quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Quando até Sonhar é Proibido - Por Luiz Domingues


Vivia-se uma época difícil no país, com recessão acentuada e declarada. Dessa forma, o efeito psicológico coletivo que sempre advém da penúria generalizada, trata sempre por manter a impressão (para cada cidadão comum e muitas vezes, de forma proposital para quem obtém algum lucro com a crise), sobre a situação real da economia, estar muito pior do que realmente se apresenta, se fosse analisada por economistas isentos.  
 
E um dos sinais psicológicos que ajuda a piorar a percepção desse caos social, é a existência acima do normal de imóveis vazios, residenciais e comerciais, a ostentarem placas com os dizeres: “aluga-se” e/ou “vende-se”, por semanas, meses e até anos a fio. 
 
E não para por aí, pois os sinais análogos e inerentes tratam de piorar ainda mais os índices. A sujeira acumulada nas casas inabitadas, atrai a bandidagem e a mendicância, as pichações multiplicam-se e tudo isso somado, gera também o desestímulo para possíveis interessados em alugar ou comprar imóveis, a postergar o clima desolador.
Mas há o lado positivo mesmo nesse cenário caótico, por incrível que pareça. Pois é nessa hora sob carência, sufoco & escassez de recursos, que o fator da esperança, move as pessoas de encontro ao sentimento de reação e quando reagem, efetivamente movimentam a economia, primeiro em uma escala microscópica, mas que tem o poder de uma pequenina pedrinha que bate no rio e inicia uma movimentação, que demora, mas pode representar uma virada macro, no futuro.
Bem, economia e motivação humana a parte, o fato foi que nesse cenário todo que descrevi, a crise gerara o aumento de placas a anunciarem a disponibilidade de imóveis em geral, da parte dos corretores. 
 
E naquela perspectiva única de se poder sonhar, que seria a única medida que as pessoas poderiam contar naquele instante mais agudo da situação, um casal a aparentar estar na meia-idade, passou a ocupar o seu tempo a visitar imóveis do bairro onde moravam. 
 
Em cada quarteirão havia pelo menos duas ofertas com casas nessas condições e em muitos deles, havia um funcionário de imobiliária disponível para atender as visitas de clientes, possivelmente interessados. Empolgados com essa oferta, marido e mulher passaram a fazer dessas visitas, uma ocupação diária, como se estivessem a frequentar museus.
Todavia, mais que um lazer, as visitas representavam sonhos. O bem estar que sentiam ao caminharem pelos cômodos das residências vazias e bonitas, foi imenso e eles não furtavam-se a comentarem em voz alta os seus planos para decorá-la, ao projetarem-se como futuros proprietários. 
 
Geralmente os funcionários esboçavam estreitar a relação, quando sentiam um real interesse dessas pessoas e dessa forma, insistiam em pedir-lhes os dados pessoais, a convidá-las a preencherem ficha cadastral etc. e tal... mas o fato, foi que eles só tinham o sonho e a vontade para adquirirem tais imóveis, pois em realidade, não possuíam nem um centavo sequer para pleitear nada, concretamente a falar.
Mesmo assim, eles continuaram o seu périplo diário, a seguir o mesmo padrão em cada imóvel que visitavam. Infelizmente, a atitude sintomática da parte deles gerou uma fama indevida entre os corretores de imóveis e talvez desconfiados, a deduzirem que as intenções do casal, seriam malévolas, estabeleceram um pacto entre imobiliárias, a proibir-lhes a visitação, veladamente. 
 
A ordem que os funcionários receberam foi para exigirem que tais pessoas visadas registrassem-se mediante uma ficha cadastral bem mais detalhada e invasiva, com certificação documental em anexo, para poderem adentrar tais imóveis. Não tratou-se de uma medida ilegal, mas certamente antipática, ao ser adotada doravante. Assim, ao sentirem-se oprimidos, eles encerraram as suas costumeiras visitações.
Portanto, se nem sonhar foi mais possível, a estagnação foi decretada e como consequência direta, as placas continuaram a anunciar imóveis vazios por muito mais tempo, sob um efeito sintomático. 

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