sábado, 5 de outubro de 2019

Crônicas da Autobiografia - Valorize o que Você Conquistou - Por Luiz Domingues

Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, em meados de 1997

Certa vez eu fui interpelado pela opinião de um colega de profissão e a sua intervenção inesperada, provocou-me uma reflexão muito interessante. 

Isso foi motivado por haver ocorrido uma reunião, por volta de 1997, com representantes de algumas bandas da cena do Rock paulistano de então, e nesse bojo, a maioria dessas bandas rezava por uma cartilha indie e não pelas vertentes pesadas e oriundas do Heavy-Metal/Hard-Rock, sobretudo sob viés oitentista, e naturalmente que pelo fluxo noventista em voga, houve ali naquela reunião, uma turma mais jovem e que recebera diretamente como influência em sua obra artística, a boa nova advinda em torno do movimento Brit-Pop noventista. 

Ora, o Brit Pop foi uma tendência que transitou por um bom período nos anos noventa, a apresentar bandas britânicas profundamente influenciadas pelo cabedal sessentista, notadamente o estilo do Rock Bubblegum praticado no Reino Unido na década de 1960. Ora, que ótimo que isso tenha ocorrido enfim, para dar um alento ao Rock, após tantos anos marcados pelo obscurantismo versado pelo Punk e Pós-Punk, e com direito ao niilismo barato, revanchismo e todo o tipo de ataques proferidos por agentes fanáticos em torno de tais falácias e pior, a adotarem o famigerado comportamento fundamentalista em prol de tais ditames etc. e tal.

Em termos de Brasil e São Paulo, para ser específico, a banda em que eu mais atuei nos anos noventa, o Pitbulls on Crack, não foi fundada com a intenção de desfraldar acintosamente a bandeira vintage em termos estéticos, mas pela força das circunstâncias e sobretudo por muita pressão pessoal da minha parte (eu assumo que forcei a barra no âmbito interno da banda), tal grupo pendeu para a estética sessenta-setentista, ainda que de uma forma apenas insinuada e assim, eis que eu estive em tal reunião organizada com representantes de bandas simpáticas às estéticas vintage, a visarmos obter um tipo de cooperação para a organização de um festival nesses termos. 

E um dos mais eloquentes a manifestar-se nessa reunião, foi o baterista de uma banda Pop-Rock, cem por cento comprometida com a estética sessentista, e cujo trabalho eu admirava (admiro), por tal entrega pela qual os seus componentes demonstravam possuir em torno de tais ideais. 

Essa banda chamava-se: "The Teahouse Band", a tratar-se de um trio muito competente e criativo e que emocionava-me pelo seu entusiasmo para promover o resgate, o "religare" do Rock, um ideal pelo qual eu também pautava-me e nessa ocasião, sobretudo, o meu empenho foi total dentro dessa prerrogativa.

Bem, eis que em algum momento da reunião, eu comentei que a situação das bandas ali reunidas, incluso a minha na ocasião, era difícil, por sermos todos marginalizados pela mídia mainstream. E por conseguinte, jamais sermos sequer cogitados para fazer parte do elenco de gravadoras de porte major etc. e tal. 

O que eu afirmei, foi absolutamente verdadeiro, não houve nenhuma falácia em meu discurso, no entanto, o que o baterista da "The Teahouse Band" retrucou, chamou-me a atenção e certamente provocou a minha imediata reflexão e retomada de posição, em termos. 

Eis então que o bom baterista e cantor dessa citada banda, Raul Antonio, estranhou a minha fala e questionou sobre o que eu reclamara, visto que o Pitbulls on Crack estava há anos no mercado, a contar com constantes oportunidades, a registrar-se uma maciça execução radiofônica, inclusive de mais de uma música, na estação de Rádio Rock mais popular de São Paulo naquela década (89 FM), e também com clips em constante exibição na MTV, além de farta cobertura na mídia impressa. 

Foi nesse momento em que eu parei para pensar e creio ter entendido a mensagem vinda do colega. De fato, o meu sentimento expresso em um discurso pleno de vitimismo, fora fruto de um paradigma arraigado há anos, em torno de uma visão derrotista de minha parte, em relação a considerar impossível que artistas da nossa estirpe, pudessem alcançar o patamar mainstream da musical profissional, por conta de barreiras formadas por interesses escusos da parte de poderosos. 

Nesses termos, de fato, o que eu falei procedia, no entanto, a observação feita pelo Raul, levou-me a entender o fator da graduação. 

De fato, o Pitbulls on Crack não chegou ao mainstream como eu desejaria, mas a projeção que atingiu mediante tal exposição, foi um fato (mesmo que em um estágio alojado no modesto patamar do mundo underground da música profissional), e dessa forma, eu percebi que não teria o direito a reclamar, pois outras tantas bandas e inclusive muito boas, sob o ponto de vista artístico, não obtiveram tal exposição semelhante.

Enfim, a minha lição neste dia foi aprender a valorizar cada conquista que eu tive. Se na minha avaliação mais criteriosa, tais conquistas foram insuficientes para atingir objetivos maiores, isso jamais poderia ser motivo para desvalorizá-las, portanto, o Raul mostrou-se correto em sua intervenção. 

E que bom, o The Teahouse Band também teve oportunidades boas, logo a seguir, inclusive na MTV, com clip elogiado e bem exibido em tal emissora, disco lançado por gravadora com uma razoável estrutura, incursões radiofônicas e pela mídia impressa. Tal banda não chegou ao mainstream, como merecia, mas fez um percurso bonito, dentro das possibilidades de uma banda underground, ou seja a tratar-se de um caminho exatamente parecido com que o Pitbulls on Crack também transitou na década de noventa.  

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