terça-feira, 31 de maio de 2022

A Esperança por uma Linguagem Única - Por Luiz Domingues

Manuelito nasceu em uma cidade de Honduras e teve uma infância pobre como a maioria das crianças que nasciam nesse país centro-americano tão carente de recursos. Com um padrão de vida limitadíssimo, o máximo que os seus pais conseguiram prover para ele e seus irmãos, fora a manutenção básica da vida mediante recursos modestíssimos e a única esperança de mudança nesse panorama, foi a perspectiva de estudar na precária escola local e garantir o ensino primordial mínimo da alfabetização, além da aplicação das quatro operações da aritmética fundamental.

E poder-se-ia afirmar que tudo isso era considerado como um luxo, em face à realidade do país e de seus vizinhos ainda menos afortunados, portanto, em meio a um bolsão de miséria e falta de recursos, realmente se mostrava como utópica a perspectiva de alguém prosperar dentro daquela situação social tão debilitada.

Mas sempre pululam os exemplos de alguma individualidade que se destaca em ambientes tão inóspitos e realiza proezas, a demonstrar talento e/ou força de vontade fora de série e quando descoberto pela imprensa, se torna objeto de exploração mediante a pauta do jornalismo sempre pronta a exaltar a “força do empreendedorismo” para justificar as teorias do liberalismo socioeconômico que eles defendem de forma férrea

No entanto, o caso de Manuelito não foi exatamente de algum feito de sua parte que se destacasse por ter sido alguma atividade notoriamente importante em termos culturais, científicos ou de qualquer outra monta que fosse considerada produtiva para a sociedade.

Enfim, o que ocorrera foi o seguinte: Manuelito depois que se alfabetizara minimamente, teve acesso a um almanaque velho que alguém doara à parca biblioteca da sua escola.

Com marcas do tempo bem proeminentes, incluso algumas páginas soltas a denotar o manuseio em profusão, realizado há décadas, a despeito de ser uma publicação bastante defasada em termos de informações, tal publicação fascinou o pequeno Manuelito ao ponto de lhe proporcionar tomar contato com um mundo inimaginável e do qual ele jamais teria acesso dentro do cotidiano de um menino pobre de uma nação tão carente de infraestrutura e recursos.

Pois foi assim, em meio a uma porção de curiosidades, e cá entre nós, a maioria delas a se configurar como dados irrelevantes a caracterizar como um autêntico exemplo de cultura inútil, ele se tornou um voraz leitor daquele conteúdo.

No entanto, para Manuelito, tudo se mostrava interessante. Dados geográficos e socioeconômicos de países distantes que ele jamais ouvira falar anteriormente, se tornaram objeto de sua atenção, e ele nem levava em conta a natureza volátil de tais registros, portanto, o panorama que ele lia naquelas páginas amareladas refletia apenas a realidade de 1938, ano de publicação do almanaque e claramente estava muito defasado.

Contudo, mesmo que ele tivesse tal consciência, é óbvio que relevaria essa constatação, pois o que lhe interessava ali, fora mesmo o fascínio que sentiu pela absorção de dados e não exatamente a atualidade de tais informações.

E a folhear o almanaque com enorme entusiasmo e nesta altura ele percebera que a cada página virada encontrava algo mais interessante do que acabara de ler na página anterior, eis que se deparou com um artigo a narrar resumidamente a história de um idioma inventado, chamado como: "Esperanto”.   


        Ludwik Lejzer Zamenhof, o inventor da língua "Esperanto"

Nesse artigo muito superficial, Manuelito ficou a saber que essa língua planejada fora concebida com a intenção de se tornar um idioma de compreensão universal, obra de um médico polonês chamado: Ludwik Lejzer Zamenhof, oficialmente ao final da década de oitenta do século dezenove, quando do lançamento da primeira versão publicada da sua gramática.

A misturar o latim clássico com línguas eslavas, ele criou um alfabeto baseado no padrão latino, mas a acrescentar acentos diacríticos para delinear a fonética em certos casos e tratou de simplificar ao máximo a gramática para que houvesse rápida adesão e dessa forma a forjar que tal língua se tornasse uma língua internacional a suplantar os idiomas tradicionais e assim a romper barreiras e unir a humanidade. Bonita a intenção do oftalmologista polonês, embora claramente delirante no seu intuito.

Enfim, Manuelito ficou tão fascinado com essa história que foi além da vontade de aprender o “esperanto”, mas sob um impulso infantil, porém megalomaníaco e completamente fora da realidade, alimentou a utópica decisão de criar ele mesmo um novo idioma, completamente baseado na sua concepção infantil e logicamente sem base linguística alguma.

E assim, ele passou meses a rabiscar sobre o papel de embrulho de pães, porquanto não poderia gastar as folhas de seu único caderno de anotações escolares, palavras a esmo que inventava e cujo único critério para tal, fora avaliar o aspecto sonoro da fonética que verbalizava a esmo, e a seguir, lhes atribuir um significado sem padrão algum que não fosse a livre escolha da sua parte.

E assim, ele se divertia ao pronunciar palavras inexistentes e forçar os seus irmãos a associarem aquelas palavras inventadas pela sua imaginação com objetos, sentimentos, e situações as mais diversas, a estabelecer uma gramática rudimentar e ilógica sob qualquer parâmetro.

No início, essa ação tão improvável chamou a atenção dos familiares, no entanto, não gerou nenhuma animosidade, e pelo contrário, todos riam a considerar aquelas palavras com fonética estranha, como uma brincadeira infantil inocente e que se mostrava engraçada na medida em que quase todas as palavras inventadas possuíam uma sonoridade tão exótica que lhes soavam engraçadas.

Mas a brincadeira extrapolou o ambiente familiar e quando chegou à vizinhança, e dessa forma se espalhou além desse limite tão prosaico.

Em certo dia, um repórter de um jornal da capital bateu na porta da família, a fim de conhecer o garoto que inventara uma língua inteiramente nova, fruto da sua imaginação e sem suporte algum de algum professor para lhe orientar sob o ponto de vista da linguística.  

Quando começou a entrevistar o garoto e examinar as suas anotações, no entanto, o repórter não precisou de mais de trinta segundos para perceber que o seu esforço e gasto para ter se deslocado da capital à cidade do garoto, fora um equívoco sem igual.

A conversa simplória do menino, reforçada por aquela anotação de cunho infantil, que continha a solidez de um punhado de areia úmida em suas mãos, deixara claro não haver base nem para se montar um artigo para o suplemento infantil do seu jornal, pois não passava de uma brincadeira sem importância alguma, portanto, não havia nenhum feito ali perpetrado que pudesse se caracterizar como algo extraordinário.

E sobretudo, não servia para uma matéria a enaltecer o talento pinçado em meio ao bolsão de pobreza ali predominante, para reforçar aquela ideia sobre o jovem empreendedor que tira forças internas inimagináveis de dentro de si e se mostra útil ao sistema.

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