domingo, 27 de outubro de 2024

Autobiografia na música - Trabalhos avulsos (Golpe de Estado & Convidados) - Capítulo 126 - Tributo à Nelson Brito - Por Luiz Domingues

Conforme me fora notificado anteriormente, eis que um novo espetáculo ficou marcado para o Golpe de Estado, a se configurar como mais uma homenagem ao seu saudoso baixista, Nelson Brito, meu amigo de muitas décadas. E este com a mesma configuração anterior em relação ao espetáculo no qual eu havia participado, ou seja, a contar com a presença de cinco baixistas convidados, eu incluso, para suprir a ausência do nosso querido amigo que partira.

Eu já havia sinalizado ao Marcello Schevano que aceitaria participar novamente e de fato, assim que ele me confirmou a data, eu reiterei a minha predisposição para estar junto a banda e seus outros convidados, todos eles amigos do Nelson e meus igualmente, portanto, mais uma vez haveria de ser uma bela homenagem.

Marcado para ser realizado na unidade do Sesc Paulista, localizado na avenida homônima, a única diferença em relação ao show anterior foi a inclusão de mais uma música para cada convidado, ou seja, a caracterizar um espetáculo com vinte músicas do repertório da banda, a representar todos os seus discos.

No meu caso, foi acrescentada a canção: "Forçando a Barra", peça de seu segundo disco, o LP homônimo, lançado em 1988. 

Um ensaio foi marcado para ocorrer nas dependências do estúdio Orra Meu, em 14 de outubro de 2024, uma segunda-feira e com a possibilidade de haver um segundo ensaio na quarta-feira, dia 16.

Novamente reunido com os amigos na área livre de convivência do estúdio Orra Meu para preparar o show tributo a Nelson Brito. Da esquerda para a direita: João Luiz, Marcello Schevano, Fabio Cezzar, Ricardo Schevano, Daniel Kid, eu (Luiz Domingues), Pepe Bueno e Roby Pontes. Estúdio Orra Meu de São Paulo. 14 de outubro de 2024. Acervo e cortesia: Marcello Schevano. Click: Letícia Helena

Na parte musical, a banda estava afiada como sempre e todos os convidados haviam feito bem a "lição de casa", portanto, o ensaio se provou eficaz. Tanto que o segundo ensaio foi mantido, mas quem se sentiu seguro logo no primeiro, nem compareceu ao segundo, o que foi o meu caso. Não fiquei sabendo a posteriori, mas creio que esse segundo apontamento foi cancelado, com a sensação de que não seria necessário.

O meu único receio foi poder me controlar melhor, haja visto que no show anterior eu senti a carga emocional pela perda do amigo e me desconcentrei durante o show e principalmente no camarim após a minha saída de cena, quando me senti abalado pela lembrança do dia triste que tive ao lado da esposa do Nelson no dia em que fui visitá-lo no hospital, pois foi justamente no momento no qual cheguei ao quarto, ele estava a ter uma crise e só me restou tentar consolar a sua esposa no pior momento possível. Tal recordação se aflorou assim que avistei a presença dela na plateia durante esse show anterior e ali eu mergulhei em um caldeirão de emoções fortes, por estar a atuar no calor do espetáculo, a ocupar a vaga dele, a tocar as suas músicas, mediante as suas linhas de baixo e a ter consciência do quanto ele amava a sua banda, suas canções e assim, para potencializar ainda mais o apelo emocional, com a sua foto gigante no painel de fundo, a esposa ali e mirar-me e a tocar as suas canções, não foi fácil me controlar. Paciência, sou humano também.

Na mesma intenção da foto anterior. Ensaio do Golpe de Estado e seus convidados. Estúdio Orra Meu de São Paulo. 14 de outubro de 2024. Acervo e cortesia: Marcello Schevano. Click: Letícia Helena

Bem, a julgar pelo ensaio, quando nos reunimos novamente, claro que falamos muito do Nelson, cada qual a expressar as suas muitas lembranças. Lamentamos novamente a sua ausência, mas tudo se atenuou com as lembranças boas que todos evocaram. Portanto, conformado exatamente ninguém ali estava, porém, falar sobre os bons momentos que cultivamos da amizade para com ele, nos deu alento.

E particularmente eu me senti mais forte. Tive a certeza de que nesse segundo show eu não haveria de me desestabilizar tanto, sem perder a concentração e a não gerar uma energia ruim. Se existir de fato uma espécie de "vida após a morte física", nessa dimensão na qual o Nelson foi habitar doravante, ele recebeu a nossa energia boa ali a falarmos coisas boas sobre ele e no show, com toda a carga explosiva do som produzido pela banda que ele tanto amou, através das músicas que criou, a massa energética haveria de ser ainda maior.

Uma ideia surgiu, a proporcionar que cada baixista convidado escrevesse um texto a ser repercutido nas redes sociais, a dar conta de como cada um conheceu e forjou amizade com o Nelson. Tais depoimentos ficaram emocionantes da parte de todos os baixistas convidados e exatamente o texto que eu preparei, o transcrevo abaixo:  

"Foi na metade de janeiro de 1983, que a minha banda na ocasião, A Chave do Sol, conseguiu dar o seu primeiro passo um pouco maior, haja vista que vínhamos desde setembro de 1982 a trilhar a dura labuta da típica banda iniciante, ou seja, a nos apresentarmos em casas noturnas obscuras, festivais underground & afins.
 
Isso ocorreu quando um "olheiro" de uma casa de maior porte nos viu a atuar em uma bar da Alameda Santos e nos convidou a assinarmos um contrato para uma temporada no então badalado, "Victoria Pub", a viver os seus dias de auge e a se constituir na prática de uma casa da jovem burguesia paulistana, embora a programação fosse Rocker na essência.
 
A nossa missão foi nobre: abrir toda terça e quinta os shows do Tutti-Frutti de Luiz Carlini, Simbas & Cia., ou seja uma formação espetacular dessa famosa banda. Dividiríamos a missão com outra banda que já tinha uma história pregressa no campo da música autoral a remontar aos anos setenta, mas que nessa fase, se dedicava às releituras de clássicos do Rock internacional dos anos 1960 e 1970, chamada como: "Fickle Pickle", cujo vocalista era um ex-co-autor de músicas do Casa das Máquinas, apelidado como "Catalau" e que eu conhecia desde 1980, época na qual ele quase entrou como componente de uma banda cover pela qual eu atuava, chamada: "Terra no Asfalto". 
 
Os outros componentes eu não conhecia até então, mas vim a saber que o guitarrista, Raul Müller, era ex-membro do lendário "Lírio de Vidro" de Kim Kehl, banda que surgira no final da década de setenta. E a super "cozinha" da banda era constituída por Nelson Brito e Paulo Zinner, ambos com o Fickle Pickle desde 1977, ainda com André Christovam na guitarra e posteriormente, Chris Skepis.
Em suma, eu conheci o Nelson ali nos labirínticos corredores do Victoria Pub e fiquei muito sensibilizado pela sua generosidade, pois mesmo sem me conhecer, ele ofereceu-me o seu amplificador para que eu o usasse nos quatorze shows que A Chave do Sol ali realizou.
 
Jamais me esqueci desse gesto solidário da parte dele e dali em diante, ficamos amigos e solidários um com o outro por anos a fio.
E como eu gostava de vê-lo a atuar, assistindo da coxia do Victoria Pub e vibrando com a execução perfeita que ele interpretava das linhas de baixo de John Entwistle, Paul McCartney e Bill Wyman entre outros ídolos nossos do Rock da década de 1960, com aquela volúpia Rocker avassaladora, bem no espírito dessa cena que amávamos. 
 
Veio a posteriori o Golpe de Estado e a sua consagração pessoal como artista contundente e famoso no meio Rocker brasileiro. A minha carreira foi diferente em comparação à que ele construiu com uma banda apenas, porém, e não por coincidência mas por afinidade, todas as bandas pelas quais eu atuei doravante, interagiram fortemente com o Golpe de Estado, portanto, foram inúmeras as histórias construídas conjuntamente pelos bastidores de shows, ambientes de rádio, TV e redações de jornais que visitamos para falar sobre shows, discos sendo lançados e outras ações promocionais, além da colaboração direta, um com o outro nas produções de estúdio, quando gravamos discos com as nossas respectivas bandas e sem contar com as "canjas" nos shows, um na banda do outro. 
 
Até que um dia ele partiu para viver em uma outra dimensão. O que isso mudou na nossa amizade? Nada, pois continuamos a ser amigos e um dia eu irei viver nessa outra dimensão, também, e lá, continuaremos a cultivar a nossa amizade a celebrarmos juntos o som do The Who, Beatles e Rolling Stones e conversarmos animadamente sobre as peripécias do Dr. Smith, Robot & Will Robinson, entre tantas coisas que gostamos e somente quem viveu os anos sessenta sabe do que estou a falar".
 
Bem, o dia do show chegou e lá fui eu imbuído de produzir mais essa boa energia junto aos colegas para que o Nelson a recebesse, fosse lá onde estivesse.
 
Continua...

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