terça-feira, 4 de junho de 2019

Quando as Portas se Fecham por sua Própria Culpa - Por Luiz Domingues


Quando a crise econômica instaura-se sobre um país, as pessoas tendem a ter um choque de realidade e assim, aprendem a valorizar muitas coisas. A questão do desperdício de qualquer item vital de sobrevivência é a primeira oportunidade para se procurar mudar o comportamento arraigado e desleixado, sem dúvida alguma. 
 
Um outro aspecto que vem a reboque, dá-se na questão das oportunidades e nesse quesito, as mudanças comportamentais em torno de hábitos anteriormente adotados e não recomendáveis, produz de uma maneira compulsiva, benesses, não há como negar-se. 
Entretanto, por incrível que pareça, não é todo mundo que aprende, nem mesmo diante da necessidade premente de se eliminar antigos vícios, como fatores preponderantes para sobreviver. 
Veja o exemplo de uma moça, chamada: Maria Sidária Macaléa. O seu caso não caracterizou-se no sentido de que ele tivesse um espírito macunaímico (pelo aspecto da preguiça), mas por outro lado, para ainda ficarmos no âmbito das citações literárias, mantinha a característica de uma personagem quase xará, a personagem, Macabéa do livro, "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, ou seja, a apresentar uma ingenuidade muito grande quanto ao rumo de sua vida. 
 
Portanto, ela tinha vontade para trabalhar e buscar prosperar, mas havia nela uma certa ingenuidade por não considerar que para lograr êxito em sua empreitada, precisava urgentemente rever diversos conceitos que carregara durante a sua vida e nesse aspecto, por pura falta de discernimento de sua parte, pois em sua concepção, não haveria nenhum meio de se associar a sua dificuldade para firmar-se na vida profissional, em relação aos seus paradigmas pessoais, quando na verdade, esse fora o seu maior empecilho.
Pois eis que um dia, uma amiga sua, apresentou-lhe uma boa chance para empreender uma grande melhora na sua perspectiva pessoal e em princípio, ela aceitou tal ajuda, com animação. Tratava-se do ramo da tecelagem e Macaléa de fato sonhava em ser um dia uma empresária de tal ramo, ao comandar quiçá, um negócio próprio, bem estabelecido e com uma clientela fina e fiel a garantir-lhe a prosperidade e segurança em torno da sustentabilidade. 

Foi então, que essa amiga um dia telefonou-lhe para fazer-lhe um convite irrecusável. Tal amiga, que se chamava, Tonia, tivera uma outra amiga, anos atrás que envolvera-se com o ramo da tecelagem e após trabalhar muitos anos em empresas renomadas do ramo, a procurara, por conta de tê-la encontrado em uma rede social, um fato muito comum nos anos 2000, quando muitas pessoas refizeram amizades perdidas graças a tal tipo de dispositivo disponibilizado por causa da internet. 
 
Ora, Tonia restabeleceu a amizade e essa amiga do passado, chamada, Aída (conhecida popularmente como: “Ópera”, entre os amigos galhofeiros do passado), a convidara para participar de um reencontro. 
 
Nessa conversa que aconteceu dias depois, Aída e Tonia colocaram a conversa em dia e claro que o assunto sobre tecelagem e confecção, surgiu. Aída disse-lhe que havia saído de uma grande empresa, onde trabalhara por muitos anos e agora montara uma escola a oferecer cursos em torno da expertise para profissionais do ramo. Foi então que Aída ao mostrar-se solícita, ofereceu por cortesia, uma oportunidade para a própria, Tonia, que não era exatamente dessa área, mas por ser uma lojista no ramo de roupas femininas, certamente que em tese, se considerava o seu negócio como cabível dentro dessa cadeia produtiva e sim, interessou-lhe uma bolsa de estudos para fazer o tal curso que Aída ofereceu-lhe. Porém, ao pensar bem, Tonia concluiu que ele cairia como uma luva para a outra amiga, Macaléa, esta sim com pretensões a progredir nessa carreira em específico. 
Dessa forma, apesar daquele encontro, após tantos anos, não ser o mais adequado para estender uma gentil oferta para uma terceira pessoa, e assim causar uma má impressão para a amiga (que certamente poderia interpretar tal arroubo como um abuso de sua parte), ela arriscou e pediu-lhe a permissão para que tal gentil oferecimento alcançasse a Macaléa.

Aída entendeu, não considerou ser um abuso e pelo contrário, ao impressionar-se com a descrição feita por Tonia, sobre a personalidade de Macaléa, até gostou da ideia de que uma pessoa tão apaixonada pelo ramo e sem grandes estudos na área (e sobretudo sem dispor de grandes recursos), pudesse usufruir dessa estrutura tão profissional de aprendizado. 
 
Perfeito! Ficou agendada para a semana subsequente, uma nova reunião entre Aída e Tonia e desta feita com Macaléa, presente.
Assim que chegou em casa, Tonia logo telefonou para a Macaléa e passou-lhe a grande novidade e esta a recebeu com grande alegria. De fato, Macaléa queria muito crescer na carreira e tal curso caíra-lhe do céu, literalmente. 
 
No dia da reunião, Tonia combinou com Macaléa, um horário bem calculado para que pudessem chegar ao escritório de Aída, sem margem de atraso. Todavia, ali no ponto de encontro onde marcaram, a bilheteria de uma estação de metrô, Tonia esperou, esperou... o horário marcado passara e muito e Tonia não parava de checar a evolução da passagem do tempo, mediante o relógio instalado naquele saguão e a cada volta dos ponteiros, mais apreensiva tornou-se. 
 
Chegou-se em um ponto, que o horário limite passara e assim, ela tomou a decisão de partir sozinha, já a elucubrar uma desculpa para justificar tal deselegância e sim, a descartar a presença de Macaléa. 
Por outro lado, pesou-lhe a consciência de que se para si própria o curso seria bom, para Macaléa, tal oportunidade revelava-se vital e talvez houvesse acontecido algum empecilho e nesse aspecto, acidentes ocorrem o tempo todo. 
 
Sendo assim, o sentimento de compaixão para com a sua amiga exerceu um freio em seu ímpeto de partir sozinha. E nesse momento, uma luta mental esteve a ser travada, pois se por um lado ela não quis abandonar a amiga, por outro, atrasar seria péssimo para quem estendera-lhe a mão, tão gentilmente. 
 
Então, entre a irritação pela demora de uma e o receio de ferir a dignidade da outra, Tonia viu-se atormentada por sentimentos ruins, ali naquela estação do metrô. Eis que finalmente Macaléa apareceu em meio à multidão que caminhava no corredor em direção à bilheteria e pela velocidade que ela empreendia em seu caminhar, mas sobretudo pelo seu semblante (nitidamente a demonstrar absoluta falta de preocupação), ficara claro que o fator do atraso não importara-lhe. 
 
Em contraste, Tonia, que conhecia o temperamento exigente de Aída, estava muito nervosa com a possibilidade de chegar muito atrasada ao escritório e assim que encontraram-se, Tonia e Macaléa, tal perspectiva sob visões muito distintas entre si, escancarou-se. 
 
Isso por que Tonia explodiu ao reclamar com veemência sobre o comportamento intolerável de Macaléa, mas esta, para irritá-la ainda mais, relativizou ao minimizar a importância dessa suposta falha, em sua ótica e pelo contrário, ironizou a preocupação de Tonia. 
 
Ao mencionar o fato de que Tonia preocupara-se à toa, o lado macunaímico, aí sim, pelo aspecto da malandragem de Macaléa, foi que expôs-se claramente. E mais que isso, a ironia trouxe em seu bojo o desprezo tipicamente brasileiro pela pontualidade e por conseguinte, pelo profissionalismo. Eis que as duas chegaram ao escritório de Aída, atrasadas e logicamente que Tonia adiantou-se para pedir desculpas, com uma forte dose de constrangimento explícito, diga-se de passagem. 

Foi óbvio que Aída não gostou, no entanto, não demonstrou verbalmente a sua contrariedade de uma forma direta. Pelo contrário, entendeu a sutileza da situação e simplesmente fez uma explanação sobre os princípios do seu curso, nos quais entre vários itens, enfatizou que a pontualidade era um fator sine qua non, não apenas em respeito aos colegas e professores que ministrariam as aulas, mas como um treinamento para os futuros profissionais, vide que nesse ramo, atrasos são considerados inaceitáveis.
 
Macaléa ouviu tudo sem esboçar incomodar-se e certamente que nenhuma carapuça amoldou-se ao seu íntimo, visto que em sua ótica, isso não representou algo importante, exatamente como dissera para Tonia, na estação do metrô. 
 
Para encerrar a reunião, Aída afirmou que ambas receberiam as instruções para a matrícula, mediante um cadastro a ser preenchido e que esse material seria enviado por e-mail. Tonia recebeu o tal cadastro em sua caixa de mensagens eletrônica e em anexo, um documento a deixar claro que o seu curso seria feito sem ônus, mediante a cortesia de uma bolsa de estudos.

Macaléa por sua vez, não recebeu mensagem alguma e emblematicamente, a falta do envio do tal cadastro não preocupou-lhe, alguns dias depois. 
O seu sonho foi ser uma empresária bem sucedida do ramo, mas creio que ela não relacionou a sua mentalidade pautada pelo desprezo às relações sociais mais básicas, com o fato de não lograr êxito em seu intento e sinceramente, enquanto ela não entendesse que ser pontual não se trata de um fator irrelevante, mas que denota respeito ao semelhante, dificilmente as portas abrir-se-iam para ela alcançar tal objetivo.

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