sábado, 2 de janeiro de 2021

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 412 - Por Luiz Domingues

Sobre a concepção do álbum: "Teatro Lira Paulistana 1985", em si, a ordem das músicas seguiu praticamente o que apresentamos no show como set list, mas algumas pequenas adaptações tiveram que ser feitas. Por exemplo, por uma questão de falhas ocorridas na fita de rolo original, há cortes de trechos em algumas músicas, com o seu início ou final suprimidos, por uma questão de falta de traquejo de quem operou, ao tentar estabelecer pausas para economizar tempo e assim gravar o máximo de canções, mas infelizmente com tal prática tão aleatória, quem operou os botões de "play e rec" da máquina, simplesmente cometeu os seus enganos e assim, a perder trechos. 

Não critico de forma alguma, e pelo contrário, louvo a boa intenção de quem se propôs a operar a máquina e assim dar o seu melhor. Tenho quase a certeza de que foi o Carlos Muniz Ventura, o popular, "Carlão", músico e fotógrafo, nosso grande amigo e que era o proprietário da máquina Ampex que captou o áudio desse espetáculo.

Sobre o repertório, esse se mostra com a banda em grande forma, muito bem ensaiada e a executar uma música cerebral sob forte influência do Jazz-Rock e do Rock Progressivo da década de setenta. O fato de ter sido a estreia do Fran, mas ele não ter cantado todas as músicas e por conta disso ter havido uma forte incidência de longos temas instrumentais, deu-se pelo motivo de que estávamos a reformular o repertório da banda de uma forma radical e ainda compúnhamos músicas novas que não se mostraram em grande número para ele poder cantar em seu show de estreia. Revela-se como algo curioso, portanto, mas na realidade foi uma necessidade premente da ocasião.

Na prática, ele só cantou: "Intenções", "Luz" e Anjo Rebelde" do repertório vocalizado anterior e "Segredos e "Ufos" como canções novas que haviam sido compostas e arranjadas há bem pouco tempo na ocasião. Então, "Reflexões Desconexas" foi cantada pelo Rubens e as demais, foram as instrumentais: "A Dança das Sombras", "Crisys (Maya)", "No Reino do Absurdo" (com direito à balada "Dama da Noite" inserida no meio do solo do Rubens e esta, a se revelar uma música com letra e no caso, vocalizada por ele mesmo), "18 Horas" e "Átila".

Sobre as canções, eis uma análise faixa a faixa de minha parte:

1) "A Dança das Sombras" - Esta faixa veio cortada na fita, portanto, já se inicia na parte mais acelerada, com o seu início todo cheio de balanço a la Soul Music, suprimido, infelizmente. A despeito dessa falha técnica, a energia é enorme e o andamento está bem acima do normal, basta o leitor/ouvinte comparar com a versão contida no disco Bootleg "Demo-Tape" 1983, também disponível como "promo" no YouTube. 

Os timbres de baixo e guitarra estão bem encorpados e escutam-se todas as peças da bateria, inclusive as sutilezas, como as campanas dos pratos, aro e esteira da caixa. Nas partes mais empolgantes, nós desafiamos as leis da divisão rítmica algumas vezes mas não foi algo aleatório, mas sim calculado, portanto, parece que vamos cruzar a qualquer instante, no entanto, foi uma intenção proposital do arranjo. O final dessa canção se emendava a um etéreo clima com acordes soltos, para se dar o início de "Anjo Rebelde" no decorrer do show, mas eu e Kim decidimos estabelecer um "fade out" e separar as faixas para se manter a prática discográfica da separação das faixas. 

2) "Anjo Rebelde" - Nós já tocávamos essa música desde junho de 1984, nos shows, mas essa primeira versão com a voz do Fran em seu comando, tornou-se a partir desse lançamento, doravante um marco, pois foi dessa forma que ela veio a ser gravada meses depois de forma oficial no EP que gravamos em 1985. A música soa com muita energia, já a demonstrar que mediante a presença do Fran Alves a comandar a vocalização, atingíramos um grau de dramaticidade bem grande, certamente.

3) "Intenções" - Essa música soa de uma forma excelente, com a banda bem afiada. A voz do Fran engrandeceu a música, embora a sua melodia, um tanto quanto monocórdica, não lhe tenha dado muita chance para explorar a sua potência vocal, que era enorme. 

Para lhe dar mais protagonismo, nós suprimos o contraponto no refrão, que fazíamos mediante o arranjo original e eu acho que foi um erro, pois em versões anteriores tal recurso melódico se mostrara bem interessante (ouça as versões dessa canção nos bootlegs: "Teatro Piratininga/SP 1983" e "Ao Vivo em Limeira/SP 1983"). 

Na parte final, como se não bastassem as inúmeras convenções que a música possui, nós criamos mais duas para incrementar o final da canção e ficaram muito boas. E para dar um efeito especial, o Kim Kehl imprimiu um delay com efeito inverso e eu acho que ofertou uma acabamento inusitado para a versão do disco. 

Essa canção soa como um Hard-Rock que se mistura ao Prog-Rock, mais ou menos na linha de bandas como o "Armaggedon", "Captain Beyond" e talvez até o "Flash", mas a tendência natural para as pessoas mais novas, será atribuir à influência do "Rush", que nós nunca tivemos, mas eu entendo a percepção de quem enxerga dessa forma. 

4) "Reflexões Desconexas" - Essa peça complexa é outra que nunca gravamos (infelizmente), mas que soa muito bem, com um grau de complexidade bem na linha do Jazz-Rock setentista. 

No arranjo original, havia um vocalise onomatopaico no refrão, com sentido de contraponto, mas nós o retiramos, pois consideramos que apesar de ser interessante, melodicamente, atrapalhava a inteligibilidade das palavras cantadas pela voz principal feita pelo Rubens.

Nesta específica versão, há um solo de baixo, a estabelecer a atmosfera daqueles momentos ultra setentistas que propúnhamos, ao deixar cada um de nós sozinho no palco em um momento diferente do show para dar esse recado individual e mediante deixas estratégicas, voltarmos ao cerne do tema com a banda novamente reunida para encerrar em grande estilo ao provocar a comoção no público e conforme tal dispositivo, neste caso soou muito bem para esta versão apresentada no disco. 

Apesar de nessa época eu usar o estilo "pizzicato", mesmo assim o som do meu Fender Jazz Bass soa bonito, com um grave encorpado, mediante o uso de um bom e velho amplificador "Duovox 150" que mesmo acoplado a uma caixa "handmade", se apresenta muito bem. 

5) "Crisis" ("Maya") - Esta versão é muito boa dessa peça que sempre foi um número muito requisitado em nossos shows desde 1983. Empolgante também, é a reação da plateia ao urrar de euforia quando da queda brusca de dinâmica ao final da canção, ao fazermos os acordes finais.

6) "No Reino do Absurdo" - Que surpresa maravilhosa ao termos obtido essa versão ao vivo de uma música que tocamos bastante em 1984, e que só executamos neste show por conta do Fran ainda não contar com muitas músicas para cantar. 

Peça complexa, mais uma vez influenciada pelo Jazz-Rock e Prog-Rock setentistas, tem um sem número de convenções, partes com mudanças bruscas de andamento e dinâmica. Soa bastante progressiva ao lembrar-me o som do "Wishbone Ash", principalmente em certos trechos mais amenos. E em outros mais nervosos, lembra-me o trabalho de "Frank Zappa and The Mothers of Invention" e "Captain Beefheart" pelo inusitado das suas formulações mais complexas e próximas do Jazz ou mais especificamente do Free-Jazz, mais experimental.

Mais ou menos na minutagem 4:30, o Rubens teve o seu momento solo, ao ficar isolado no palco, e poder evocar Jimi Hendrix, ou seja, a usar e abusar de efeitos (muito bem, por sinal), e inserir uma balada de sua autoria que nunca gravamos, chamada: "Dama da Noite", na mesma performance. Ele encerra esse momento ameno da sua interpretação da balada, volta para a carga mais virulenta do solo e reintroduz o tema original da canção em grande estilo.  

7) "18 Horas" - Versão muito boa, com muita energia. O primeiro solo da música é meu, porém, pelo fato de eu ter feito um longo solo anteriormente (em "Reflexões Desconexas"), eu fiz uma versão reduzida desta vez. O solo do Zé Luiz, sim, foi feito dentro do espírito de sua participação sozinho no palco, portanto com um solo mais alongado. Os urros da plateia ao final, demonstram bem a energia que emanamos.

8) "Atila" - Infelizmente essa versão veio mutilada na fita e a solução foi efetuar um "fade out" para encerrar assim que a música é cortada bruscamente. Portanto, é só uma amostra com 1.53' de duração, e mal chega aos acordes iniciais do riff principal.

9) "Luz" - Essa música também entra cortada, já da metade para o seu final, mas é interessante ouvir a voz do Fran Alves a interpretá-la, algo certamente raro nos registros de áudio da nossa banda. Nota-se um improviso criado pelo Fran Alves ao final, ao emitir um vocalise inusitado.

10) "Segredos" - Como já trabalhávamos com essa canção um pouco antes do Fran Alves ingressar na banda, ela soa nesta versão ao vivo praticamente como seria gravada oficialmente alguns meses depois e com o Fran a interpretá-la com muito vigor.

11) "Ufos" - Essa música ainda estava em fase de construção de sua melodia na ocasião. A parte instrumental soa bem, pois o arranjo já estava bem definido, mas o Fran ainda estava a burilar a sua melodia. Portanto, nesta versão, nota-se um pouco de insegurança de sua parte para interpretar e algumas frases que não soam melodicamente tão bem, pois ele ainda experimentava alguns desenhos rítmicos na elaboração da sua linha vocal. Ela na verdade foi tocada como "bis", portanto, foi uma opção usada por conta do clamor do público.

12) "Anjo Rebelde" - Outra versão que fizemos como "bis", pois o público queria mais e nós não tínhamos mais músicas para apresentar, daí a repetição. Nesta versão, no entanto, demos margem a um improviso bem setentista, não previsto no arranjo original da música e que eu reputo ter ficado muito bom.

Sobre a capa, contracapa e label, o Kim Kehl usou o mesmo critério para a elaboração dos álbuns anteriores, ou seja, a recortar algumas fotos que lhe enviei, exatamente desse mesmo show e ainda bem que eu as possuía em meu arquivo. Portanto, ambas as fotos, da capa e contracapa, foram montagens, visto que nenhuma original nos enquadra por completo, mediante a presença dos quatro componentes em visão panorâmica. Na capa, predomina o tom preto com detalhes em marrom e roxo e na contracapa, o marrom predomina, com a foto da banda a mostrar detalhes de tons diferentes, provenientes da iluminação do teatro.

Na operação do áudio original de 1985, a boa equalização ouvida por quem nos assistiu nas arquibancadas do Teatro Lira Paulistana veio da parte do ótimo, Canrobert Marques. A operação do gravador Ampex ficou a cargo de Carlos Muniz Ventura (provavelmente, pois não tenho essa lembrança confirmada). Fotos de Rodolpho Tedeschi ("Barba"). A digitação de 2018/2019, ficou por conta do técnico: "Pato". Apoio de Diogo Barreto e Ricardo Schevano, pelo estúdio Orra Meu. Apoio para a prensagem: Crossover Records. Na produção de áudio e Lay-out de capa em 2020: Kim Kehl. Supervisão geral: Luiz Domingues.

Bem, ainda tivemos mais um lançamento para animar os fãs d'A Chave do Sol em 2020, e eu falo a respeito dessa novidade a mais, no próximo capítulo. 

Continua...

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