quinta-feira, 28 de julho de 2022

Um Mundo Têxtil - Por Luiz Domingues

É algo tão óbvio quando tomamos consciência de como funcionam os costumes mais elementares, no entanto, nessa fase de torpor, a necessidade de se usar o tecido como apoio ao corpo humano, é um costume importante.

A questão da manutenção de temperatura é um fator que intuitivamente o bebê vai notar de imediato, mas vem a reboque a boa sensação de bem-estar motivado pela resolução perfumada no momento do pós-troca de fraldas a interligar a questão da secura e consequente eliminação de odores fétidos.

E além disso tudo, a sensação tátil também vem à tona, com os aspectos da maciez dos tecidos felpudos ou acetinados, ou seja, o prazer de tocar em tais superfícies e a revelar um aprendizado interessante sobre o contato com a matéria.

Mais um fator a ser envolvido é o visual, quando a questão das diferentes cores para cada peça utilizada, certamente nos estimula a começar a entender o processo da vida material.

Mais para a frente, no adentrar da infância, os valores morais e sociais são entendidos certamente, com a questão do pudor a preservar a integridade e também a se acrescentar questão da moda e a reboque o lado ruim dessa perspectiva, a se destacar a discriminação social de quem não pode comprar peças mais requintadas e é maltratado por vestir peças consideradas inferiores. No entanto, esse não é ponto desta crônica e merece reflexão em outro fórum, é claro.

Ainda nessa fase inicial da vida, somos introduzidos à ideia de que o tecido não é apenas um invólucro para o corpo, mas nos cerca por todos os lados. A chamada roupa de cama, mesa & banho, como se costuma dizer e os comerciantes desse ramo de atividade tanto gostam de enfatizar nas suas ações de propaganda.

Entretanto, nessa fase da vida, o contato com os tecidos de uma maneira geral, também causam os seus transtornos. O calor, quando o tecido aquece em demasia, a se mostrar inadequado, é mais do que um incômodo passageiro para quem não tem a mínima noção de como funciona a vida.

Para o bebê, quando esquenta o ambiente, o incômodo é insuportável e mesmo que o adulto perceba rapidamente a inadequação da vestimenta em contraste com a temperatura local e tome a providência para refrescar o seu corpinho, o transtorno é enorme e potencializado pela completa falta de noção do aspecto do tempo, ou seja, pouco importa que a sensação tenha sido observada por poucos minutos ou até segundos, até que o adulto aparecesse para mudar o quadro, pois o que prevalece é a sensação ruim do desconforto.

Sobre os odores fétidos que se impregnam nos tecidos, creio que quando mencionei o perfume que advém das trocas de fraldas, já deixei implícita a ideia desse contraponto. Neste caso em específico, creio que o incômodo por tal tipo de contato extrapola a própria obviedade dessa constatação, ao sugerir o aspecto da potencialização dos odores. A contraposição se dá com a associação do pós-banho com a roupa seca, limpa e cheirosa.

Qualquer manifestação escatológica ao tomar contato com os tecidos em geral, trata por aumentar a graduação dos odores desagradáveis e na percepção do bebê, uma primeira associação, ainda que confusa, é a de atribuir o incômodo ao tecido em si e não à própria natureza humana que produziu aquele estrago, várias vezes ao dia, inclusive.

Neste caso, será que a intuição chega a formatar a associação de que um tipo de tecido é benéfico ou maléfico, ou simplesmente não há tempo hábil para tal impressão tão primitiva influir na percepção do bebê?

Em suma, ao menos na minha experiência pessoal formatada por lembranças difusas dessa fase da vida, o contato com os tecidos de uma maneira geral, representaram um dos mais fortes aprendizados iniciais sobre a minha estada na vida material, ao dar início a uma percepção concreta de que aquela sensação mental tão difusa foi algo mais do que um sonho confuso.

domingo, 24 de julho de 2022

Crônicas da Autobiografia - Leite Interrompe Viagem? - Por Luiz Domingues

                  Aconteceu no tempo do Boca do Céu, em 1977

Em tempos setentistas, ainda sob a forte influência contracultural sessentista, certos comportamentos observados no cotidiano de muitos Freaks, Hippies & Rockers de uma maneira geral (e que se contabilize nessa lista, o contingente formado pelos aspirantes a tais status descritos anteriormente), se colocavam no limite do perigo ao buscar a liberdade de viver da maneira que quisessem em contraposição frontal contra os costumes conservadores observados no bojo da sociedade e por conseguinte, tratados como marginais ante a criminalização tão controversa de certos hábitos de consumo que se em épocas passadas eram consideradas corriqueiros, eis que por força de decretos a atender interesses obscuros, se tornaram proibitivos tempos depois, e assim permaneceram nesse começo de segunda metade do século vinte, lamentavelmente a apontar para o atraso institucional. 

O incrível grupo de Rock, "O Terço" com a formação que assistimos muitas vezes ao vivo nessa ocasião 

E foi assim que em meados de 1977, um grande amigo (mas cujo nome não vou revelar para não lhe causar constrangimento, embora ele mesmo costume se lembrar dessa história sempre que nos encontramos até nos dias atuais, 2022, e rimos muito do ocorrido em nossas conversas nostálgicas sobre os anos 1970), surgiu na porta da minha casa em um determinado dia de semana, no período da noite, para tocar a campainha da minha residência inesperadamente, haja vista que não havíamos combinado um encontro e normalmente nos encontrávamos às sextas, sábados e domingos, quando na companhia de outros amigos em comum, frequentávamos todo o tipo de ambientes culturais, notadamente os shows de Rock e MPB que fervilhavam pela cidade, semanalmente.

Claro que eu estranhei, pelo dia inusitado em si e também pelo horário avançado, mas logo que o vi no portão com os olhos esbugalhados, cabelo desgrenhado e expressão facial a denotar uma certa confusão no controle dos sentidos, fui logo abrir a porta e recepcioná-lo para ajudar o amigo que nitidamente estava sob algum apuro momentâneo.

Bem, ele nem precisou explicitar que estava com o seu estado de consciência um tanto quanto alterado, embora já tenha se expressado de imediato a afirmar que precisava "fazer um pouco de hora" ou seja, a denotar que não poderia voltar imediatamente para a sua casa sob tal situação e assim ser flagrado pelo seu pai que desconfiaria do que ele havia consumido e que lhe dera uma sensação de bem-estar, certamente, mas que também deixava rastros sobre a própria ingestão, naturalmente.

Foi então que eu também me preocupei, pois não somente o pai dele estranharia, mas o meu, igualmente, pois o meu progenitor era também moldado pelos mesmos valores vigentes e talvez se contrariasse com o fato do rapaz estar naquele estado alternado de consciência e mesmo que eu estivesse absolutamente normal, dentro de casa e a viver momentos pacatos dentro da normalidade de um dia comum do cotidiano familiar, a cisma dele já estava grande comigo, também em relação aos meus amigos e toda aquela ambientação da banda de Rock que havíamos montado recentemente e por nossas idas constantes aos shows de Rock dos artistas consagrados da época, ao mantermos estilo de indumentária de hippies, cabelos longos etc. e tal.

Qual foi a solução mais improvável que eu tomei e com total aprovação do meu amigo que estava a querer voltar para a, digamos, "terceira dimensão?" Bem, eu propus que ele tomasse uma boa quantidade de leite puro, bem naquela predisposição prosaica do âmbito familiar, a acreditar em postulados antigos em termos de crenças fomentadas por avós, bisavós e que vão a passar de geração em geração como verdadeiras afirmativas, porém sem comprovação científica alguma que as respalde.

Mas como ele era moldado pela mesma forma cultural que a minha e de quase todo mundo em nosso espectro social, nem o fato de sermos abertos ao novo, completamente alucinados pelas possibilidades contraculturais que nos encantavam na ocasião, nos fez raciocinar por um segundo que fosse, o quão retrógrada fora tal ideia estapafúrdia e a despeito de simplesmente não gerar o efeito de um antídoto como imagináramos, ser algo contraditório para nós que queríamos mergulhar na euforia hippie da liberdade e fuga de todos os condicionamentos "caretas" da sociedade conservadora, ou a trocar em miúdos: na prática, o que prevaleceu ali foi a receita falaciosa que ouvíamos dos nossos avós, bisavós e demais antepassados que viveram ainda sob os costumes medievais em inúmeros aspectos e assim nos criaram.

Bem eis que o meu amigo tomou vários copos de leite a configurar tal ato de sua parte quase como a mesma saciedade de um bezerro atrelado nas tetas da sua mimosa mãe, porém, além de preencher o estômago com uma quantidade significativa de lactose sob uma dose de mamute, e no caso, de um touro, é óbvio que a ingestão de tal produto lácteo não o ajudou em nada a abreviar o período normal em que duraria a sua euforia e assim, a solução foi mesmo gastar tempo na minha residência até que pudesse se sentir "recomposto" para chegar em sua habitação e seu pai não estranhasse o seu comportamento e aparência fora do padrão naquele instante.

O que ele ingeriu era lícito ou ilícito? Pois é, se naquela época essa questão era completamente questionável sob o ponto de vista moral, o que dizer nos dias atuais (escrevi esta crônica em 2022)? 

E mais um ponto, até quando a hipocrisia conservadora vai dominar a sociedade ao fazer com que os legisladores mantenham tal predisposição de criminalizar algumas substâncias e liberar outras e sobretudo, a determinar com tais leis estapafúrdias, comandar os corpos das pessoas?

E sobre o que o meu amigo ingeriu para ter aquele momento de bem-estar e torpor ao mesmo tempo, não vou revelar o que foi exatamente, mas deixo para o leitor pensar: pode ter sido algo considerado proscrito pela lei vigente e que fazia com que os policias espumassem de raiva quando achavam tal substância no bolso de um jovem, dentro da sua lógica ilógica. 

Ou foi algo completamente legal, vendido em qualquer supermercado e amplamente incentivado pela sociedade, decantado em verso e prosa pelos publicitários ávidos por ganhar dinheiro e que, acrescente-se, quando ingerido, proporciona com que muitas pessoas se tornem violentas ou completamente irresponsáveis ao dirigir veículos, a causar graves acidentes e matar pessoas inocentes pelas ruas.               

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Em Cervallis, Só é Feliz quem Bebe Erjadis - Por Luiz Domingues

Formação de opinião gera paradigma e depois de criado, este tipo de norma tende a demorar para ser rompida, a caracterizar um círculo vicioso, quiçá a se tornar uma ação monolítica ao estilo de um moto perpétuo.

Quando começa uma crença desse porte, que se perpetua ao longo de um longo tempo? Pois é, até que alguém a conteste e proponha a mudança que pode ser libertadora ou aprisionar em outra crendice, superstição etc.

Dentro desse contexto, um dos mais antigos paradigmas formatados na história de um planeta distante chamado, Cervallis, dizia respeito a uma bebida, por incrível que pareça, e a despeito de seus fabricantes que não desejavam que o glamour gerado em torno dela, mudasse na mentalidade da sua população, por motivação óbvia, era algo questionável ao extremo que a sua glorificação se mostrasse inalterável há milênios.

É dentro de tal contexto que eu começo esta história, a narrar uma estatística que espelha bem o que foi a força do paradigma que glorificou a tal bebida em si, ao dar conta de que dez a cada dez habitantes desse mundo se orgulhavam de serem consumidores contumazes desse produto, a se tratar de um líquido de cor verde e fermentado a partir de um cereal local que ali era cultivado. Tal bebida gerava como efeito colateral, um estado de euforia que segundo os seus consumidores, era o seu diferencial para se obter o prazer, muito além do sabor em si, que eles admitiam ser algo amargo no paladar e pegajoso na sua consistência, em essência.

Enfim, não era apenas por essa sensação de euforia ao se beber e gostar de experimentar tal sensação, mas havia todo um cenário a glorificar a ingestão e muito mais do que isso, a pressão psicológica imensa que foi exercida, fez com que o uso do produto fosse considerado um hábito nobre a ser enaltecido, cantado em verso e prosa nos meios culturais locais, a alimentar a massificação através dos esforços engendrados pelos profissionais designados para enaltecer a bebida, algo similar ao que os publicitários fazem no planeta Terra, além dos agentes de diversos setores, incluso do poder central de Cervallis, mantenedor da ordem social e organizacional daquele mundo.

O massacre social e cultural se tornou tamanho que passou a ser considerado inconcebível que um Ser nativo desse planeta não fizesse uso dessa bebida que gerava euforia efêmera, e assim, por conseguinte, os raros casos de criaturas que não gostavam e não usavam a bebida, passaram a ser ridicularizadas pelas demais.

Apesar da estatística acima citada, havia a percepção de exceções e de tão insignificante que era, simplesmente não era contabilizada. Este foi o caso em particular de um habitante desse planeta, que simplesmente não gostava da ingestão dessa propalada bebida.

O seu nome era Z’Par e desde que ele nascera, demonstrava de uma forma muito natural não nutrir apreço pelo produto. À medida em que ele cresceu e se socializou, foi vítima das reações de estranheza de seus semelhantes por esse fato que à guisa da formação de opinião, soava como uma atitude absurda, mas para ele, era apenas uma opinião natural e justificada pelo fato de que nunca, em momento algum, apreciou o sabor e o aroma da bebida e a tal euforia artificial que tal produto provocava no comportamento desses Seres, simplesmente não lhe interessava.

Enquanto a opinião pública apenas glorificava o uso do produto, devidamente convidada a espalhar a ideia de que para se ter uma existência plena isso só seria possível mediante o uso do produto, Z’Par não acreditava nesse preceito, decididamente, porém isolado, ele se mantinha o máximo possível discreto sobre tal questão, justamente para não sofrer a pressão exercida pela imensa maioria de seus semelhantes, que pensava diferente.

Enquanto a discrepância de pensamento ficava alojada apenas no âmbito social e cultural, se constituía de algo suportável para ele. Mas o simples fato dele não ingerir e mesmo que não fizesse nenhum tipo de discurso a criticar quem gostava e muito menos sobre o produto em si, o fato foi que gerou antipatia ao seu redor.

Considerado como um estranho entre os seus pares, ele foi violentamente criticado por um colega em uma cerimônia pública em que estava presente na multidão e então, com a massa insuflada, sentiu uma opressão tamanha que só lhe restaram duas alternativas: aderir à vontade da maioria e beber aquele líquido esverdeado ou subir à tribuna e defender os seus argumentos para não desejar fazer uso da bebida.  

De uma maneira ou outra ele continuaria a ser ridicularizado e a depender do que fizesse e falasse, poderia até ter a sua vida completamente destruída doravante, sem ambiente para viver naquela sociedade.

Foi então que ele sentiu que não poderia lutar contra uma força avassaladora e decidiu subir e a fazer uso do sistema de som, passou a discursar de uma maneira deveras prosaica, a explicar aos soluços as suas razões pueris que o desmotivaram a tomar a bebida mais popular daquele planeta.

A sua fala ingênua, mesma imbuída da maior sinceridade de sua parte, haveria de apaziguar o sentimento de estranheza em relação à sua postura, da parte daquela multidão sob opinião formada e sacramentada ao contrário do que ele pensava?

Pois é, a vaia seguida de gargalhadas que ele recebeu do povo ali presente o deixou tão simbolicamente pequenino naquele instante, que nem mesmo que ele bebesse a glorificada bebida para satisfazer a vontade daquela turba, tal atitude o salvaria da execração pública pela qual foi submetido. 

Cabisbaixo, ele caminhou sob os gritos da massa a execrá-lo e ironiza-lo e certamente a se sentir um criminoso por haver cometido um ato hediondo e imperdoável, tamanho o sentimento de culpa que lhe foi imputado, injustamente é claro.

Tempos depois, ele se inscreveu em um plano de voluntariado para ajudar a colonizar planetas inóspitos, habitados por Seres em um estágio primitivo de civilização e ao deixar o seu planeta, considerara que não seria reconhecido e incomodado pela sua discriminação local.

Uma vez inscrito no programa de apoio aos planetas mais atrasados tecnologicamente, ele foi informado que partiria para o planeta chamado: “Skomirnof”.

No entanto, eis que ao entrar na nave, ele foi instruído por um tripulante a prestar um serviço de apoio na área de cargas. Ao chegar no imenso bagageiro de cargas da nave espacial, Z’Par viu um carregamento gigantesco da famigerada bebida “Erjadis”, todo embalado com a seguinte inscrição assinalada em seus respectivos baús: “a vida no planeta Skomirnof só vai progredir quando todos os seus nativos beberem Erjadis, como nós de Cervallis”.

sábado, 16 de julho de 2022

Civilização x Barbárie - Por Luiz Domingues

Em um país dominado por um regime fechado, autoritário e bastante hostil às questões culturais, um grupo de amigos se organizou para promover pequenos saraus literários, onde liam-se os textos e poesias que escreviam.

No entanto, ao viverem tempos difíceis, eles tinham medo da opressão do regime que odiava manifestações culturais e dessa forma, eles tomavam toda a precaução para tornar as suas reuniões seguras. E por conta dessa predisposição para se manter um padrão de segurança, eis que um deles sugeriu que os saraus ocorressem na sua casa e havia uma questão inusitada para que tal agendamento ocorresse.

Nesse contexto, por ironia do destino, esse rapaz que oferecera a sua residência para servir como base das reuniões promovidas pelos entusiastas da literatura, era filho de um funcionário de alto escalão desse governo horroroso, frontalmente contra a cultura. No entanto, segundo ele enfatizava sempre aos seus amigos, o seu pai não compactuava com os atos pautados pela barbárie que esse governo protagonizava e tal contraste chamava a atenção de todos, positivamente nesse caso, é claro.

E ao ir além, esse pai era um entusiasta das artes, igualmente, portanto, se posicionava como um verdadeiro antagonista da linha de ação do próprio governo pelo qual ele trabalhava. 

Essa estranha posição tomada por esse pai, ao mesmo tempo que causava admiração dos rapazes e orgulho para o seu filho, gerava dúvidas. Certa vez, um dos rapazes criou coragem e perguntou diretamente para esse senhor, por qual motivo uma pessoa que era intelectualizada, amava as artes e se mostrava a favor da evolução do padrão civilizatório, trabalhava para um governo que cultivava métodos acintosamente bárbaros, no sentido oposto?

Nesse instante, todos ficaram constrangidos e houve até quem temesse pelo pior, com o senhor a se mostrar ofendido e por conta disso, a demonstrar alguma reação violenta. 

Porém, o senhor não se alterou nem um milímetro em seu comportamento padrão e educadamente respondeu que “não concordava com certos exageros que esse governo perpetrava, mas achava que o endurecimento do regime era necessário, pois o povo não estava preparado para viver sob um regime livre e que mediante tal estratégia de ordem educativa, após um tempo de maturação, esse dia sem opressão e com fomento à cultura chegaria para a nação”.

Foi uma boa resposta diplomática, mas na verdade, ninguém ali se satisfez com tal desculpa que lhes pareceu esfarrapada. Mas tudo bem, apesar dos pesares, esse pai “liberal” estava sendo gentil ao extremo ao oferecer a sua residência para os rapazes realizarem os seus Saraus em segurança, inclusive ao se arriscar perante os seus pares no governo e mais do que isso, esse senhor gostava verdadeiramente de participar, pois apesar da sua contradição pessoal completa ao trabalhar para um governo cruel e despótico, ele de fato amava as artes e assim, tinha prazer de participar de tais reuniões como um ouvinte entusiasmado.

Em uma outra ocasião, quando os rapazes chegaram para mais uma noitada do sarau, eis que foram surpreendidos com a presença de um pequeno grupo de pessoas estranhas ali presentes. Vestidos com trajes de gala, eram cantores que faziam parte de um coral com cunho religioso. 

O dono da casa, esse pai acolhedor de um dos rapazes do Sarau estava muito eufórico com essa presença musical que ele considerava esfuziante e fez questão de apresentar o grupo de cantores aos rapazes. E a seguir, os vocalistas se puseram em ação ao cantar uma peça ufanista e bem piegas, típica do cancioneiro que embalava aquele regime, bem naquela predisposição de que “a cultura doravante vai ser assim ou não será nada”, como preconizara um certo publicitário que servira a um regime asqueroso do passado e certamente inspirador para essa gente.

Naturalmente que os rapazes se entreolharam, mas nada disseram, para não ferir os sentimentos do amigo e principalmente do pai dele, que a despeito de suas contradições inexplicáveis, se mostrava extremamente generoso para com eles.

Contudo, gestos assim reforçavam a questão da dubiedade, pois eles pensavam o óbvio em uníssono: como seria possível ser um entusiasta das artes e trabalhar conjuntamente e admirar aquele governo formado por trogloditas empenhados em promover o retrocesso?

Todavia, a mais grotesca situação estava por acontecer! Eis que em uma outra noite marcada para ser promovido o sarau, os rapazes chegaram à residência e ao passarem pela sala de estar, se espantaram ao deparar com as figuras de dois ministros de estado e um parlamentar, a conversarem com o pai de seu amigo.

Estes verdadeiros carrascos da civilização, olharam estupefatos para os rapazes, com aquele olhar de desconfiança de quem certamente os considerara como possíveis opositores do regime. E os rapazes por sua vez, sinalizaram com cumprimentos discretos e se evadiram rapidamente a alegar que iriam estudar em grupo, para disfarçar e certamente a cancelar o sarau naquela noite.   

Bem, se havia dúvida entre os rapazes sobre quem era o pai bondoso de seu amigo a julgar pelo convívio com eles nos saraus, em confronto como ele agia enquanto agente governamental, depois desse evento, eles decididamente ficaram ainda mais confusos.

sábado, 9 de julho de 2022

Fora da Caixa... - Por Telma Jábali Barretto

Quem nunca?!...já não se sentiu assim ou pior, foi taxado, batizado, nomeado dessa forma?!... Quando de dentro para fora sentimos isso vale uma boa, atenta e profunda análise se não provém de uma vitimice dolorida ou ainda uma crise de megalomania iluminada?!... Todos, absolutamente, todos nós mesmo temos algo dessa coisa incomum e JAYA!!!

Não nascemos, surgimos e aqui estamos para ser iguais, iguaizinhos, feitos em série, como coisas e máquinas e... aí está! a beleza e a dor de cada um. Mais que isso a singularidade traz e deixa nossa marca, rubrica e verdadeira assinatura, digital. Acessar esse patamar exige de nós tamanho, um certo grau de autoestima de quem reconhece os próprios valores sem, também, deixar de ter noção de suas debilidades. 

Quem constrói, construiu uma trajetória de empenhos transpondo desafios, testando seus limites no ir além mesmice e mesmices essas aqui mencionadas em referência a nós mesmos, dando passos inovadores confiando nos ganhos e derrotas anteriores, inevitáveis que chegue, a essa forma sagrada de excentricidade bem-vinda que não advirá de uma concessão ou reconhecimento alheio mas daquele e único que aí e então importa, de si mesmo. 

Não são ou serão plateias que autorizarão tais nomeações mas só e tão somente a segurança das conquistas interiores, das satisfações pessoais, das alegrias que normalmente são reverberadas e aí e sim, ao nosso redor, mesmo que não sejam unânimes mas a história narra, melhor constata, e essa sim só tempo mesmo revelará. Mais e mais com isso somos levados a dar a devida importância às convivências, às valiosas trocas que, naturalmente, provocam essas percepções: detectamos aquilo de próximo há muitos nesses tangenciares da vida, Vida, VIDA e parte da jornada será e sempre o reconhecimento do diferente, do incomum, do “fora da caixa” em nós, no próximo, no Uni Verso, na multiplicidade de que somos parte e só mesmo quem soube transitar pelas próprias normalidades e idiossincrasias sentirá e reconhecerá, como dissemos antes, a beleza e a do de se ser quem somos! 

Nem sendo mais e nem menos, sendo reverentemente quem somos e respeitando e idem idem idem reverenciando todo e qualquer outro, outrem, quem seja... sem que precisemos de placas, outdoors ou reconhecimentos externos mas numa consequência natural das maturidades reveladas. 

Que assim caminhemos, sejamos Uno e Diverso, únicos e mais um... identificando a mesma Essência e a encantadora forma que cada qual a veste em seu existir. NA MAS TÊ!

 

Telma Jábali Barretto é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Engenheira civil, é também uma experiente astróloga, consultora para a harmonização de ambientes e instrutora de Suddha Raja Yoga.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Crônicas da Autobiografia - Golpe Baixo - Por Luiz Domingues

   Aconteceu bem antes da fundação do Boca do Céu, em 1971

Que a contracultura incomodava os ideólogos simpatizantes da beligerância e enquanto instrumento, algo a ser usado, por conseguinte, para se manter uma visão acre do mundo, isso é uma obviedade. Não apenas pelos aspectos libertários, múltiplos por natureza, entre os quais a se destacar o antagonismo que foi/é se colocar como pacifista em confronto a uma ideologia que pensa de forma diametralmente oposta, justamente por ter o pilar da guerra como algo necessário a justificar a sua visão desumana da civilização, ou seja, a se caracterizar como uma aberração por natureza.

Muito provavelmente os opositores do movimento hippie perceberam que usar da violência para desmantelar tal movimentação social de cunho libertário, geraria a antipatia imediata da opinião pública, no sentido de que jogar os cães raivosos contra os jovens cabeludos que falavam sobre “paz & amor” teria sido um “tiro no pé”, com o devido perdão pela ironia, com o efeito de se causar repulsa ante a truculência desmesurada contra quem propunha oferecer flores ao invés de bombas "Napalm". 

Portanto, ao mudarem a estratégia e assim passar a imputar-lhes a pecha de idiotas alienados e dominados pelos efeitos das drogas, tais estrategistas acharam uma espécie de “calcanhar de Aquiles” do movimento, e doravante como algo bem definido para ser explorado pelas hordas moralistas de plantão, no tocante ao aspecto lisérgico ligado de forma intrínseca à tal movimentação contracultural.

E da parte dos hippies, sobrou a fraqueza evidente de quem sonhou com a construção de um mundo melhor, pleno de fraternidade, porém, mediante a sua ingenuidade extrema ao se colocar como uma tribo apolítica e sem nenhuma intenção de sequer entender o funcionamento do jogo de interesse tradicional e sobretudo na questão da geopolítica que usa e abusa da força bruta para se impor. 

Nesses termos, por ter sido um movimento espontâneo, anárquico em tese, mas sem nenhuma intenção de promover a anarquia propriamente dita como pilar ideológico e político, uma imensa maioria de jovens que se deixaram levar pela ideia da liberdade, apenas se entregara à possibilidade do hedonismo, impactada pela condição de extrair um peso moral das costas, fruto de séculos de subserviência aos paradigmas gerados desde a Idade Média e alguns que remontavam à Antiguidade, carcomidos por crenças, superstições, culpa & medo, ou seja, a ideia de se libertar desses grilhões morais e por conseguinte a se colocarem abertos ao prazer total, os inebriou.

Em suma, o sexo livre, o uso desenfreado das bebidas alcoólicas e sobretudo das drogas com alto teor lisérgico, levou a maioria para um caminho aberto para a alienação e por conseguinte, a enfraquecer o movimento. 

Por outro lado, houve a exceção dos “Yippies” que foi uma facção hippie organizada no âmbito das universidades e que devidamente politizada, tentara levar adiante o ideal, com respaldo sociológico mais firme. Contudo, tal movimentação foi devidamente sufocada em sua iniciativa, dentro do ambiente universitário norte-americano, e mesmo assim, em seu auge fora algo insípido.

Em suma, a euforia Hippie nunca foi uma movimentação política, embora muitos dos ideais sonhados por esses jovens tenham proximidade com os anseios progressistas em torno da igualdade e fraternidade social, certamente.

Bem, diante desse quadro, eis que no ano de 1970, duas mortes trágicas ocorreram por uma questão de dias no mundo do Rock. Em 18 de setembro, Jimi Hendrix e em 4 de outubro, Janis Joplin. Ambos por conta de overdose motivada por drogas químicas usadas em excesso, se bem que a despeito do consumo contumaz desses psicotrópicos, uma delas não foi exatamente por conta disso no caso de Jimi Hendrix, cuja causa mortis foi o sufocamento por uma ação azarada que ele teve entre o momento de crise e o salvamento que não foi possível de ser efetuado a contento por paramédicos plantonistas.  

Passados alguns poucos meses, em 3 de julho de 1971 veio a notícia de que Jim Morrison havia sido encontrado morto em uma banheira de um apartamento em Paris, no qual ele estava a habitar, ou seja, foi a terceira morte próxima, sem deixar de mencionar a perda de Brian Jones também em um dia 3 de julho, mas de 1969, ou seja, foram quatro mortes de "Rock Stars" muito proeminentes, em um curto espaço de tempo e em decorrência do abuso de drogas (no caso de Brian, foi afogamento na sua piscina particular, no entanto, a teoria de que ele ali caiu por estar drogado tomou conta da opinião pública).

Esse foi o estopim para a “intelligentsia” que era a favor da cor cinza e muito incomodada com a explosão de cores proporcionada pela paleta psicodélica, entrar em ação para criar uma peça publicitária absolutamente soturna, com ar macabro e a tentar se comunicar com a juventude de então, que foi exibida à exaustão nas emissoras de TV da ocasião no afã de “provar” que os jovens estavam todos errados por se encantarem com a música, o Rock em pormenor e toda a cultura hippie que lhe amalgamava na época.

Para reforçar tal conceito, as fotos de Hendrix, Joplin e Morrison apareciam de forma macabra, envoltos em túmulos de um cemitério sob a névoa da calada da noite e delineadas com as datas de seus respectivos falecimentos, sob uma locução com tom de terror e com o texto a alertar os jovens de que o “Rock dos hippies” levava à morte.

Tal propaganda foi exibida em diversos horários, no entanto, estrategicamente reforçada durante a exibição dos episódios do seriado: “The Monkees”, na ocasião exibido em período vespertino.

Pois então, em todos os seus “breaks” comerciais, foram exibidos tais comunicados macabros por semanas, naturalmente para se atingir um público adolescente que gostava de assistir tal “sitcom” norte-americana baseada nas aventuras de um grupo de Rock em seus bastidores.

Tal seriado fora produzido entre 1966 e 1968, portanto, em 1971, já estava na terceira ou quarta reprise sistemática, no entanto era ainda muito apreciado e tinha tudo a ver, embora fosse uma sitcom de TV, com a movimentação em torno do Rock, mesmo por que, essa banda saiu da ficção e se jogou na cena artística como um grupo de Rock genuíno a cultivar uma carreira real etc. e tal.

Enfim, é inacreditável, mas eu ali no alto dos meus parcos onze anos de idade e já muito fã de muitos grupos de Rock e Soul, não perdia o seriado dos Monkees, que aliás, assistia desde 1968, e mesmo sendo criança, absolutamente ingênuo e sem nenhum aprofundamento sobre a movimentação política, geopolítica e uso da propaganda como arma de linchamento moral para enfraquecer opositores, no entanto, já percebia a má intenção vilipendiadora e odiava aquela propaganda macabra.

Bem, ao tentar destruir a reputação de três (ou quatro, inclua-se Brian Jones nesse rol), astros do Rock, a utilizar o falecimento desses artistas motivados por seus abusos pessoais, além de ter sido um ato imundo por natureza, em nada desabonou a obra e o legado artístico que eles deixaram. Neste caso, o tiro saiu pela culatra, bem feito para esses energúmenos.

Não recomendo tais abusos cometidos por substâncias lícitas ou ilícitas e certamente não faço uso de tais artifícios químicos e etílicos na minha vida pessoal, portanto, posso morrer por acidentes de toda espécie que a mobilidade nos transportes pode proporcionar, violência urbana decorrente de uma abordagem criminosa, ou qualquer doença que venha a debilitar-me, mas jamais por uma overdose ou degradação gerada pelo álcool, portanto, eu absorvi muito bem a arte deles, mas não tenho nada a ver com as suas escolhas pessoais no sentido de me influenciarem a tomar o mesmo caminho.

E sim, continuo a detestar o oportunismo com o qual usaram as mortes desses artistas para atingir os seus objetivos torpes, a distorcer toda a situação e tal como abutres, a se aproveitarem para disseminar a maledicência. 

Além disso, moralismo por moralismo, se morrer de overdose é algo nada recomendável, usar armas deliberadamente para impor a ideologia de seu interesse, é sem dúvida algo muito pior e isso é um fato concreto e não apenas uma mera opinião pessoal.

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 76 - Por Luiz Domingues

Na sala de ensaio do estúdio Mecanix, da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva

Finalmente nos encontramos para providenciarmos a gravação de um ensaio com um áudio um pouco mais caprichado das seis primeiras músicas com as quais trabalhamos desde 2020, porém de uma maneira mais regular, quando a pandemia nos permitiu, a partir de junho de 2021. Conforme o planejado, foi no estúdio Mecanix, localizado no bairro da Vila Sonia, na zona sudoeste de São Paulo, em 6 de março de 2022, que tal gravação de um ensaio mediante recursos um pouco melhores, foi concretizada.

Nesse aspecto técnico, a providência adotada foi microfonar os dois amplificadores de guitarra, enviar o som do direct box do amplificador de baixo direto para a mesa, microfonar o bumbo e caixa da bateria, além de providenciar um microfone overall e claro, dois microfones para as vozes do Osvaldo e minha, Luiz. Em suma, nada muito sofisticado, mas o suficiente para prover uma gravação de áudio de ensaio, melhor que as das câmeras de telefone com as quais estávamos a filmar os ensaios anteriores.

Com duas horas agendadas, o tempo se revelou escasso para tal finalidade, porém, conseguimos registrar duas versões de cada canção e em alguns casos mais do que isso (foram cinco versões de "E o que Resta é a Canção"), embora no caso do "Diva, tenhamos registrado apenas uma versão dessa balada em específico.

Relevamos erros, pois o objetivo foi mais do que tudo, termos versões das canções com o mapa que construíramos nesses meses todos de preparo, principalmente para que o Laert pudesse enfim ter acesso ao material e poder opinar em todos os sentidos, com maior ênfase no trabalho de aprimoramento das melodias e também na reestruturação das letras.

No afã de preparar a máquina para filmar, eu (Luiz Domingues), cliquei uma foto involuntária. Ao fundo, Osvaldo Vicino e encoberto, Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Click e acervo: Luiz Domingues

Com o apoio do técnico e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, a ideia foi estabelecer uma "levantada" básica do som e com uma pré-mix bem simples, deixar o gravador ligado e assim ocorreu, com o registro de uma hora e dez minutos de ensaio gravado.

Fizemos duas versões de "Serena" e a despeito do nosso convidado, o baterista, Nelson Laranjeira não ter decorado um trecho que apresentava uma desdobrada rítmica, em uma das versões ficou bem satisfatória tal passagem ao se considerar a finalidade da gravação, mas evidentemente longe de um ponto ideal acaso fosse a gravação de uma demo-tape, logicamente.

Osvaldo Vicino comanda a "selfie" na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo. Atrás, da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues) a usar máscara anti-Covid-19, Wilton Rentero, o técnico e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva e o baterista convidado, Nelson Laranjeira. 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Osvaldo Vicino 

O Osvaldo estava a conduzir a voz principal dessa canção e eu introduzi livremente a ideia de um contraponto inspirado em trabalhos de bandas sessentistas tais como o "Jefferson Airplane", "It's a Beautiful Day" e "The Mamas and the Papas", que trabalhavam com tal recurso normalmente em suas respectivas obras. 

Claro que o Osvaldo e eu não éramos cantores e assim, a nossa performance nessa gravação ficou muito abaixo do ideal, no entanto, mais uma vez é preciso ressalvar que a ideia foi mantermos uma guia base para o Laert ouvir e propor as suas modificações e naturalmente assumir a voz principal a seguir, em uma nova fase de preparo dessas canções.

Acima, dois "stills" de vídeo a mostrar o baterista, Nelson Laranjeira, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino, em ação durante o ensaio do Boca do Céu em 6 de março de 2022, no estúdio Mecanix-SP. Still da câmera de Wilton Rentero e cortesia de Osvaldo Vicino para a captação e postagem 

Mas no cômputo geral, ficamos felizes pelo balanço que a música apresentou e já a demonstrar que em uma gravação mais categorizada, ficaria muito boa, com o "swing" que certamente não conseguimos apresentar em 1976, dada a nossa falta de recursos musicais generalizada nessa ocasião.

O Rock, "Centro de Loucos", soou muito bem com as suas partes A e B, um interlúdio, solo com mais um prolongamento e final apoteótico que o Nelson também não havia decorado com exatidão, mas que se mostrou razoável na gravação 

No comando da "selfie, Wilton Rentero, com a minha (Luiz Domingues) presença atrás a usar máscara anti Covid-19, o técnico de som e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, o baterista convidado, Nelson Laranjeira e Osvaldo Vicino. 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero 

Já em "O Mundo de Hoje", o sentido do Blues sessenta-setentista se fez presente, exatamente como gostaríamos de soar em 1977, quando defendemos essa canção em uma eliminatória do festival Fico. A condução de guitarras se mostrou muito boa, o mapa agradável e a nossa condução vocal, eu na principal e Osvaldo a apoiar nos backing vocals, bastante razoável para a finalidade, obviamente.

Testamos uma entrada mais rápida no compasso 6/8 para o solo do Osvaldo fluir e fizemos um final ao estilo "fade out", mas a forçar esse recurso "na mão", obviamente.

Em "Mina de Escola", o mapa da música nos pareceu agradável. Eu me perdi um pouco na condução da voz principal ao ler a letra na estante de partitura, mas a gravação "deu para o gasto" nesse aspecto. A convenção final se revelou muito interessante, apesar de não ter sido executada com perfeição nessas duas versões que ali registramos.

Na sala de ensaio do estúdio Mecanix, da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva  

Em "Diva" tivemos um desempenho bem razoável. Na minha performance da voz principal, eu acrescentei um vocalise em um interlúdio, exatamente para demarcar a ideia de introduzir um mellotron nesse trecho para uma eventual gravação oficial. Ficou notável o solo do Wilton, embora o Osvaldo tivesse esquecido de fazer o arpejo ao estilo "pinkfloydiano' que criara em ensaios anteriores e que nos entusiasmara por tal criação de sua parte.

E para encerrar, gravamos mais versões de "E o que Resta é a Canção" para termos sobretudo uma amostra perfeita da entrada do solo final do Wilton, o que conseguimos quase perfeitamente na última versão.

Wilton Rentero comanda a "selfie", com a minha presença, atrás e a usar máscara anti-Covid-19, o técnico de som e proprietário do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva, o baterista convidado, Nelson Laranjeira e Osvaldo Vicino. Boca do Céu na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Click (selfie), acervo e cortesia: Wilton Rentero 

Passado esse ensaio gravado, o esforço foi do Osvaldo em separar as faixas do áudio bruto enviado pelo técnico do estúdio Mecanix, Leandro Soares Silva e dali em diante, estabelecermos um intenso diálogo através do nosso grupo criado no aplicativo WhatsApp, entre os três membros das cordas da banda para eleger as melhores versões e encaminharmos tal material finalmente para o Laert ouvir, opinar, criar as suas possíveis modificações e assim, se integrar definitivamente ao esforço de resgate das músicas, em sua fase A.

E claro, já darmos início imediato à fase B do projeto, ao abrir campo para resgatar mais quatro ou cinco músicas que faltavam em meio às canções passíveis de serem resgatadas do nosso velho repertório dos anos setenta.

Por conta dessa gravação do ensaio de 6 de março de 2022, lembro-me de ter comentado com Wilton e Osvaldo que estava muito feliz por ouvir essas músicas com um corpo definido a conter início, meio e fim e muito mais que a concretização de uma fase desse resgate iniciado em 2020, eu estava muito emocionado por saber que a despeito das falhas dessa gravação, tais músicas até então perdidas no limbo do tempo existiam de novo a conter um registro sonoro muito melhor do que jamais havíamos conseguido registrar naquela década e pior ainda, por termos perdido o armazenamento, com todas as fitas K7 a conter gravações toscas de ensaios daquela época, desaparecidas invariavelmente. 

Da esquerda para a direita: o baterista convidado, Nelson Laranjeira, eu (Luiz Domingues), Osvaldo Vicino e Wilton Rentero. Ensaio do Boca do Céu no estúdio Mecanix de São Paulo em 6 de março de 2022. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Leandro Soares Silva

Nesses termos, já não restava dúvida que nesse esforço em prol do processo de resgate, já tínhamos gravações de ensaios, fotos e vídeos em profusão, a registrar uma quantidade gigantesca de registros em comparação ao parco material que conseguimos concretizar e manter sobre a atuação da nossa banda nos anos setenta, ou seja, somente por tal aspecto, já podíamos considerar o esforço pós-2020, como amplamente vitorioso.

Na sala técnica do estúdio Mecanix de São Paulo, a banda reunida e com a presença do baterista convidado, Nelson Laranjeira e do técnico e proprietário do estúdio, Leandro Soares Silva, a ouvir um trecho da gravação do ensaio, com a música "Serena" a soar. 6 de março de 2022. Filmagem: Osvaldo Vicino

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=MV4Ekw-4U_c

No entanto, queríamos mais e assim prosseguimos a trabalhar nesse sentido.

Continua...