quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 168 - Por Luiz Domingues

Bastante tempo antes de termos ido ao Rio Grande do Sul, já sabíamos que tocaríamos no Sesc Pompeia ao final de janeiro de 2002, como parte das festividades de aniversário da nossa cidade.
Tocaríamos num projeto denominado: "São Paulistas", uma alusão à cidade e estado de São Paulo, em forma de trocadilho.
Foi mais um projeto idealizado pela produtora, Sarah Reichdan, e o formato seria o de um show duplo, com duas bandas de rock setentistas e significativas do Rock paulistano: Patrulha do Espaço e Tutti-Frutti, com a presença de três convidados especiais: o trombonista Bocato, o guitarrista do "Sepultura", Andreas Kisser, e Clemente, o guitarrista e vocalista da banda Punk, "Os Inocentes".

A ideia foi que o Tutti-Frutti e a Patrulha do Espaço fizessem os seus respectivos shows, a inserir convidados em seu decorrer, e ao final, todos os músicos, incluso os convidados, tocassem juntos um número final.
Em torno disso, digo em primeira instância que a ideia de um show conjunto foi boa e a presença de convidados especiais, idem. Sob o ponto de vista artístico, isso é sempre positivo, eu aceito essa ideia de forma tranquila.

Ainda a falar do Sesc enquanto instituição, não me canso de dizer que é uma organização impecável, e que cumpre sua função sociocultural de uma forma brilhante, ao manter as suas atividades sob um padrão de primeiro mundo, ao subsidiar tudo e entregar ao público, atrações e atividades gratuitas, ou cobradas em patamares simbólicos. No esquema do Sesc, tudo funciona de forma exemplar, tanto para o público, quanto para os artistas e equipe técnica/produção. As instalações são impecáveis, o equipamento de som e iluminação é sempre de primeira linha, a cenotecnica é bem planejada, o camarim é super asseado, confortável e um lanche farto com comidas, bebidas e frutas é disponibilizado. Os funcionários são atenciosos e cordiais. Os cachês são pagos regiamente e sob valores dignos, que respeitam os artistas.

O Sesc, ao meu ver, cumpre com galhardia o que o governo deveria fazer e não faz no campo social, como fomento à cultura, esportes, educação e até na área da saúde e cuidados com os membros da terceira idade. Sim, eu sei que há verba pública para auxiliar nessa tarefa, o tal "sistema S", o leitor não precisa me corrigir.

Tudo parece bem azeitado, mas eu permito-me fazer duas críticas construtivas, absolutamente bem intencionadas, para deixar bem claro:

1) Há um excesso de rigor burocrático quando os shows são marcados. Tal exagero pode aos olhos da instituição, denotar a extrema lisura no trato contábil, fiscal e jurídico, mas na verdade, menos da metade da papelada exigida é realmente necessária. Portanto, para tocar no Sesc, é preciso ter um agente cadastrado na instituição e com estrutura comercial toda montada e sem rusgas, para poder transitar e negociar.

2) Sob o ponto de vista artístico, parece que o Sesc caiu em uma armadilha criada por algum formador de opinião há muitos anos atrás, que certamente criou um paradigma. Pois é quase impossível se apresentar lá, se não for inserido sob um "projeto". O fato de um artista qualquer manter uma carreira, discografia e história, não parece ser suficiente para convencer um programador de Sesc, a lhe contratar e anunciar o seu show, simplesmente. Você só participa se houver um "mote", e invariavelmente apresentar "um convidado".

Com isso, infelizmente, o Sesc dá a entender que não acredita nos artistas por sua força própria, mas pelo contrário, só os considera viáveis, se fizerem parte de um contexto criado. Não há como deixar de se observar que exista um elemento egóico nisso, pois alguém, dentro do Sesc, ou quem leva o pacote de tais "projetos", deve se achar "genial" por tê-lo idealizado...

Nesses termos, reitero que acho isso um maneirismo desagradável, mas que não pode de forma alguma diminuir o bem que a instituição faz ao país.
Da esquerda para a direita, a bandeira estadual paulista, e à direita, a bandeira paulistana da capital de São Paulo

Dentro dessa dinâmica de "projeto", a Sarah criou esse pacote para o aniversário de São Paulo, e claro que ficamos honrados e felizes ao participar.

Um ensaio foi marcado, portanto, para nos ajustarmos aos convidados tão somente, pois cada banda deveria responsabilizar-se por seu próprio show, naturalmente. Nesses termos, já estava definido há semanas que o Tutti-Frutti tocaria com o Bocato e Clemente e nós com o Andreas Kisser.

A sala de ensaio que a Sarah alugou para nós, foi o estúdio pertencente ao tecladista Luiz De Boni, ex-membro d'O Terço nos anos noventa. Se tratou de um belo estúdio com várias salas, incluso de gravação, e muito bem localizado na avenida Indianópolis, no elegante bairro do Planalto Paulista, zona sul de São Paulo.

Eu tive uma história pregressa com aquele estúdio, pois fora ali que gravei a primeira fita-demo do Língua de Trapo, no longínquo ano de 1980. Claro que nessa época, o estúdio era bem mais simples, com característica de uma sala de ensaio mais modesta, pertencente à banda de bailes, "Cia. Limitada", onde o Luiz De Boni era o seu tecladista.  

Nesse ensaio com Andreas Kisser, eu tive uma agradável surpresa  da parte dele!

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Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 167 - Por Luiz Domingues

Voltamos ao apartamento de nosso anfitrião e apesar do show não ter despertado a mesma reação que o de São Leopoldo. ocorrido na noite anterior, na capital gaúcha tivemos exposição midiática com dois programas de TV e um de rádio. Além do mais, o show não foi um desastre, pois tocamos bem, mas foi morno pela recepção da plateia.

No dia seguinte, acordamos e fomos ao Manara buscar o nosso equipamento que dormira lá nas dependências da casa. E não havia outra alternativa, pois tememos deixá-lo no ônibus que também passara o dia estacionado em uma rua.

O clima que azedara com o motorista e a sua entourage, amenizara-se com a sua permanência no sábado em Bento Gonçalves, mas nunca mais foi o mesmo, e na verdade, estava bem esquisito, na base da tolerância estabelecida no seu limite máximo.

Reservadamente, o nosso roadie, Samuel Wagner, revelou-me que ouvira uma conversa do motorista com o seu fiel escudeiro, o carrier, de que deliberadamente transformaria a nossa viagem de volta "em um inferno", e que sabotaria o nosso plano para estarmos em São Paulo até quarta-feira, pois na quinta, teríamos um ensaio marcado para passar três músicas com o guitarrista , Andreas Kisser, do Sepultura, que seria o nosso convidado de honra em um show que faríamos no Sesc Pompeia, nas festividades do aniversário de nossa cidade. 

O Seu rancor era muito grande, e eu não duvidaria que o seu plano de sabotagem lograsse êxito.

Nos despedimos do nosso amigo, Luciano Reis, que nos acompanhou nessa jornada desde o domingo, e o deixamos próximo de uma estação de trens, onde ele partiu para São Leopoldo. 

Decidimos voltar pela estrada BR- 101 que margeia o litoral dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, até a divisa com o Paraná quando se bifurca com a tradicional BR-116, que vai para São Paulo. 

O clima estava azedo e tenso entre nós e o motorista, mas nada indicara o tal boicote que supostamente houvera planejado. Eu resolvi guardar essa informação comigo, para não preocupar ninguém, e só a revelaria se houvesse um indício disso na prática, e a guerra fosse declarada, de fato.

Mas houve um fator decisivo nesse processo e no fundo, foi o que o conteve: éramos em cinco e ele contava só com o seu amigo. Não poderia contar com a esposa e o filho pequeno se a situação degringolasse para as vias de fato. E claro que ele não colocaria a sua família sob uma situação de perigo e constrangimento. Mesmo assim, ficamos em alerta, eu e Samuel, a observar os movimentos de ambos.

Paramos nas proximidades de Criciúma, em Santa Catarina, para um descanso quando já anoitecia e ele revelou estar fatigado na condução do veículo. Nesses termos, foi mais prudente acatar e dormir. Muito cedo, no dia seguinte (6:00 horas da manhã), fomos para dentro do veículo, e partimos para a segunda etapa da viagem de volta, sempre atentos aos movimentos da dupla dinâmica, enquanto os nossos amigos riam, tocavam instrumentos ou simplesmente dormiam em meio a longos trechos.

Então, eis que algo inusitado ocorreu quando alguém se lembrou das uvas que ganháramos de nosso amigo, Evandro Demari, de Bento Gonçalves. Naquele calor, foi uma boa pedida se lembrar disso e todo mundo aceitou pegar alguns cachos para refrescar um pouco a garganta. Foi quando o Samuel deu um berro que veio do compartimento de carga do veículo! As uvas estavam perdidas por uma questão de sabotagem! E apesar disso que eu estava a contar até agora, não fora obra do motorista e do carrier. 

Ao ligar os fatos, o Samuel se recordou que flagrara dois rapazes de uma banda famosa de Porto Alegre que haviam ido nos ver no show de Porto Alegre, e que no meio do nosso espetáculo, saíram de nosso camarim às gargalhadas, sem motivo aparente, enquanto nós tocávamos. Não revelarei publicamente por que não quero fazer da minha autobiografia um muro das lamentações, mas o fato é que esses dois artistas nos desrespeitaram, ao urinarem dentro da enorme caixa de isopor que continha uma quantidade absurda de cachos de uvas.

Nesse instante, ficara explicado o motivo das risadas e a questão pela qual colocáramos o isopor no camarim foi óbvio: no ônibus, ao sofrer a ação do calor escaldante do dia ensolarado, elas estragariam.
Ficamos muito indignados, pois tratamos bem esses moleques e eles foram dissimulados a nos tratar com simpatia, porém, apenas a aguardar uma oportunidade para aprontar uma traquinagem infantojuvenil desse porte.

Pode ser que eu seja ingênuo, mas eu nunca na minha vida tive esse comportamento de querer fazer brincadeiras de mau gosto com as pessoas e portanto, fiquei muito chateado. Esses rapazes devem ter lido muitas biografias de bandas de Rock clássicas, a narrar histórias mirabolantes sobre  travessuras cometidas nos bastidores e desejavam ardentemente viver tais experiências em sua vida, como uma espécie de autoafirmação Rocker, ou coisa que o valha. Eu jamais fui ou serei assim e não me conformo com tal procedimento, que considero de baixo nível, e sou tão Rocker quanto eles pensam que o são. Enfim, na hora ficamos muito indignados e claro, tivemos que jogar tudo fora em relação às uvas.

A viagem culminou em transcorrer de forma normal e ao recordar hoje em dia, acho que o fator foi mesmo o da estratégia, pois ao menor sinal de que estivesse a nos boicotar, o clima ficaria ruim para o motorista, e apesar de que era um sujeito rude e que certamente gostasse de ir às vias de fato em outras circunstâncias da sua vida e conduta pessoal, ali a desvantagem seria enorme para ele.

Ele percebeu que o Samuel sabia de seus planos, e dali em diante, o clima acirrou-se entre os dois e assim, sob um futuro muito próximo, ambos quase chegariam ao embate das vias de fato. Eu conto no momento oportuno.

Chegamos em São Paulo extenuados e no limite para atravessarmos a cidade em tempo de escapar do rodízio de veículos, quase às cinco da tarde da quarta-feira. Descarregamos o equipamento e no dia seguinte o nosso compromisso foia ensaiar com o guitarrista, Andreas Kisser. A pré-produção desse show que ocorreu no Sesc-Pompeia de São Paulo e o show em si, renderam muitas histórias! Aguardem, que vou relatá-las a seguir...

Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 166 - Por Luiz Domingues

Chegamos ao Manara para o show, por volta das 21:00 horas e estávamos acompanhados do baterista d'Os Arnaldos, que afinal de contas, fora o nosso anfitrião. Tivemos a boa surpresa de vermos na casa, os músicos e amigos, Renê Seabra e Fares Junior, que estavam em Porto Alegre a cumprir um trabalho de workshop. Renê Seabra foi baixista da Patrulha do Espaço em duas fases, tendo gravado o LP Primus Inter Pares, de 1992.

Havia um bom público presente na casa e até a hora do nossos show, aumentou, ao perfazer um bom quórum. Todavia, com a ressalva de que a casa comportava bem mais gente, portanto, as duzentas e cinquenta pessoas que ali compareceram, não lotaram a casa, mas sob uma segunda ressalva, a se considerar que tratava-se de uma segunda-feira, consideramos um número muito bom de pessoas presentes. 

O show d'Os Arnaldos foi divertido, os rapazes tocaram várias canções do LP "Loki", do Arnaldo Baptista, com qualidade. E antes de tocarem, nos abordaram para pedir autorização para tocar:"Sexy Sua", música do primeiro disco da Patrulha do Espaço, que sabiam que era do nosso repertório também. 

Talvez eles temessem que nós vetássemos que eles a tocassem, para privilegiar a nossa performance, mas muito pelo contrário, apreciamos a ideia de que eles a executassem e em seguida, nós, também, assim o público teria a oportunidade de escutar a canção do Arnaldo, em duas versões. Se bem que no calor dos acontecimentos, não houve diferença radical entre as versões, visto que eles tocavam conforme o arranjo do disco, e nós também. 

Chegou enfim a nossa vez de subirmos ao palco. Estávamos ainda com a vibração de São Leopoldo a repercutir e projetávamos uma recepção semelhante em Porto Alegre, visto ser uma cidade grande e manter grande tradição Rocker. Mas infelizmente, não foi o que aconteceu. 

Música após música, recebíamos em troca, apenas aplausos educados e quase burocráticos, muito longe da comoção que causáramos em São Leopoldo, na noite anterior.

O pessoal do Cachorro Grande apareceu em peso e foram simpáticos conosco no camarim do pós-show, mas sinceramente acho que não apreciaram o nosso som, pois não demonstraram nenhum entusiasmo a mais do que a educação simpática. Achei estranho, pois os rapazes  eram antenados em som retrô, portanto haveriam por se identificar com todos os signos vintage inerentes à nossa proposta, mas não foi o que aconteceu, de forma enigmática para suprir a minha expectativa. Paciência.


Nenhuma canção pareceu mudar tal panorama, nem mesmo os pontos chave do show, onde estávamos acostumados a despertar reações sempre parecidas, independente de onde estivéssemos, com exceção de ambientes inóspitos, onde era óbvio que nos defrontávamos com pessoas que ignoravam retumbantemente a nossa cultura Rocker.

O som e a iluminação estavam bons, a nossa performance esteve muito boa, pois estávamos muito bem ensaiados e o público ali presente era supostamente antenado, portanto, esse show no Manara entrou para a história da banda como um enigmático exemplo onde o cenário apontava para um sucesso retumbante, mas no cômputo geral, não houve a sincronicidade a gerar uma boa "química".

Foi a tal da sinergia que todo artista que se apresenta ao vivo, ressalta que precisa existir para tudo funcionar bem. Tanto artistas musicais, quanto teatrais, sabem que o palco tem essa particularidade. E muitas vezes é absolutamente inusitado o motivo pelo qual não funciona tal predisposição, pois não havia nenhum motivo sequer para não dar certo. 

Bem, como último detalhe que me recordo, houve uma participação de última hora, quando chamamos ao palco, o ótimo guitarrista gaúcho, Bebeco Garcia, que foi famoso na cena oitentista sulista, por ter feito parte da banda: "Garotos da Rua", que chegou a emplacar um sucesso dentro do movimento do BR-Rock daquela década. 

Sujeito simpático, com boas influências Rockers e muito bom guitarrista, ele entrou para tocar conosco, mas infelizmente estava bastante alterado, digamos assim, e mesmo ao ter produzido um solo com essência Rock'n' Roll muito boa no seu início, foi a estender a sua participação e a gerar uma estranheza ao público. 

Não queríamos cortá-lo bruscamente, é claro, mas ele não demonstrara vontade de encerrar, e a cada segundo a mais que estendíamos o tema, percebíamos uma insatisfação do público pelo seu alongamento, mesmo sendo o Bebeco, querido por todos ali na cena de Porto Alegre. A sua expressão facial foi de catatonia, ao nos fazer lembrar da persona de Syd Barrett, não pela genialidade e estranheza psicodélica, mas pela patologia, propriamente dita. 

Chegamos a ficarmos assustados por vê-lo a solar a sua guitarra ad infinitum, sem demonstrar estar inserido com a banda, mais a sinalizar estar absorto em um mundo particular, a tocar sozinho. Com os olhos esbugalhados, ele fitava as paredes do Manara, a parecer estar em outro lugar. E certamente estava.

Bem, missão cumprida, foi assim o show em Porto Alegre, com aplausos educados e nada mais. Foi o dia 21 de janeiro de 2002, com duzentas e cinquenta pessoas presentes na plateia. Ainda tenho alguns fatos para comentar sobre essa turnê pelo Rio Grande do Sul.

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Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 165 - Por Luiz Domingues

Sob um arranjo bem fraternal, economizamos uma boa quantia que gastaríamos com hotel, ao nos hospedarmos no amplo apartamento pertencente ao baterista da banda: "Os Arnaldos", que faria a abertura do show da Patrulha do Espaço. Solícito ao extremo, foi um anfitrião muitíssimo hospitaleiro, ao nos deixar muito a vontade. O produtor do show, inclusive, era o vocalista da mesma banda. 

Onde o nosso anfitrião morava, ficava muito perto de uma casa de shows underground, mas bem falada da cena gaúcha, onde diversas bandas alheias ao mundo mainstream costumavam se apresentar ("Garagem Hermética"). Na porta de tal estabelecimento, vimos dois freaks, que estavam vestidos como se estivessem na Swinging' London dos anos sessenta.  Achamos incrível avistarmos figuras assim e melhor ainda foi que eles nos reconheceram e nos abordaram com bastante simpatia.

Foram dois membros da banda: "Cachorro Grande", que naquela ocasião ainda não detinham nem 10 % da fama que conseguiram construir no futuro próximo. Naquele instante, eram ainda artistas do espectro underground, mas eu reconheci um deles, por que me de sua participação nas fotos da banda Júpiter Maçã, onde ele atuava anteriormente, no final dos anos noventa (Marcelo Gross). O outro rapaz era o vocalista (Beto Bruno), e já usava o seu famoso boné estilo anos sessenta, que era a sua marca registrada.

Simpáticos, ficaram contentes em nos ver, e claro que os convidamos para o show da noite e eles resolveram mesmo comparecer, inclusive ao trazer consigo os outros membros da banda.

Eu, Luiz e Rolando Castello Júnior fomos dar uma volta na Avenida Independência, a seguir, e achamos uma loja de instrumentos interessante.
Entramos e ficamos felizes por verificarmos que havia um cartaz de nosso show em exibição no quadro de avisos. O dono nos recebeu com bastante empolgação, e ainda fomos abordados por um casal de paranaenses que nos reconheceu por ter lido a enorme matéria de página inteira que houvera sido publicada nos dois jornais da cidade de Londrina-PR, por ocasião de nosso show nesse município paranaense, bem no início daquele mesmo mês.
Rockers gostam de fazer ligações "mágicas" nessas horas, e claro que brincamos que foram muitos sinais positivos a acontecer para um dia apenas.

Ao final da tarde, tivemos mais um compromisso televisivo. Seria uma rápida inserção ao vivo em um programa de variedades da TVE gaúcha. Eu, no entanto, sucumbi ao cansaço, e fiquei no apartamento onde nos hospedáramos. Os demais comparecerem e fizeram uma inserção acústica, a tocar ao vivo: "Céu Elétrico". 


A banda de abertura, "Os Arnaldos", mantinha uma particularidade exótica: se tratava de uma banda cover a executar de forma exclusiva, a obra do Arnaldo Baptista! Os seus músicos adoravam o Arnaldo e mantinham no seu repertório, músicas de todas as fases da sua carreira, o que foi bastante salutar, apesar do caráter "cover" de tal empreitada. 

Um dos músicos dessa banda, foi o tecladista: "Astronauta Pinguim", que era bem equipado com teclados vintage e ótimo músico. Anos depois, esse músico mudou-se para São Paulo e e tornou-se por um tempo, ao final da década de 2000, bem famoso na cena da música eletrônica e Indie Rock, inclusive ao ser objeto de reportagens em jornais e revistas de mídia mainstream, além de aparições na TV etc.

Chegara o momento do show com a noite a avançar.

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Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 164 - Por Luiz Domingues

Acordamos bem cedo, pois apesar de São Leopoldo ser uma cidade satélite de Porto Alegre, teríamos que encarar um razoável percurso de tráfego pesado, a passar por outras cidades muito próximas da capital gaúcha, como Viamão e Canoas por exemplo, e o trânsito ali em um dia útil, ganha contornos de engarrafamentos, no sentido de Porto Alegre. Estávamos muito satisfeitos com a performance da noite anterior, mas "quebrados" fisicamente, pois as condições no minúsculo Bar Br-3, seriam difíceis em todos os aspectos, e tais dificuldades nos subtraíra bastante energia.

Já a nos dirigir a Porto Alegre, de fato enfrentamos um trânsito considerável e fomos direto para a casa noturna onde apresentar-nos-íamos, e nesse aspecto o planejamento logístico foi descarregar o equipamento ainda na parte da manhã, e o produtor do show ali encontrar-nos-ia para nos conduzir à duas entrevistas que faríamos: uma na TV Bandeirantes, e outra na emissora de rádio Ipanema FM.

O guitarrista e produtor do show em São Leopoldo, Luciano Reis, viajou conosco a fim de nos auxiliar em Porto Alegre como um apoiador, e a  sua presença no ônibus foi fundamental como guia, ao nos conduzir com precisão à porta da casa onde tocaríamos.

A primeira impressão que eu tive ao entrar na casa de shows "Manara", foi muito boa. A estrutura era no padrão do médio porte, e lembrou-me muito o ambiente de casas de shows semelhantes que existiram em São Paulo entre os anos oitenta e noventa, como "Woodstock", "Aeroanta" e "Garage Rock", por exemplo. Ou seja, casas com médio porte, a conter estrutura de palco, equipamento de som & iluminação e retaguarda de camarins, muito acima da média de bares que geralmente tem pretensão de serem casas de shows, mas não conseguem. No caso do Manara, realmente assemelhava-se às casas paulistanas que citei. Detinha um palco um pouco menor, mas muito digno para um artista autoral se apresentar com desenvoltura. Um bom PA e boa iluminação de um teatro, estilo cabarét. 

As instalações da casa eram de ótimo nível e a decoração se mostrara moderna, talvez não muito agradável para o meu gosto pessoal, pois remetia à motivos caribenhos que insinuavam a cultura do reggae, mas tudo bem, isso foi uma mera questão de gosto pessoal. 

Logo que os roadies começaram a descarregar o nosso ônibus, o produtor local do show chegou e muito educado e profissional, nos levou para os compromissos de mídia e posteriormente nos conduziu à um charmoso restaurante vegetariano de ótima frequência, relativamente próximo ao Manara. 

Na emissora, Ipanema FM, concedemos entrevista ao vivo, a posteriori. 


Fico a dever o nome do locutor que nos recebeu, mas lembro que nos tratou com muita simpatia e respeito pela banda. Infelizmente, situações assim era tão raras ao se tratar de mídia nos anos 2000, que até estranhávamos quando éramos tratados com o devido respeito e reverência que o nome da banda merecia pela sua história.

Particularmente, eu estive muito feliz por estar ali e até comentei com o rapaz, em um momento informal fora do ar, que tinha uma simpatia e dívida de gratidão com aquela emissora gaúcha, pois a minha banda nos anos oitenta, A Chave do Sol, foi muito executada ali, em sua programação, ao nos ajudar a formar um grande público gaúcho para nós. 


Infelizmente, ainda a a falar sobre A Chave do Sol, nunca tivemos a oportunidade de nos apresentarmos em solo gaúcho, apesar de termos a consciência de que tínhamos naquele estado, um grande número de fãs, formado principalmente pelas nossas apresentações no programa "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo, que era retransmitido pela TVE de Porto Alegre para todo o estado do Rio Grande do Sul, e muito em função da maciça execução radiofônica que tivéramos por conta da Ipanema FM de Porto Alegre. Portanto, fiquei realmente feliz por estar ali naquele estúdio, embora a usar desta feita um nova camisa agora, a da Patrulha do Espaço.

Foi uma conversa muito boa para promovemos o show que faríamos no Manara, naquela noite e tocou-se duas músicas do CD Chronophagia. 

Dalí, fomos rapidamente para a TV Bandeirantes, a apreciar a bonita visão do rio Guaíba e o estádio Beira Rio, do Internacional. Naquela época. o estádio já era bem vistoso, imagino então depois, com a reforma para adequar-se ao "padrão Fifa", da Copa do Mundo de 2014. 

Na TV Bandeirantes, a inserção foi um encaixe muito rápido no jornalismo local. Praticamente somente o Rolando Castello Junior falou, mas nós tocamos ao vivo, sim. Tocamos de forma semi-acústica: "Céu Elétrico" e  "O Pote de Pokst", com o Rodrigo, Marcello e eu s "pilotarmos" violões, e o Rolando Castello Junior na percussão leve de uma pandeirola. Claro que o Marcello também tocou flauta em "Céu Elétrico".

E claro, ficamos contentes, com as duas ações de mídia de massa, para reforçar o show. Fomos então almoçar no restaurante que eu citei, nas proximidades do histórico auditório Araújo Viana, onde eu fiz questão de conhecer pelo menos a sua fachada, em meio a uma caminhada que fiz isoladamente após o almoço. Ali, shows históricos do Rock brasileiro foram realizados, a incluir a própria , Patrulha do Espaço, em ocasiões anteriores. 

Com razoável tempo de sobra, fizemos o soundcheck no Manara.

Continua...

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 163 - Por Luiz Domingues

Exatamente como estávamos a prever que ocorreria, o show ferveu! Como foi bom tocar para uma plateia que soube exatamente quem nós éramos e representávamos, e assim a ansiar por aquelas ouvir canções. Dessa maneira, como na melhor das tradições de um show de Rock à moda antiga, o público vibrou só por nos ver a subir ao palco para tomarmos posicionamento e apanharmos os instrumentos. Foi uma plateia antenada, Rocker, Freak, na melhor acepção do termo.

Assim que os primeiros acordes de: "Não Tenha Medo", foram tocados pela guitarra do Marcello, o público incendiou-se, e na primeira virada executada na bateria pelo Rolando Castello Junior, antes mesmo de iniciarmos o vocal, urros foram emitidos e aliás, esse sempre foi um termômetro que tínhamos, pois quando nesse começo de show, ouvíamos urros de regozijo durante essa virada, nós sabíamos que estávamos diante de uma plateia Rocker que entendia o que estava bem o que estava a ocorrer naquele palco, visto que uma plateia leiga, não valorizava uma virada de bateria milhas acima da média de bateristas comuns, como o Junior fazia normalmente. 


Só por esse detalhe velado, percebíamos que haviam Rockers presentes em meio ao público e quanto maior o urro de satisfação, mais nos animávamos, visto que a sinergia haveria de ser total durante o decorrer do show inteiro por tal reação. 
E foi mais uma vez nessa turnê, que constatávamos uma espécie de azar, eu diria, porque em shows realizados em casas de melhor infraestrutura, geralmente encontrávamos uma plateia "não iniciada" nas tradições do Rock, e que pior que isso, mal sabia quem éramos e exatamente o que a nossa banda representava dentro da história do Rock brasileiro, por ter surgido de uma árvore genealógica nobre nesse sentido.

Em contrapartida, era curioso que geralmente em casas com estrutura modesta, ou mesmo ruim, deparávamos com plateias quentes, a saber exatamente quem éramos na nossa história e a nossa linhagem dentro do Rock nacional.

A se lamentar, apenas essa equação, que prejudicava indevidamente a nossa performance, ao tocarmos com um PA inadequado e ausência de uma iluminação decente, justamente para quem merecia nos assistir/ouvir, com as melhores condições técnicas possíveis. Bem, feito o desabafo em ritmo de constatação ou vice-versa, relato que o show foi sensacional do começo ao fim, com vários picos de euforia. É sempre muito gratificante para qualquer artista, olhar nos semblantes das pessoas e verificar que estão emocionadas, e foi isso que eu vi na maioria das faces que mirei, no calor da misè en scene.

A euforia foi tanta, que nos arriscamos a fazer um improviso de última hora, ao tocarmos um pedaço da música: "Sociedade Alternativa", do Raul Seixas, apenas para fazer uma brincadeira com o freak doido, dono da casa, o tal "Biba". Cantamos no refrão: "Viva, viva, viva o Biba e a sua cabeça alternativa".

Quando surpreendemos o público com o riff de "In a Gadda da Vida", do Iron Butterfly, a casa caiu, com gente a pular de alegria, como se comemorasse um gol no estádio de futebol. Os temas mais progressivos fizeram o público vibrar, também. A cada demonstração de ecletismo dos nossos guitarristas, ao trocar de instrumentos o tempo todo, também, e esse fora um trunfo que somente plateias Rockers poderiam mesmo valorizar.

Em suma, esse show em São Leopoldo, foi um dos melhores que houvéramos feito até então, desde o início dessa formação em 1999, com uma sinergia incrível. Quando se encerrou, o assédio foi total, pois naquelas dependências muito simples, com ausência de camarim, se tornara realmente inevitável, mas eu não me queixo, e pelo contrário, guardo com bastante carinho essa lembrança das pessoas a nos cercar para pedir autógrafos em discos, ou em pedaços de papel, absolutamente em estado de êxtase. 

Demorou para a adrenalina abaixar e o calor no recinto se mostrara imenso. Foram cerca de duzentas pessoas confinadas em um espaço que era adequado para cinquenta, talvez setenta, no máximo. A nossa sorte foi que estávamos descansados, pois o dia anterior fora marcado pelo lazer total na cidade de Bento Gonçalves, conforme eu já relatei anteriormente.

Descansamos e nos programamos para sairmos cedo no dia seguinte para Porto Alegre, onde faríamos o terceiro show no Rio Grande do Sul, pois teríamos compromissos de imprensa pré-agendados a cumprir.

Visitaríamos São Leopoldo outras vezes e gostamos tanto de tocar lá naquela cidade, que incluímos o seu nome em uma letra de música composta posteriormente, quando lançamos em 2004, o CD "Missão na Área 13".
Na música, "Rock com Roll", citamos "São Leo" (São Leopoldo-RS), e "Sanca" (São Carlos-SP), duas cidades que sempre nos receberam com um calor Rocker acentuado (falamos também sobre Chapecó-SC e São José do Rio Preto-SP na mesma canção).

Foi o dia 20 de janeiro de 2002 e havia cerca de duzentas pessoas praticamente espremidas no minúsculo Bar BR-3. Agora, "vou para Porto Alegre, tchau"...

Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 162 - Por Luiz Domingues

Quando chegamos para realizar o show, a casa estava abarrotada, com uma multidão na rua a tentar adentrar o estabelecimento e sem conseguir o seu intento, de tão absurdamente cheio que estava. 

Para a comitiva da banda poder entrar, foi preciso acionar a tal porta de emergência que ficava atrás do palco, e fazer uma ginástica incrível para passar naquele aperto, e sair pelo outro lado. Não havia outro local para ficarmos a aguardar o nosso show, a não ser o mezanino minúsculo onde ficava instalada a mesa do PA e para lá fomos, com bastante dificuldade para atravessar a multidão super comprimida que existia entre nós.

Assistimos então a parte final do show do "Sabbra Cadabra", cujo vocalista se esmerava para imitar os trejeitos do Ozzy Osbourne, com fidedignidade, incluso o figurino especialmente confeccionado como imitação do que o vocalista original do Black Sabbath usara como figurino na foto da capa do LP Volume 4 dessa famosa banda.

Não costumo apoiar bandas cover, mas reconheci o seu esforço em fazer jus à banda que homenageavam e os meninos gaúchos desse quarteto tributo eram bons músicos, principalmente o Luciano Reis que demonstrou ter talento como guitarrista. A plateia era Rocker, dava para sentir no calor do show da banda de abertura, e obviamente pelo visual da maioria ali presente, com tantos cabeludos a la anos setenta. 

Quando encerrou-se o show de abertura, o nosso roadie se contorcia para arrumar o palco minúsculo e abarrotado, e deu para sentir a temperatura subir, motivada pela ansiedade. Nem havíamos subido ao palco e já foi possível sentir a expectativa do público, ao denotar que teríamos um show quente do começo ao final.

Quisera termos tido essa dinâmica todo dia, mas shows assim, à moda antiga das mais belas tradições do Rock, foram raros até então.
Nos resignávamos por fazer shows para plateias desinteressadas, mas como era bom termos um público Rocker genuíno, que gostava de nós, conhecia a nossa história e repertório, enfim. Bem, divagações à parte, chegara a hora! Quando subimos ao palco do "BR-3"...
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Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 161 - Por Luiz Domingues

Luciano Reis, o nosso anfitrião e produtor local improvisado, era bem jovem e de fato, assim que se apresentou, eu lhe perguntei se ele seria o produtor local do show e ele riu, ao me dizer não ser um produtor profissional, mas apenas um fã e músico, e que ocasionalmente ajudara na logística por conhecer bem a cena da cidade.

Apesar de jovem e enfatizar que não era um produtor profissional, o fato é que na base da boa vontade e intuição, o Luciano não mediu esforços para nos proporcionar as melhores condições possíveis e nesse caso, tudo ali me lembrou a produção do show que fizéramos em São Carlos, no interior de São Paulo, meses antes, quando a estrutura da casa onde tocaríamos se mostrara precária, e graças ao improviso dos Rockers locais, tudo viabilizou-se, ainda que de forma muito improvisada.

Fazia um calor inacreditável quando chegamos à São Leopoldo.

Cheguei a brincar com o Luciano, ao lhe perguntar se ali era mesmo o Rio Grande do Sul, ou tratava-se do Mato Grosso, Goiás e outros estados onde o calor é normalmente tórrido. Apesar do sul ter invernos muito rigorosos, quase no padrão europeu, com até ocorrências de nevascas, eu sabia que o verão gaúcho era igualmente rigoroso, e comparável aos estados que citei. 

A casa onde apresentar-nos-íamos, se chamava: "BR-3".

Fora uma clara alusão à música do Toni Tornado que fez sucesso no ano de 1970. Tratava-se de um pequeno bar com ares de salão de Rock, muito rústico, simples mesmo. O equipamento de PA existente no local era precaríssimo. Para alimentar o som ambiente mecânico, seria o suficiente, mas para amparar um show de Rock ao vivo, não havia nenhuma possibilidade.

Nesses termos, o Luciano e a sua rede de amigos Rockers locais, gerou uma mobilização e assim, se reforçou o equipamento com várias peças avulsas, para transformá-lo em um autêntico PA "Frankenstein". Mas se ainda fora tudo precário, ao menos garantimos as condições mínimas para poder tocar. 

O tamanho do palco foi um outro problema difícil a ser equacionado. Absolutamente minúsculo e bem alto, deu uma sensação de insegurança bem grande para nós. O Rolando Castello Junior por exemplo, montou a sua bateria em um espaço enviesado para ganhar espaço, e o seu banquinho ficava a milímetros de um vão entre o palco e uma porta de emergência que dava acesso à rua. Estranha porta de emergência obstruída pelo palco de madeira, por sinal, mas na hipótese de um tumulto, o Júnior teria um escape, sem dúvida... 

O dono do bar era um hippie da velha guarda, sujeito gentil, mas completamente alucinado. Era uma figuraça e todo mundo na cidade o tinha como um personagem local, pelo que percebemos. Era conhecido pelo apelido de: "Biba", mas no sul tal apelido não parecia ter conotação de homossexualidade como tem no nordeste, pois eu percebi que ninguém tecia brincadeiras maliciosas quando o citava.

Além de falar pelos cotovelos, ele formulava teses absurdas, a contar "causos" mirabolantes e no decorrer das poucas horas em que convivemos, deu várias sugestões bizarras para a Patrulha do Espaço fazer em seus shows, em termos de cenários e efeitos, e claro que rendeu muitas risadas de todos. Aos trancos e barrancos, conseguimos nos ajeitarmos no palco. Desconheço fotos desse show, mas sei que existem filmagens de bastidores e trechos do show, que um dia serão disponibilizadas na Internet. Gostaria de rever tais imagens para constatar como conseguimos montar o palco com tão pouco espaço.

O som ficou "setado" (do inglês "Set Up"), no melhor padrão possível diante das circunstâncias de um infraestrutura precária e por volta das 18:00 horas, nós fomos para a casa do Luciano, onde passamos momentos agradáveis sob a sua hospitalidade sensacional, quando curtimos uma sessão de discos de vinil muito boa de sua vasta coleção. Ouvimos entre outros discos, o som do Mandrill, que beleza!

Ele era também Luthier, e nos mostrou sua pequena oficina, onde costumava trabalhar no ofício de restaurar instrumentos de corda etc.
Luciano fez questão de checar a regulagem de oitavas das guitarras do Marcello e Rodrigo, além dos meus baixos, também. 

E cometeu uma loucura diante de nossos olhos, que nos impressionou: eis que ele pegou uma de suas guitarras (acho que era uma da marca: Ibañez), e pediu para o Junior deixar uma assinatura em seu corpo. Daí, em cima da assinatura a caneta, ele usou uma ferramenta de marcenaria e tratou de esculpi-la a talhos! A sua banda abriria o evento e tratava-se de um Black Sabbath Cover, chamada: "Sabbra Cadabbra".

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Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 160 - Por Luiz Domingues

O dia livre na chácara da família do guitarrista, Evandro Demari, foi um verdadeiro "spa" para nós. Apesar do clima tenso orquestrado pelo motorista e a sua comitiva, estávamos alheios às suas bravatas, e sabíamos que ele pronunciar-se-ia a qualquer momento.

Enquanto aguardávamos a manifestação do rapaz, descansávamos e aproveitamos a estrutura da chácara. Lembro-me de um futebol animado no campo bem estruturado, piscina, muita uva colhida in natura na enorme videira da propriedade, muita música etc.


Por volta das 17:00 horas, recebemos o telefonema do motorista, a nos informar que havia tomado a decisão de voltar imediatamente para São Paulo, e que passaria na chácara apenas para deixar o nosso equipamento e partir. Então ele chegou e surpreendeu-se pois a nossa postura foi a de continuar a jogarmos bola no campo, com outros na piscina, e ninguém a transparecer estar preocupado com a sua bravata descabida. 

Então, mediante uma conversa onde a ponderação de bom senso prevaleceu de nossa parte, e ele felizmente permaneceu quieto, o destituímos da falsa impressão de que haveria um suposto desdém por ele, sua família e pelo carrier, que era o seu fiel escudeiro. Mostramos para eles que não havia nenhum cabimento para pensarem em contrário e que deveriam usufruir da estrutura da chácara, e não se segregarem em um hotel, e ainda por cima a gastar dinheiro do bolso. 

Enfim, a contragosto, ele aceitou a nossa argumentação, mas com o semblante fechado, como se o seu orgulho fosse maior que a razão. Nesse caso, o que poderíamos fazer?

Bem, nessa altura o seu filho que devia ter cerca de quatro ou cinco anos de idade na ocasião, já estava se a divertir na piscina, brincar com uma bola e a interagir conosco, o que provou que o clima era fraterno e só ele havia detectado o suposto "desdém" de nossa parte, e daí, houvera contaminado a sua esposa e o carrier. A sabedoria da criança, através de sua ingenuidade, falou mais alto.

O resto do dia foi marcado pela recuperação da relação azeda, mas a verdade é que nunca mais nos acertamos e não só por conta desse episódio, mas por uma série de acontecimentos somados que a nossa insatisfação com ele inviabilizou a parceria doravante.

O sujeito tentou criar esse clima para estabelecer um certo domínio da situação, e nós não poderíamos ficar em suas mãos, sob coação, a aceitar tal procedimento. Então, a "luz amarela" acendeu nesse dia, mas a verdade foi que a relação já vinha a azedar desde algum tempo. Daí em diante, começamos a cogitar a hipótese de comprar a sua parte na sociedade, com o intuito de assumirmos o veículo. Claro que acarretar-nos-ia muito aborrecimento inerente com tal responsabilidade, mas a perspectiva de não ficar à mercê de chantagens baratas como essa que enfrentamos, foi bastante animadora. 
Bem, com o dia livre, todos desejaram passear por Bento Gonçalves-RS após o jantar. De fato, trata-se de uma cidade muito bonita, com um infraestrutura excelente e forte identidade cultural regional, como acontece em todo o estado do Rio Grande do Sul. Somente eu não quis sair à noite, ao preferir ficar no conforto da chácara.

No dia seguinte, domingo, acordamos tarde e partimos na hora do almoço para a segunda cidade dessa etapa da turnê. A distância entre Bento Gonçalves e São Leopoldo era bem pequena e dessa forma, não haveria a necessidade de sairmos cedo, mesmo por que, o soundcheck na casa onde apresentar-nos-íamos, seria apenas no final da tarde, portanto, teríamos tempo de sobra. Deu para pararmos na estrada, para uma exótica sessão de fotos com uma carcaça de avião que servia como enfeite para um posto de gasolina, nas proximidades de Caxias do Sul-RS. Temos até uma filmagem de bastidores com essa parada, e um dia será disponibilizada, ou em DVD, ou direto no YouTube. 

Chegamos em São Leopoldo-RS por volta das 15:00 horas e logo o nosso contato na cidade apareceu. Tal rapaz, chamado: Luciano Reis, era um fã da banda e músico também, sendo que sua banda faria o show de abertura naquela noite.

Ele desdobrou-se para nos proporcionar as melhores condições possíveis, e tornar-se-ia um grande amigo da banda doravante, não apenas nessa ocasião, mas como em diversas outras ocasiões em que fomos ao sul.

Esse show seria o oposto do show que fizéramos na sexta-feira em Bento Gonçalves, pelo bem e pelo mal: pelo bem, ao contrário da plateia com frequência burguesa daquela casa noturna, nós teríamos um público Rocker, quentíssimo. Pelo mal, a casa em que tocaríamos era muito simples, e a sua infraestrutura, muito precária.


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