domingo, 28 de fevereiro de 2021

Crônicas da Autobiografia - Questionário Compulsório - Por Luiz Domingues

              Aconteceu no tempo d'A Chave do Sol em 1982...

Entre os Rockers, é comum a presença de pessoas que se apresentam como grandes conhecedoras desse extenso universo, a manter uma visão enciclopédica sobre o assunto. Houve época em que essa característica se provou notória para dez a cada dez donos de lojas de discos especializadas e haja vista que esse fator foi preponderante para a formação da dita: "Galeria do Rock", em São Paulo, local que em seu auge chegou a conter quase duzentas lojas a operarem no mesmo centro comercial, em plena avenida São João, no centro velho da capital paulista. 

Bem, trata-se de uma capacidade de armazenamento de dados impressionante a denotar o bom conhecimento de causa, memória prodigiosa e sobretudo, amor ao Rock, portanto, qualidades admiráveis da parte desses Rockers.

Mas nem todo "expert" no assunto, usa o seu conhecimento vasto com o bom propósito para difundir o Rock, formar novas gerações de adeptos ou trabalhar como um potencial arquivista a preservar a memória do gênero, pois ao contrário, tais pessoas dotadas de intenções escusas, mais usam a sua bagagem cultural avantajada para o exibicionismo e assim proceder para alimentar a soberba, infelizmente. 

Bem, isso não acontece somente com Rockers, se é que possa servir como consolo, pois, é um fenômeno generalizado em qualquer meio, aliás, não é preciso nem divagar muito, basta ver o comportamento padrão de certas categorias profissionais bastante corporativistas e que por conseguinte se colocam como uma espécie de casta superior dentro da sociedade e também no meio acadêmico onde o excesso de erudição de certos "scholars", geram alguns transtornos bem visíveis.

Então, o caso que eu cito nesta crônica, não caracterizou o primeiro e tampouco foi o último com o qual eu tive contato direto. Isso sempre ocorreu, acontece e arrisco dizer, se repetirá mais vezes no futuro, pois eu não vejo perspectiva de que não se repita.

Eis que bem no começo das atividades d'A Chave do Sol e exatamente no show de estreia da nossa segunda vocalista, Verônica Luhr, nós tocamos como atração musical convidada para entreter a plateia de um festival estudantil, enquanto o corpo de jurados se reunia para deliberar as notas das bandas que ali concorreram. Tal acontecimento deu-se no auditório do Colégio Manuel de Paiva, situado no bairro do Campo Belo, na zona sul de São Paulo.

Foto d'A Chave do Sol de 1983, nas a exibir a formação d'A Chave do Sol que vinha desde 1982, época em que esta crônica trata. Click de Seizi Ogawa

Bem, nós fizemos o show com excelente desenvoltura e receptividade da parte do público que ali compareceu e ficamos muito felizes pelo desempenho da Verônica Luhr, que já em sua primeira atuação conosco, mostrou-se exuberante. Tanto foi assim, que o assédio no camarim foi forte e muito nos animou, visto que aquele fora apenas o nosso quinto show na carreira iniciante de nossa banda. 

Todavia, alegria a parte, eis que um rapaz entrou no camarim para nos cumprimentar, mas logo a seguir ele adotou uma posição desagradável, ao nos questionar com bastante ironia, sobre uma questão que levantou, e que na prática, se mostrara irrelevante dentro do contexto da nossa apresentação. 

O fato, foi que nesse início de atividades da nossa banda, nós fomos a compor o nosso material com a banda já a atuar ao vivo, portanto, nas primeiras apresentações que fizemos, tivemos poucas músicas autorais para executarmos e dessa forma, preenchíamos espaço com a inclusão de releituras de clássicos do Rock internacional em predominância e alguns nacionais, também. 

Pois foi nesse exato detalhe que o rapaz se apegou para nos afrontar com um tipo de abordagem que não foi exatamente agressiva e desrespeitosa, mas certamente se mostrou desagradável pela sua intenção velada. 

Aconteceu que nós havíamos tocado a música: "Cocaine" (também apelidada informalmente como: "She Don't Lie", uma ironia que faz parte da letra da canção), cuja autoria é do grande astro norte-americano do Folk-Rock, J.J. Cale, mas no imaginário popular, tal canção seria do guitarrista, Eric Clapton que a regravara. 

Cabe dizer que J.J. Cale a lançara em seu LP "Trombadour" de 1976, e Eric Clapton a regravou em 1977, ou seja, logo a seguir, através do seu disco, "Slowhand". Clapton a gravara por ser um grande fã do trabalho de J.J. Cale, portanto não foi à toa, visto que em 1970, já havia gravado uma outra canção do mesmo autor, "After Midnight", em seu primeiro LP solo, homônimo. 

Então, com síndrome de "expert", esse rapaz ficou a ironizar-nos por termos tocado a canção, "Cocaine", sem sabermos quem seria o seu real autor, ao nos julgar incautos que pensavam ser a autoria de Eric Clapton. 

Ora, estávamos felizes naquele camarim, a atendermos as pessoas que gentilmente ali nos procuraram para cumprimentar e elogiar a nossa apresentação e esse rapaz ali ficara a insistir com brincadeiras sem graça, a nos impor ironia gratuita e a contestar se teríamos ou não a real noção sobre essa questão e pior ainda, a colocar em cheque a nossa banda, pois segundo a sua lógica, se nós não soubéssemos desse pormenor, ele insinuara que não teríamos condições de pleitear notoriedade na carreira, ou seja, questionara o nosso valor como artistas, acaso fôssemos ignorantes em tal quesito, como ele deduzira.

Ora, para ter noção do campo cultural que estávamos a atuar e com pretensões artísticas bem delineadas, realmente denotaria a necessidade de se contar com uma noção geral sobre tal espectro, isso eu concordo, mas daí a depender de se ter certeza sobre uma informação tão específica, como se fosse uma pergunta capciosa contida em uma prova do vestibular a decidir se entraríamos na Universidade do Rock para merecermos pleitear um diploma de tal cátedra, realmente caracterizou um enorme exagero de sua parte e pior, a revelar a sua real intenção de nos humilhar para se impor como alguém que realmente conhecia mais do que nós sobre o ramo.

Todavia, que bom que nenhum componente da nossa banda, incluso eu mesmo, se deixou levar pela armadilha que o rapaz quis lançar sobre nós, portanto, não houve um grande aborrecimento que estragasse a nossa noite, que fora ótima. 

Essa história apenas marcou pelo fato extra de ter surgido mais um "sabichão" a querer se exibir e pior, a querer nos diminuir por conta de uma disputa de conhecimento forjada por ele próprio, com o claro intuito de buscar se alimentar da sua própria empáfia.

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