domingo, 16 de setembro de 2018

No Mês que Vem, Eu Vou à Falência - Por Luiz Domingues

Havia uma loja de objetos de decoração, instalada em uma famosa galeria comercial no cento da cidade, que começara humildemente, mas decorridos alguns poucos anos, viu-se em plena expansão. 
 
Ao tornar-se referência nesse setor, inspirou a abertura de diversos estabelecimentos similares, ao estabelecer uma concorrência, que visto por uma visão macro, fora saudável para fomentar ainda mais os seus negócios. 
 
Bem, seu mandatário, o senhor Calanggiaro, era um imigrante italiano, apaixonado pelos objetos que vendia, e dessa paixão, veio a explicação plausível a justificar muito do seu sucesso pessoal, visto que fazia o que gostava e para ele, não era um trabalho, tampouco um empreendimento comercial pura e simplesmente, mas representava o seu prazer pessoal, poder respirar, 24 horas por dia, o seu ofício. Quanto a isso, a sua postura pessoal era irrepreensível. 
 
Contudo, havia uma marca registrada sua, que com o passar do tempo tornou-se acentuadamente visível e pela qual municiou os seus invejosos detratores, pois paradoxalmente, tratara-se de uma reserva pessoal, que Calanggiaro ostentava acintosamente.
 
Ocorre que ainda bambino na velha Itália, o babbo de Calanggiaro repetia um ensinamento quase diariamente, preocupado com o futuro de seu filho e no intuito legítimo de prepará-lo para a vida, mas sobretudo pela visão pessimista que detinha do mundo e das relações sociais em geral, notadamente no âmbito comercial, quando alertara ao seu figlio com veemência:
 
-“Jamais ostente sua condição financeira, mesmo entre pessoas de confiança e principalmente para estranhos”.
Impressionado e quiçá atemorizado com tal máxima, Calanggiaro tomou tal ensinamento paterno com absoluta convicção e assim procedeu quando chegou ao Brasil, onde mediante a sua labuta pessoal, ele abrira a sua loja. Ocorre que com a prosperidade advinda, foi nítido pela movimentação frenética de sua clientela, que a sua situação se tornara ótima, mas para todos os efeitos, ele mantinha o discurso com o teor inverso, a falar sobre dificuldades, dívidas, e invariavelmente a afirmar que estava à beira da falência, o que contrastava frontalmente com a verdade expressa em sua loja, sempre em franca evolução.

Tornou-se folclórica a sua afirmação padrão, ao dar conta de que estaria temeroso por não aguentar mais um mês com o seu estabelecimento aberto, pois a falência seria inevitável etc. 
 
De fato, vivemos em meio a um padrão comportamental na sociedade em que a imensa maioria das pessoas vive o seu cotidiano sob o signo dos apelos materiais. Em meio a um bombardeio violento de estímulos que geram paradigmas a ditar normas e condutas, é rara a pessoa que não pense o tempo todo em ganhar dinheiro, ao visar alcançar o seu bem estar pessoal mediante o ultra consumo, a gerar bem-estar e prazer. 
 
E visto pelos aspectos positivos e negativos que tal predisposição gera no inconsciente coletivo, é praticamente inevitável que o sentimento de inveja não seja muito forte para uma imensa maioria que acha mais fácil derrubar quem julga estar acima, do que efetivamente trabalhar para alcançar o mesmo patamar. Isso é ponto pacífico e claro que o pai de Calanggiaro teve razão, ao raciocinar dessa forma.
Contudo, tal fervor que trouxe das palavras de seu pai gerou o exagero, e este também o estigmatizara ao torná-lo folclórico para alguns, e com a fama de um usurário velado, para outros. 
 
De uma maneira sui generis, o antídoto que ele julgava ser infalível, também o envenenara, pois tal postura exacerbada foi responsável igualmente por uma onda de inveja gerada, da parte de quem não acreditava que ele estivesse mesmo à beira do colapso financeiro, como alegava, pois visto por outro lado, fora nítida a sua prosperidade. 
 
Portanto, a inveja trouxe no seu bojo o sentimento de raiva, igualmente, pela postura que muitos julgavam cínica a debochar e desdenhar da situação de quem realmente não estava bem de vida.
 
Claro que não foi nada disso, porque Calanggiaro apenas estava a proteger-se, como aprendera com seu pai, mas a verdade é que viver em sociedade não é nada fácil e fatalmente, um indivíduo vai formular um pensamento a respeito do outro, é assim a natureza humana, pelo menos neste estágio onde a civilização encontra-se. 
 
Quem sabe um dia isso muda?

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