sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Poucos, Porém Bons Fãs - Por Luiz Domingues

                 Aconteceu no tempo do Boca do Céu, em 1977

Entre 1977 e 1980, pelo menos, eu perdi as contas de quantos shows assisti do grupo: "Papa Poluição", uma banda de Rock híbrida, que mantinha uma forte dose de aproximação com a MPB, contudo, tal banda atuava bem naquela perspectiva setentista de uma MPB hippie a absorver tendências múltiplas da Folk-Music generalizada e profundamente comprometida com a contracultura sessentista. 

Mais que bem situada no espectro cultural, a banda era muito boa artisticamente e as suas composições se mostravam como bem inspiradas, com forte senso melódico e letras compostas mediante profundidade, bem construídas sob o ponto de vista poético e cheias de citações, a evocar signos múltiplos, da literatura de cordel aos Beatles. 

Formada por artistas nordestinos radicados em São Paulo (apenas um dos componentes era paulistano nato), tal grupo surgiu ali no início dos anos setenta e começou a despontar na cena do Rock underground na metade dessa década, mas infelizmente, não cresceu como deveria e dissolveu-se por volta de 1980. 

De sua formação, um dos componentes, José Luiz Penna, houvera sido ator na montagem brasileira da peça teatral, "Hair" em 1969 e ele mesmo, enveredou para a política nos anos oitenta em diante, quando chegou a ser presidente nacional do Partido Verde (PV). 

Além do mais, tal banda era parceira do compositor cearense, Belchior, portanto, algumas músicas que nós costumávamos ouvir em seus shows, ficaram famosas a posteriori na interpretação desse famoso artista, graças à sua maior projeção, fator que o Papa Poluição, a despeito do seu quilate artístico, nunca alcançou, infelizmente. 

Enfim, o fato é que nós que éramos aspirantes a artistas a labutarmos com o Boca do Céu, a nossa primeira banda e gostávamos muito do Papa Poluição, tanto que sempre que podíamos, íamos assistir os seus shows, em diversos teatros de São Paulo. 

O nosso guitarrista, Wilton Rentero, em visita que fez ao camarim do show d'Os Doces Bárbaros em 1976, com Gilberto Gil atrás de si. Click de Nelson Rodrigues Rentero. Acervo de Wilton Rentero

Eis que um dia de 1977, eu estava na companhia dos meus amigos e colegas de banda, Wilton Rentero (guitarrista) e Laert Sarrumor (vocalista e tecladista), em um ambiente absolutamente contrário à movimentação pela qual marcávamos presença (um malfadado Shopping Center), quando deparamo-nos com um dos componentes do grupo, Papa Poluição, a se tratar do guitarrista, Paulinho da Costa, e este a conduzir o seu filho pequeno, com cinco ou seis anos de idade, aproximadamente. 

Nessa foto promocional do Papa Poluição, o guitarrista, Paulinho da Costa é o rapaz que segura o exemplar de um jornal 

Com um visual incrível a la Hippie chic que ele usava em seu cotidiano e não apenas como figurino de palco, logo ele chamou a nossa atenção, naturalmente e claro que não perdemos a oportunidade para abordá-lo e mesmo sendo adolescentes sem um grande poder de discernimento à época, foi uma abordagem bastante educada de nossa parte, apenas para repercutir o quanto gostávamos da banda, a envolver o seu trabalho e luta. 

Curioso, o guitarrista do Papa Poluição, Paulinho da Costa, se mostrou muito surpreendido por ter sido reconhecido por nós, seus fãs, e na época, nós não entendemos corretamente tal reação da parte dele. 

No entanto, muitos anos se passaram e a responder por eu mesmo (não sei se o Wilton e o Laert tem essa percepção exatamente igual a minha, nos dias atuais, respondo por mim neste instante), mas eu penso hoje em dia que Paulinho deve ter tido a real percepção sobre o alcance popular que o Papa Poluição detinha e dessa forma, surpreendeu-se, sim, com o nosso assédio. 

Reação normal, eu compreendo que guardasse consigo a baixa expectativa a respeito da popularidade da banda, ou seja, que pena por tal sentimento de resignação, devo acrescentar, pois como eu já disse, a banda era muito boa, a despeito de não haver angariado um maior apelo midiático, como certamente o mereceu. 

Bem, a despeito dessa estupefação de sua parte, a denotar até um certo constrangimento por ter sido flagrado em um momento familiar a passear com o seu filhinho, ele rapidamente desfez essa estranheza inicial, ao nos tratar de uma forma muito cortês e ao final do colóquio, ficou feliz por saber que nós acompanhávamos com vívido interesse o seu trabalho e mais do que isso, ao tomar conhecimento que apreciávamos muito a sua obra. 

Claro que ajudou e muito a quebrar o gelo, o fato de que o Laert teve em mãos alguns exemplares da sua revista artesanal, o grande, "Sarrumorjovem" e mediante a sua apresentação ao Paulinho, este apreciou o teor da publicação, certamente, e por notar que éramos músicos iniciantes e entusiasmados pela nossa banda, assunto que colocamos à baila, igualmente.

Com o tempo, eu também aprendi que manter uma carreira no patamar underground denota contar com as suas muitas particularidades e entre os muitos aspectos negativos, existem também os pontos positivos e entre eles, a questão de se valorizar cada fã do trabalho. 

Mesmo que sejam poucos e que representem sempre os mesmos rostos que você identifica na plateia dos seus shows e até que se chegue ao ponto de você os tratar pelos seus nomes, o que realmente importa é que esses poucos, são muito bons e sinceros, pois estarão sempre contigo. 

Talvez o Paulinho da Costa tenha tido esse sentimento enquanto conversou conosco nesse dia 4 de junho de 1977 (O Laert Sarrumor anotou o acontecimento e passou-me a informação precisa em 2020), quando o abordamos em um corredor do Shopping Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. 

Tomara que sim, pois o nosso apreço ao "Papa Poluição" era muito grande e de minha parte, digo que ainda o é, e sempre será, pois trata-se de uma obra memorável, perpetrada por uma banda muito boa, que eu guardarei com carinho na memória, para sempre.

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