Aconteceu em
1982... no tempo d'A Chave do Sol...
Quando uma
banda inicia um trabalho, pode demorar para surtir algum efeito prático que
sinalize que o público está a notá-lo.
Volátil ao
extremo e ainda a se tratar de um país como o Brasil, onde o incentivo à arte
& cultura é zero (quando não abaixo disso, com sabotagens & boicotes),
pode demorar muito para que haja algum sinal, isso se aparecer, pois muito artista
talentoso nem chega perto disso, infelizmente.
Foram os
primeiros meses de atividades d'A Chave do Sol e nesse instante do segundo
semestre de 1982, éramos uma banda completamente desconhecida do grande
público, a dar os seus primeiros passos ainda, a tocar ao vivo em casas noturnas
de pouca expressão na cena paulistana, quando o nosso maior feito até então fora
termos sido retratados através de uma reportagem de um programa de TV, mas de forma completamente
fortuita, pois o mote do jornalista Goulart de Andrade, em questão, que apresentava o
programa: “Comando da Madrugada”, era o
de cobrir a noite paulistana e por acaso ele nos filmou a tocarmos em uma casa noturna
dessas onde estávamos a nos apresentar, bem no início de carreira, e claro, sem
menção alguma à nossa banda.
Portanto, aparecemos na Rede Globo à esmo, em uma madrugada
de outubro de 1982, mas como ilustres desconhecidos.
Fora disso,
outra conquista inicial da banda fora uma micro reportagem que fizemos para um jornal
de porte de São Paulo, a “Folha da Tarde”, com direito a uma foto. Foi muito para uma banda com
poucas semanas de vida, comemoramos muito, é lógico, mas em termos práticos,
foram os primeiros passos de uma longa jornada a ser percorrida.
Então, sem
ilusões naquele momento e a focarmos na labuta pura e simplesmente, encarávamos o
anonimato com normalidade, mas em pé de igualdade com a esperança de chegarmos
a patamares mais altos na música, como combustível motivacional sine qua non, evidentemente.
Por volta de novembro de 1982, tivemos então essas pequenas conquistas contabilizadas no nosso insípido currículo e portfólio e uma surpreendente agenda ao se considerar sermos uma banda iniciante, visto que começamos a articular a banda em julho, mas a estreia oficial acontecera ao final de setembro.
A minha rotina
pessoal nesses tempos era feita no sentido de deslocar-me de minha residência, que ficava localizada no bairro do
Tatuapé, na zona leste de São Paulo, até a residência da família Gióia, no bairro
do Itaim-Bibi, este na zona sul da cidade, onde um amplo quarto de despejos, localizado
na edícula da casa, foi oferecido-nos como espaço, para montamos o nosso estúdio
de ensaios.
Neste caso, o meu caminho
para chegar até lá previa a viagem de metrô, da estação Tatuapé, até a estação
Santa Cruz, na zona sul e de lá, no terminal acoplado a estação, eu usava o
trólebus, linha “Santa Cruz-Pinheiros”.
Para quem não é de São Paulo, “trólebus”
são ônibus elétricos, uma tradição paulistana desde 1949. Eles convivem com os
ônibus tradicionais a diesel, normalmente pelas ruas, mas detém as suas peculiaridades
óbvias, como não poder mudar o itinerário, por conta de terem que seguir a linha
elétrica que os alimenta, são muito mais confortáveis, parecem deslizar de tão
macios e quase não tem o barulho típico de um motor em funcionamento.
O percurso
que eu fazia da estação Santa Cruz até o ponto da Avenida Santo Amaro onde
descia, quase em frente à rua da residência dos Gióia, era relativamente curto.
Ao descer na época a rua Borges Lagôa (já faz um certo tempo o sentido das mãos
mudaram ali, e a Borges Lagôa nos dias atuais tem sentido para o cruzamento com
a Rua Domingos de Moraes, na Vila Mariana), e a circundar pelas ruas do Jardim
Lusitânia, um micro bairro com mansões que circunda o Parque do Ibirapuera,
ele embrenhava-se pelas ruas da Vila Nova Conceição, outro bairro que envolve o
diâmetro do Parque, sendo igualmente de alto padrão, portanto, um passeio
agradável e naquela época, com muito menos tráfego no seu entorno.
Pois foi
nesse trólebus, em um dia de novembro, que eu tive o primeiro sinal de que a nossa banda
estava a chamar a atenção. Foi um sinal
tímido, é bem verdade, visto que nos anos vindouros o nosso grupo teria bastante
exposição midiática e contabilizaria conquistas imensamente maiores, mas
naquele breve instante, dada a dimensão em que os fatos transcorriam,
marcou-me.
Aconteceu
que uma garota viajava alguns bancos a frente e eu notei que ela olhava-me com uma
expressão facial típica de quem pensa ter reconhecido alguém, mas não faz ideia como,
por que e tampouco quem fosse a pessoa em questão. Em um dado
instante, a garota tomou coragem e abordou-me, ao perguntar-me se eu seria músico, e
se por acaso não tocara dias antes em uma casa noturna localizada no bairro do
Bixiga, na zona centro-sul da cidade.
Sim, a nossa
banda estava a cumprir uma temporada nessa casa, para tocar regularmente nas sextas e sábados
e ela de fato havia nos visto em ação.
Saquei de
imediato uma filipeta (flyer), do bolso, a anunciar tal temporada e a convidei
a retornar e levar amigos nas próximas apresentações que ainda tínhamos marcado
para essa casa. Foi uma simples
abordagem, mas que teve um fator de incentivo enorme, pois assim que eu cheguei ao ensaio,
minutos depois, estive bastante empolgado com esse fato singelo e o dividi com os
companheiros de jornada tal notícia, para comemoramos, visto ser naquele momento,
algo muito importante para nós.
Em suma, reconhecimento é tudo para um artista. O aplauso no calor do show, as abordagens pessoais, as cartas manuscritas (que naquela época foi uma forma muito usual de receber o carinho das pessoas e hoje em dia evidentemente, substituídas pelas ferramentas da Internet), enfim, cada pequeno gesto espontâneo, a sinalizar que estão a gostar do trabalho que fazemos, é um incentivo que não tem preço.
Em suma, reconhecimento é tudo para um artista. O aplauso no calor do show, as abordagens pessoais, as cartas manuscritas (que naquela época foi uma forma muito usual de receber o carinho das pessoas e hoje em dia evidentemente, substituídas pelas ferramentas da Internet), enfim, cada pequeno gesto espontâneo, a sinalizar que estão a gostar do trabalho que fazemos, é um incentivo que não tem preço.
Portanto,
tirante as abordagens nos primeiros shows e o apoio abnegado de familiares,
parentes & amigos, eu creio ter sido esse singelo gesto que adveio de uma pessoa estranha,
e sob um ambiente nada glamorizado, revestido da absoluta normalidade do cotidiano (o transporte público),
o primeiro sinal concreto que tive que essa banda faria sucesso. E
fez... portanto: muito obrigado a todos os fãs desse trabalho!
Que legal, logo no começo e já ser reconhecido.,,também quem tem o mínimo de bom gosto, lembraria da banda e da performance vocês e se tratando da Chave do Sol, isso não me espanta.
ResponderExcluirExato, você pegou bem o espírito que quis repassar com esta crônica, ou seja, pelo fato de sermos uma banda completamente desconhecida naquele instante, cada pequena vitória, mesmo que fosse insípida no cômputo final, era comemorada como uma grande conquista e de fato o era.
ExcluirChamar a atenção, sem nenhum grande apoio midiático e respaldado apenas por apresentações em casas noturnas inexpressivas, foi algo surpreendente e como todo bom Rocker, que éramos, foi encarado como um sinal mágico enviado pelos Deuses do Rock...
Muito grato por sua atenção e comentário super positivo !