sábado, 14 de setembro de 2019

Uma História Moderna - Por Luiz Domingues


Esta é a história de um menino, cujo perfil denotava uma capacidade de liderança agressiva, algo notado desde os tempos em que frequentara a escola infantil. 
 
Os seus pais não achavam isso errado e pelo contrário, tomavam tal característica natural de seu filho como uma qualidade, praticamente um dom. Isso por conta de que o casal tinha em mente um estilo de vida no qual a ideia da extrema competitividade era encarada como algo salutar e nesses termos, se os seus pais enxergavam o mundo como se fosse uma pista de atletismo e somente o vencedor da corrida merecia os louros da vitória e os demais, a pecha de “perdedores”, foi natural que ambicionassem tal meta para o seu filho, ou seja, competir e sobrepujar os demais, sempre foi a palavra de ordem no Lar dessa família, e portanto, ponto pacífico a ser introduzido na educação de seu filho.
 
Ele teve que ser o melhor bebê da creche, o melhor da escola infantil, o primeiro entre os seus primos e pior ainda, instruído a desprezar os seus concorrentes derrotados. 
Forjada tal mentalidade, não foi surpresa que tenha chegado à idade escolar de maneira a encarar todos os seus colegas como adversários para ser abatidos e assim, em todos os quesitos, só colocou-se a fomentar a sua agressividade, cada vez mais. 
 
Todavia, não ficou apenas nesse senso de disputa, pois a reboque, veio também a arrogância, a soberba e claro, o complexo de superioridade. 
 
Se todos estão abaixo e mostram-se inferiores em sua linha de raciocínio, sem saber ele criou algo além da antipatia da parte de seus colegas, mas o senso de vazio, com o qual não sabia lidar, visto que sem amigos, mas apenas a encarar os demais como adversários, simplesmente não tinha amigos, a não ser os bajuladores, pelos quais ele também nutria desprezo, pelo fato de os considerar criaturas abomináveis pela própria subserviência vergonhosa com a qual devotavam-lhe a atenção. 
 
Em suma, só havia uma maneira dele ter uma amizade que fosse, ou seja, se encontrasse alguém que pensasse absolutamente igual a ele. 
 
Entretanto, a mostrar-se o supra sumo do paradoxo, ele raciocinou bem e chegou à conclusão de que se encontrasse alguém à sua altura, não haveria por que nutrir amizade, nem que fosse em termos de pacto de não agressão mútua, pois a natureza de ambos haveria por impeli-los a competir e daí, a travar um embate mortal, pois apenas o vencedor mereceria sobreviver, por uma questão de coerência.
Isto é, o mundo em que ele acreditava só fazia sentido se em cada segundo houvesse uma nova disputa. Tratava-se de um mundo selvagem, regido pelo mais animalesco sentido de egoísmo, travestido como um instinto de sobrevivência, portanto, algo primitivo, digno de uma mentalidade pré-histórica, quando o homem dera os seus primeiros passos em relação à construção da civilização e por conta disso, ao raciocinar de uma forma torpe, poucos graus acima do instinto animal pela sobrevivência.

Nesses termos, por uma extrema ironia do destino, tornou-se relativa a evolução da tecnologia, pois se se na questão mais trivial da vida em sociedade, o que rege os movimentos de todos, é o sentido da competitividade, na prática, ainda não saímos das cavernas, visto que a ideia da solidariedade ainda não é uma norma na sociedade, mas muito ao contrário, é tratada como um conceito piegas, quiçá ingênuo da parte de pessoas que simplesmente não enquadram-se no espírito da grande competição. 
“Estão dizendo que é para competir... mas eu só penso em te ajudar”... título e frase da letra de uma música dos Mutantes, lançada no longínquo ano de 1974, mostra o quanto vislumbramos chegar perto de uma nova realidade, mas desperdiçamos a chance e voltamos a acreditar que precisamos “competir” uns com os outros, e a termos no bojo, o desprezo aos semelhantes, que são “adversários”; “concorrentes” ou até pior, os “inimigos”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário