sábado, 25 de março de 2023

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 90 - Por Luiz Domingues

Na sala de estar da residência do Laert Sarrumor, o quarteto do Boca do Céu reunido para avançar no projeto de resgate. São Vicente-SP, 5 de março de 2023. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Marcia Oliveira

Eis que bem no início de março de 2023 (dia 5 para ser preciso), nós conseguimos conciliar as respectivas agendas dos quatro componentes e organizar um ensaio com o quarto em peso,  novamente, e desta feita realizado na residência do Laert Sarrumor na cidade de São Vicente, no litoral de São Paulo. 

O Wilton viajou diretamente da sua casa de praia, em Boiçucanga, no litoral norte do estado e eu (Luiz), fui na carona de Osvaldo Vicino, de São Paulo. Chegamos praticamente na mesma hora na rua do Laert, por volta de 14 horas. Visita agradabilíssima sob todos os aspectos, foi incrível estarmos juntos novamente como uma banda atuante, embora já tivéssemos tido essa experiência um ano antes, quando de um ensaio promovido no estúdio Lumen em São Paulo.

Wil Rentero e Osvaldo Vicino ouvem atentamente o que o Laert estava a falar nesse instante. Ensaio do Boca do Céu na residência de Laert Sarrumor. São Vicente-SP, 5 de março de 2023. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Marcia Oliveira.

Desta vez, porém, foi um ensaio mais de elaboração de arranjo e assim, lembrou demais a nossa convivência nos anos setenta, naquelas tardes memoráveis de muitos sábados nos quais trabalhamos juntos entre 1976 e 1978, principalmente, e com o auge dessa formação, fortemente em 1977, certamente.

Bem, na prática, trabalhamos fortemente com a balada soul, "1969", curiosamente a última música com a qual lidamos desde o início do processo de resgate e que havia sido reincorporada em 2022, graças a um autêntico milagre, haja vista que o Laert conseguira se recordar de sua melodia e letra apenas por uma questão de esforço de memória, sem ter nenhum registro dessa canção gravada ou de algum indício de sua letra anotada em uma folha de papel que fosse.

Eu (Luiz Domingues) e Laert Sarrumor, em um momento de reflexão mútua. Ensaio do Boca do Céu na residência de Laert Sarrumor. São Vicente-SP, 5 de março de 2023. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Marcia Oliveira

Em trio, eu (Luiz), Wilton e Osvaldo havíamos montado um mapa base nos ensaios anteriores, mas nesse ensaio em específico, além da colocação da melodia ter ficado muito mais clara para todos com a Laert a interagir pessoalmente, houve proposta de mudança na estrutura base e assim, todos gostamos da nova fórmula e cuja maior mudança fora proposta por seu compositor, ou seja, o próprio Laert.

Dessa forma, ficou acertado que o solo criado pelo Wilton fosse adaptado para entrar mais ao meio da canção e não como introdução. Uma volta à parte C, o refrão, ficou acertada como dupla e no terceiro módulo, a entrada de um contrasolo, desta feita proporcionado pelo Osvaldo e ao final, na quarta alça de repetição, um final com escala semicromática a ser usado para dar encerramento à canção.

Laert Sarrumor e sua esposa, Marcia Oliveira, empresária do Língua de Trapo e muito naturalmente viria a se tornar empresária do Boca do Céu, igualmente. Ensaio do Boca do Céu na residência do Laert Sarrumor. São Vicente, 5 de março de 2023. Click e acervo: Luiz Domingues

Fechada essa modificação para o mapa base da música, ficamos muito felizes por tais modificações que se mostraram eficazes para o melhor acabamento da música e mais ainda por sentirmos claramente o potencial incrível que essa música tinha, a se tratar de uma peça fortemente orientada pela Soul Music sessentista e a conter na sua letra e na força da interpretação do Laert, adendos significativos.

E cabe registrar que o Laert observou com propriedade o quão incrível estava sendo nós resgatarmos uma música que na verdade, nunca houvera antes sido materializada de fato, pois nos anos setenta, o Laert nos mostrara a sua ideia, mas a banda estava a passar por um momento de crise naquele instante do final de 1977 e início de 1978, portanto a sua elaboração formal foi postergada e culminou em nunca sair da teoria apenas. Em suma, a música só ganhara vida mesmo agora, nesse momento de 2023, isto é, a alcançar o seu "instante de ser" (não resisti ao trocadilho).

Sob a minha lente de "fotógrafo" super amador, meus companheiros (da esquerda para a direita: Laert Sarrumor, Wilton Rentero e Osvaldo Vicino), tocam e conversam sobre o arranjo da música: "1969". Que fato incrível poder registrar uma reunião dessas em pleno 2023, a repetir a nossa rotina de 1977. Ensaio do Boca do Céu na residência do Laert Sarrumor. São Vicente-SP, 5 de março de 2023. Click e acervo: Luiz Domingues

Bem, fechado o ensaio que foi super produtivo, apesar de trabalharmos com apenas essa canção (na verdade passamos um pouco também por "Instante de Ser", mas o tempo urgia e resolvemos deixar esse outro tema para a próxima oportunidade), tivemos um apontamento de última hora e como nos velhos tempos de 1976, 1977, quando ensaiávamos no período vespertino e a noite sempre íamos assistir shows de grandes artistas do Rock e da MPB, eis que o Laert nos convidou para irmos prestigiar um evento ao ar livre protagonizado pelo nosso amigo em comum, o extraordinário guitarrista, Milton Medusa. 

Da esquerda para a direita: Wilton Rentero, Osvaldo Vicino, eu (Luiz Domingues) e Laert Sarrumor. Ensaio do Boca do Céu na residência do Laert Sarrumor. São Vicente-SP, 5 de março de 2023. Acervo e cortesia: Wilton Rentero. Click: Marcia Oliveira 

E assim fomos os quatro e mais a Marcia Oliveira até a uma praça pública em Santos (em frente ao Sesc, para ser preciso) e ali prestigiamos o nosso amigo que acompanhava uma cantora na ocasião, ao lado de um percussionista e que curioso, este músico era amigo do Laert e seu vizinho de rua e do prédio ao lado de onde morava, nos vira a ensaiar pela janela de sua residência, horas antes. 

Em suma, pareceu um "deja vù" dos anos setenta, que ambientação incrível. Para coroar tal percepção, Wilton e Osvaldo haviam estacionado os seus respectivos carros em um shopping center localizado a dois quarteirões dessa praça e assim, como nos anos setenta, quando muitas vezes saíamos do ensaio na casa do baterista, Fran Sérpico, e caminhávamos juntos pelo Shopping Ibirapuera de São Paulo, vestidos a caráter e com aquela atitude "hippie" acentuada, eis que nós, de novo, estivemos a caminhar no interior de um shopping, portanto, mais uma coincidência afetiva.

Bem, depois desse bom encontro, combinamos estabelecer doravante um rodízio, com o Laert a ir ensaiar conosco em São Paulo por duas vezes e nós descermos ao litoral em outra ocasião. Nessa altura , as quatorze músicas resgatadas já tinham corpo com mapa definido, portanto, chegara a hora do ajuste final já a visar entrarmos na fase de arranjos definitivos e pensarmos na pré-produção para entrar em estúdio. Ou seja, o sonho setentista que se mostrou impossível naquela década, se tornou palpável neste momento de 2023.

Continua...

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