quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 411 - Por Luiz Domingues

Eis que o quinto bootleg de 2020, ficou pronto e este eu enfatizo ser com muito orgulho um dos mais preciosos desse projeto, por conta do material raro nele contido. E neste caso, as atrações são múltiplas. Por exemplo, este álbum, denominado: "Teatro Lira Paulistana 1985", traz como matéria prima, o show completo que marcou a estreia do vocalista, Fran Alves, em nossa banda, no dia 31 de janeiro de 1985, portanto, que maravilha poder resgatar um material tão raro. 

Para quem leu a minha autobiografia desde o começo da minha história com A Chave do Sol, já sabe que quando eu abordei esse show, dentro da cronologia do texto, também lastimei que a fita K7 que serviu para gravá-lo, houvesse sido perdida, pois alguns anos depois do show ocorrido em 1985, por volta de 1989, eu a emprestara de boa fé para um rapaz que houvera trabalhado como roadie da nossa banda (em parcas ocasiões entre 1984 e 1985), e este sujeito simplesmente desapareceu e jamais devolveu-me tal artefato. 

Lastimei demais tal conduta do rapaz, mas sobretudo a perda de um registro tão raro. De fato, em minha percepção, fora o único registro ao vivo do Fran Alves em nossa formação e claro que essa frustração se tornou enorme para a nossa banda e minha em particular, como arquivista do material do nosso grupo e portanto responsável pela sua integridade.

Por outro lado, eu guardava comigo uma fita de rolo, que eu sabia que continha a segunda demo-tape que graváramos em dezembro de 1984, e sempre quis digitalizar tal material, naturalmente e a alimentar a esperança de quem sabe um dia, pudesse lançar tal material em disco com esse registro. 

No entanto, com o passar dos anos, se tornou óbvio que a cada dia ficaria mais difícil achar um estúdio que ainda contivesse o maquinário analógico para que eu pudesse digitalizar tal fita. Consultei diversos amigos, tive indicações de alguns poucos estúdios que ainda mantinham tais máquinas em suas dependências em São Paulo e no Rio de Janeiro e até um dos Estados Unidos, que seria por intermédio do Beto Cruz, que lá morava desde 1991 e que todos sabem, foi um membro da nossa banda entre 1985 e 1987.

Mas foi apenas no decorrer do ano de 2018, que através dos meus amigos, Ricardo e Marcello Schevano, proprietários do estúdio "Orra Meu" de São Paulo, um contato foi feito com um técnico de áudio & gravação veterano no ramo e que mantinha uma máquina analógica em sua residência e melhor ainda, esse senhor poderia digitalizar o meu material. 

Quem fez o contato e levou efetivamente a fita para esse profissional, foi o prestativo roadie, Diogo Barreto, que nessa época trabalhava como assistente de produção no Estúdio Orra Meu. Mediante uma negociação rápida, fechamos por um preço que eu considerei muito abaixo da minha expectativa e isso já animou-me bastante. 

Demorou em demasia, é bem verdade, mas eis que um dia de 2019, o Diogo ligou-me e checou se eu poderia dirigir-me imediatamente ao Estúdio Orra Meu, pois o senhor em questão passaria por lá para entregar-me o CD-R com o resultado da minha fita digitalizada.

Ora, que notícia boa, após trinta e quatro anos, eu mal pude esperar para ouvir a demo-tape de 1984 e da qual eu mantinha a pálida lembrança de conter músicas como: "Crisis (Maya"), "Átila", "Intenções" e "Reflexões Desconexas", além de possivelmente, pois eu não me lembrava com propriedade, as canções inéditas: "Vestido Branco" e "Superstar". 

Cheguei ao Estúdio Orra Meu e o senhor em questão atrasou bastante para aparecer, embora houvesse avisado sobre estar com problemas com o seu automóvel. Isso só potencializou a minha ansiedade, certamente. Enquanto esperava pelo rapaz chegar, eu não parava de pensar nas boas surpresas que eu teria na audição que faríamos ali mesmo em uma sala em anexo do complexo.

Bem, o rapaz chegou, se tratou de um senhor já no avançar da terceira idade, certamente, mas completamente jovial e a conversa foi agradabilíssima no sentido de que a sua bagagem como técnico de gravação e também de shows ao vivo, remontava aos anos sessenta e eu fiquei bastante impressionado com o seu currículo, quando ele enumerou-me os discos que havia gravado desde então, nos melhores estúdios de São Paulo e Rio de Janeiro e acredite, leitor, a contabilizar obras clássicas de grandes artistas. Um exemplo, a obra seminal de Tim Maia, o LP "Racional", em três volumes, muito cultuado entre os seus fãs, eu incluso. 

Esse senhor era conhecido por um apelido sui generis: "Pato" e a se mostrar muito simpático e bem comunicativo, ele contou-me mil histórias sobre a sua carreira, todas fascinantes, incluso a sua produção mais atual ao gravar orquestras sinfônicas de alto quilate no âmbito nacional e ele revelou-me boas histórias a envolver maestros famosos do mundo erudito brasileiro, algumas bem escabrosas por sinal.

Bem, a conversa foi agradabilíssima, mas eu estava completamente ansioso para ouvir o material e então, Ricardo Schevano nos conduziu a uma sala de audição e ali, enquanto o senhor "Pato" ainda falava de uma maneira empolgada das suas reminiscências, eu notei que o som parecia ser ao vivo e as canções, algumas bem conhecidas, ou seja, aonde estava a demo-tape de 1984? 

Foi aí que eu recordei-me enfim de um fato que ficara obscurecido em minha mente, por quase quarenta anos: de forma fortuita, nós usamos a mesma fita com a qual graváramos a demo-tape de 1984, para gravar um show por cima, pois na ocasião, nós julgáramos que a demo-tape defasara, visto que decidíramos mudar completamente a orientação do repertório assim que o vocalista, Fran Alves, anunciou que aceitara o nosso convite para ingressar em nossa banda. 

Na falta de recursos para comprar uma reles fita virgem, cometemos o sacrilégio de usarmos a fita usada anteriormente para registrar a demo-tape. Ora, nós jamais deveríamos termos feito isso, mesmo por que, nós também gravamos o show de estreia do Fran mediante uma fita K7.

O lado bom dessa sandice, foi que ao perder a fita K7 por um ato de imprudência de minha parte (ao emprestar este artefato para um rapaz irresponsável, a conter um material que era valioso ao extremo), eis que eu fui salvo por um ato improvável do destino, pois o mesmo show de janeiro de 1985, se materializou ali na minha frente, ao fazer a audição, em pleno ano de 2019, ou seja, que surpresa redentora!

Com uma qualidade de áudio incrível, visto que foi gravado com uma máquina Ampex, espetada diretamente na mesa de PA pelo técnico do teatro Lira Paulistana, o ótimo, Canrobert Marques, eis que o show quase completo estava ali preservado e com duas surpresas a mais: duas músicas que sobraram da demo-tape de 1984, uma com um ligeiro corte no seu início e outra, na íntegra, ou seja, eu poderia incorporar tais faixas como bônus track no disco que pretendi produzir com a demo-tape anterior, de 1983.

Muito bem, esse é o preâmbulo da história desse achado arqueológico para a nossa banda. A seguir, eu falarei sobre a produção do disco bootleg, em si.

Continua...

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