamente a refletir uma opinião pessoal sobre essa relação subserviente e sem sentido sobre a questão do autógrafo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Pelos Parafusos, Ouço Vozes - Por Julio Revoredo

Esgueira-se através das hiperceleres reentrancias.

Obducto ser, pelos cegos voos, dupla solombra e reboos.

Desvidra o que o vidro

acende, na floresta hiperborial de alfazume.

Singra pelos contôrnos abscônditos do que descende.

Afla pelos ritos, do que distende,

Profusos parafusos, amanhecer tangerina.
Perdestes a perna e a mente,

Azul, azul, lisoforme, espelho diluído em rosa,

Rosa 7,7 

Rosa,7.

E tudo tão indistinguível,

Apalpaste o umbral,

Então flui, rui, ancora,

Esgueira-se através das hiperceleres reentrancias.


Julio Revoredo é poeta e letrista de diversas músicas em que compusemos juntos, em três bandas pelas quais eu atuei: A Chave do Sol, Sidharta e Patrulha do Espaço.
Já forneceu também suporte literário com textos, para a montagem de espetáculos musicais com elementos teatrais para A Chave do Sol, nos anos oitenta.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Problemática da Solidão Bucólica - Por Luiz Domingues

Em uma manhã florida

Bela estética

Estática da margarida

Sinto-me isolado
Embora rodeado

Por tantas formas de vida.
Poema escrito em 1982 e certamente a refletir o desconforto de uma alma libertária e sessentista, em meio ao pesadelo oitentista.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Homo Anonymos - Por Luiz Domingues

É apenas mais uma vida

É só uma história esquecida

Qualquer dia perdido

Em uma folhinha envelhecida

Um instante qualquer

Um homem, uma mulher na multidão

Que não sabem o que querem...
Poema criado em 1982 e guardado em um caderno velho, tal como a folhinha de calendário citada.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Um Corpo Remoto na Floresta - Por Julio Revoredo

Deitaste o corpo remoto
Na imota floresta
Entre sombras
Eco distante, no que destoa
Sentado, caminhas, sob fina garoa
Sim, fina garoa
Como um trago de garapa
Sob o violáceo olhar de uma mulher, obtusa e pontiaguda.
Cintilante luz no estreito de bósforo
Alarga-se e estreita-se, como um fósforo, beócio, num jogo de espelhos, entre o ódio, o ócio, o ópio.

Galhos e folhas caem, como traduzir esta estação ?
O mar e sua arrebentação?!
No campo das coisas, respinga o intraduzível, o silêncio abre-se, como os olhos que saem do balso.
O não pensar, desvidra-se
A boneca enraíza-se
No topo do castelo sideral,
vejo asas sem donos, percorro quartos vazios, imensos
Enquanto minha alma e pequena, para deambular no átrio.
Procuro o espelho, como a água no oásis.
 
Lilás são teus nos, num salto, afasto-me, árvores permanecem sob os olhos de fogo.
 
Amanhã e outro presente, posso não nascer, como ser e ser sem ter, para compreender, minha ausência lúcida, entre sombras e fendas, coisas inabitadas, tempos esquecidos, onde deitaste o teu corpo remoto.


Julio Revoredo é colunista fixo do Blog Luiz Domingues 2. Poeta e letrista de diversas músicas em que compusemos em parceria, em três bandas pelas quais eu atuei: A Chave do Sol, Sidharta e Patrulha do Espaço. A sua produção poética é vasta e de incalculável valor artístico.