sábado, 13 de agosto de 2022

O Charlatão de Düsseldorf - Por Luiz Domingues

Uma família que morava em uma cidade grande do Brasil, se colocava de forma simpática no que dizia respeito às diversas práticas místicas que pudessem provocar algum tipo de benefício concreto para eles, ou seja, os seus membros não nutriam preconceitos e tampouco se sentiam engessados por paradigmas religiosos que os impedissem de experimentar terapias ou vivências alternativas, mesmo que não houvesse nenhuma comprovação de que tais atividades teriam de fato alguma eficácia em termos de algum benefício.

No entanto, tal postura aberta não era uma unanimidade no âmago da família e no caso, o patriarca não chegava ao ponto de proibir tais manifestações da parte de seus entes queridos, no entanto, deixava claro que não apreciava os contatos com essas práticas.

Assim, simpatias a usar velas, oferendas, queima de incensos, uso de cristais e outros ritos, eram comuns no ambiente familiar e o velho patriarca não se incomodava em demasia, embora todos os demais componentes da família soubessem que ele nutria sérias dúvidas sobre o resultado prático que reverteria para a família ao se usar tais artifícios.

Então, em uma noite de quarta-feira, um dos filhos desse senhor chegou acompanhado de um homem de meia-idade e logo se pôs a esclarecer para a sua mãe e demais irmãos, que o homem seria um “sensitivo” e que faria uma inspeção no ambiente para detectar fluídos negativos que supostamente estariam a atrapalhar os interesses da família e a seguir, promoveria um “trabalho” a fim de reverter o quadro.

No entanto, o filho sabia que o pai talvez não gostasse da ação feita sem a sua anuência prévia, por isso ele chegara apressado, no afã de que o tal místico fizesse o que precisava executar e partisse antes que o patriarca chegasse do trabalho e assim, sem deixar transparecer tal preocupação de sua parte, se pôs a manipular a situação, com o intuito de que o vidente encerrasse logo o seu ritual e partisse, antes que o seu pai chegasse em casa e flagrasse tal tipo de movimentação com um estranho em sua residência.

No entanto, tal predisposição veio por água abaixo quando o paranormal entrou na residência e a se mostrar muito saliente, antes mesmo de cumprimentar as pessoas ali presentes ou mesmo aguardar respeitosamente para ser apresentado pelo rapaz que o conduzira, ele fez um comentário a sugerir que postergaria a sua estada na casa, ao elogiar com muita ênfase o odor agradável que vinha da cozinha e assim, foi inevitável que a matriarca da família se antecipasse e o convidasse para o jantar.

O homem comemorou o convite com aquele vozeirão grave, e assim a deixar claro que dificilmente seria discreto e pior, ser rápido ali dentro para se evadir antes que o pai da família chegasse e assim ocorresse um clima constrangedor.

Bem, antes que o jantar fosse servido e diga-se de passagem, a família somente o serviria com a presença do pai, o filho que levara o sensitivo, passou a forçar a situação, para que ao menos o sujeito cumprisse a sua missão antes do jantar e com sorte, o pai chegasse sem perceber a motivação e assim ele tentaria disfarçar no jantar a apresentar o homem simplesmente como um amigo seu.

Então, ao tentar apressar o rapaz, ele inicialmente se frustrou, pois, o vidente ironizou a manifestação de pressa do seu interlocutor ao fazer uma piada sobre a ansiedade e a seguir pediu um “aperitivo” para aguçar o seu apetite.

Já arrependido por trazer o sensitivo para a sua casa sob tal circunstância periclitante, o rapaz foi rapidamente à cozinha e trouxe uma lata de cerveja para satisfazer o seu pedido, e o sujeito comemorou ao abri-la imediatamente e degustar o seu conteúdo.

Finalmente após ver o sujeito consumir mais da metade do conteúdo da lata, ele forçou para que o trabalho se iniciasse imediatamente e o rapaz o atendeu ao visitar todos os cômodos da residência, munido de um objeto ritualístico em mãos e passou a produzir resmungos enigmáticos a dar a entender que sentia as supostas vibrações de cada ambiente.

Chamava a atenção igualmente o fato de que ele tinha um forte sotaque germânico, ou seja, não era algo muito comum se achar um místico de origem alemã, mas tudo bem, isso em tese não importava.

Contudo, se tornou curioso ouvir as considerações místicas de sua parte com aquele sotaque, mas sobretudo pela dificuldade que todo cidadão alemão tem ao se expressar em línguas latinas que atribuem gênero para tudo, mesmo que não sejam seres vivos e assim a provocar equívocos no uso de pronomes. Dessa forma, ele a fazer caras & bocas, emitir estranhos ruídos para denotar estar em transe mediúnico, mas ao mesmo tempo afirmar que sentira -“um energia estranha no porta”, também soava engraçado e poderia neste caso desestabilizar a concentração do médium, acaso percebesse que estava a motivar risos e gracejos da parte da família.

Bem, infelizmente os esforços para acelerar tal processo se tornaram infrutíferos, na medida em que todos ouviram o típico som de uma chave a abrir a fechadura da porta principal e sim, o pai estava a chegar.

Quando o dono da casa abriu a porta e deu de cara com aquele homem exótico, arregalou os olhos, mas não deu tempo de dizer nada, pois o místico vociferou com extrema contundência: -“quem é o senhora?”

Estupefato pela cena, o patriarca reagiu com mais veemência ainda ao responder: “sou o dono da casa, rapaz, quem é você, pergunto eu!”

Foi quando um pequeno tumulto se instaurou, com os demais familiares a interpelar o pai para lhe pedir calma e tentar explicar quem seria aquele homem teutônico e o que fazia na residência.

Em meio ao tumulto generalizado a se parecer muito com uma cena de novela de TV, o sensitivo se aproveitou e se pôs a buscar o seu paletó e falou entre os dentes: -“o barra pesou!” 

E a seguir, saiu sem que a família percebesse a sua evasão do ambiente para assim configurar que muito possivelmente fosse um charlatão em potencial e que ao perceber o perigo que o rondava, decretou a sua retirada estratégica para evitar o pior.

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