quarta-feira, 11 de abril de 2012

Autobiografia na Música / Preâmbulo - Por Luiz Domingues


Comecei a prestar atenção e apreciar música para valer, acredito que em 1966, quando tinha seis anos de idade. Eu morava na Vila Pompeia, bairro da zona oeste de São Paulo, nessa época, e era muito difícil andar por um quarteirão desse bairro, onde não houvesse pelo menos uma banda a tocar numa garagem, num sábado, pelo período da tarde. A primeira vez que ouvi o LP "Rubber Soul" dos Beatles (mas já conhecia a banda e muitas de suas canções, desde 1963, praticamente), foi numa praça pública perto de casa (Praça Cornélia, e para quem não conhece o bairro, fica bem próxima ao Sesc Pompeia e o Parque Antárctica / Allianz Parque, estádio do Palmeiras).
O padre da paróquia São João Maria Vianney, mandou colocar serviço de alto-falante e aos domingos, e ainda bucolicamente a parecer-se com uma cidade interiorana, tocava música a tarde inteira, até a missa das 18:00 h. Ali as famílias reuniam-se e o som embalava o convívio social prazeroso, com muito Rock e MPB de qualidade.
Tal interesse pôs-se a aumentar gradativamente, e já a partir de 1968, eu estava ligado na programação da Rádio Excelsior, "A Máquina do Som", a gostar de artistas como :  Otis Redding; The Mamas and The Papas; Beatles; Rolling Stones, Mutantes e uma série imensa de coisas boas dos sixties, ali, no calor daquela efervescência mágica.
Foto de dezembro de 1968, a tocar triângulo, prosaicamente na bandinha da escola (Escolas Agrupadas da Vila Olímpia, no bairro homônimo, em São Paulo), no Teatro Paulo Eiró. Sou o terceiro, da direita para a esquerda, na fileira mais alta
De 1970 em diante, essa ligação só aumentou e mesmo criança, já percebi que não era só a música em si. Havia uma infinidade de outros valores envolvidos nessa história.
Em 1971, foi a última vez que cortei o cabelo curto. Já no final do ano, estava com as orelhas encobertas, a livrar-me para sempre do corte tradicional militarizado que usei na infância inteira e que os barbeiros chamavam de "americano curto". Claro, muito em função do fato de que no início dos anos setenta o cabelo longo saiu dos limites do Rock e do movimento Hippie, a tornar-se modismo na sociedade como um todo. Sendo assim, meus pais deixaram-me no padrão aceitável, até onde o modismo passageiro permitia, sem imaginar que estavam a abrir a porta para o pré-adolescente mergulhar de cabeça nas ideias do movimento hippie, inebriado pelos ideais Rockers & afins.
E assim, de 1972 em diante, isso só aumentou de uma forma avassaladora dentro de minha cabeça, sem que minha família tivesse a dimensão da seriedade com a qual encarava tais fatos.
Dali em diante, eram discos e bandas sendo descobertos a cada dia; rabiscos nas folhas de caderno da escola; Revistas "Rock a História e a Glória"; "Pop", e "Rolling Stone"; resenhas de discos e shows nos jornais, e tudo a borbulhar na minha cabeça, cada dia mais cabeluda. Em 1973, era difícil cursar as aulas da sexta série (a que muitos, incluso eu, ainda chamavam como : "segundo ano ginasial"), enquanto o Paul McCartney martelava o LP "Wild Life" na minha cabeça; John Lennon propunha "jogos mentais", e George Harrison dizia-me que o planeta Terra precisava de paz...
Alice Cooper enlouqueceu-me com "Billion Dollar Babies"; ouvia "Houses of The Holy" (Led Zeppelin), até furar o vinil; "Burn" (Deep Purple"), o dia inteiro..."Metal Guru" (T.Rex), "Ummagumma" (Pink Floyd) e "We're an American Band" (Grand Funk), para variar...
Foi a partir de 1974, que começou uma ideia maluca na cabeça : E se eu aprendesse um instrumento, ou cantasse, ou fosse compositor ? Como, se eu não sabia absolutamente nada, não tinha acesso a nada ?  Mas o processo de enlouquecimento Rocker só aumentava. Era Yes, Pink Floyd, ELP, King Crimson, Genesis, David Bowie, Frank Zappa e Johnny Winter falando comigo o dia inteiro.
Ver um show de Rock era um sonho e não poderia ter sido melhor esse debut: Lançamento do LP "Tudo Foi Feito Pelo Sol", Mutantes, Prog Rock, gelo seco... magia arrebatadora.
Em março de 1975, um amigo da escola, freak com o cabelo pela cintura, perguntou-me se eu conhecia um programa de rádio chamado : "Kaleidoscópio". Fiquei assombrado com o que ele disse-me : um programa ultra rocker, com um apresentador freak chapadíssimo, chamado Jacques e que ia ao ar diariamente, de segunda a sexta, numa estação AM !!
O grande Jaques Sobretudo Gersgorin, altamente / alta mente, Jaques "Kaleidoscópio" !

Como poderia ser possível um programa transadíssimo desses numa estação de Rádio careta ?
Mas era... e dali em diante, passei dois anos a chegar com sono nas aulas, pois mesmo tendo que estar às 7:30 h na sala de aula, não abria mão de ouvir o Kaleidoscópio, toda madrugada, da meia-noite às duas da manhã.

Outra decisiva experiência : O primeiro show internacional !
Ver Rick Wakeman com aquela pompa e circunstância foi um desbunde, como dizia-se na época. Aquela capa de lantejoulas; a montanha de teclados; a banda;, a orquestra sinfônica brasileira; o ator, Paulo Autran, sentado numa cadeira de vime, e a narrar a história do Rei Arthur...


No segundo semestre de 1975, com o The Who a explodir as minhas entranhas, formei uma banda fictícia com colegas da escola. Distribuímos as funções para cada um, e assim estava formado o "Satanaz"... nem precisa dizer que essa molecada gostava do Black Sabbath, pelo menos na escolha do nome, digamos, ortodoxo.
Claro que ninguém dignou-se a estudar um instrumento verdadeiramente. Apenas eu, basicamente, estava imbuído dessa vontade, embora na época, meu objetivo fosse ser baterista, instrumento com o qual identifico-me muito. No início de 1976, essa formação fictícia, infantojuvenil e fora da realidade, reduziu-se a um trio e mudou de nome para "Medusa". Tal nova tentativa não durou nem um mês e dissipou-se como um sonho, tão somente.
Mas eu estava convicto do que almejava e em abril de 1976, quando recebi um convite de um outro colega da escola para montar uma banda real (visto que ele tocava guitarra "de verdade"), não fiz-me de rogado e aceitei na hora, mesmo a não saber tocar absolutamente nada. Sobrou-me o baixo e daí, baixista tornei-me...

Este preâmbulo, a relatar um super resumo da minha ligação com a música na infância e adolescência foi criado exclusivamente para este Blog, com reprodução no meu Blog 3 e também a constar no livro impresso. Sendo assim, na próxima postagem, sigo deste ponto : quando formei enfim, a minha primeira banda real, a dar início ao texto autobiográfico em si, ao relatar a minha história na música e pelo ponto inicial oficial : abril de 1976, o guitarrista, Osvaldo Vicino, a convidar-me para entrar em sua banda que estava a formar.


Continua... 

6 comentários:

  1. Meu amigo Luiz... Seu primeiro show foi dos Mutantes e ainda do disco Tudo Foi Feito Pelo Sol?? Vc é mesmo muito sortudo!
    bjos!

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    1. Fernanda, sem dúvida que não posso me queixar, pois peguei muita coisa. Se é para lamentar algo, seria por não ter nascido um pouquinho antes. Ao invés de 1960, poderia ser 1950. Ser criança na década de cinquenta poderia ter sido incrível, adolescente na década de sessenta, fantástico e jovem adulto nos anos setenta, maravilhoso. Mas, do jeito que foi para mim, também foi lindo. Peguei o finzinho de tudo, escapando pelos dedos, mas o pouco que experimentei, marcou-me para o resto da vida. Obrigado por ler e comentar !

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  2. Ai, brother Luiz Domingues.. Cheguei através do compartilhamento da Cris Boka de Morango.. Não sabia desse seu blog. Muito bom, parabéns pelos textos, que tenho sempre acompanhado no outro. E sobre esse texto, preciso fazer uma correção; "a montanha de teclados, a banda, a orquestra sinfônica brasileira, o ator Paulo Autran sentado numa cadeira de vime e narrando a estória do Rei Arthur..." Na verdade, estás equivocado ai, pois esse show (Eu também estava presente) foi a apresentação na integra de Viagem ao Centro da Terra) e o texto lido pelo Paulo Autran foi a narração em português. Mas tirando esse deslize, que estou certo que é pelo tempo decorrido que as vezes nos trai (rsrsrsrs), a história é impecável. E sabes que sempre tivesses minha admiração... Desde o tempo em que nos correspondiamos por carta, na época do Sarrumor... Grande abraço!

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    1. Grande Luiz Cichetto !

      Muito legal que tenha descoberto o meu recém lançado blog n° 2. Neste Blog, abro espaço para textos produzidos por amigos, portanto, esteja convidado a ser meu colaborador, na periodicidade que desejar.

      Sua observação sobre os shows do Rick Wakeman no Ginásio da Portuguesa de Desportos aqui em São Paulo, no ano de 1975, foi pertinente.

      Só que não me enganei , não !!

      Foram dois shows : Na sexta-feira, ele executou o The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of Round Table (Ou simplesmente "Rei Arthur", como falávamos), mesclado com temas do primeiro álbum solo dele, "The Six Wives of Henry VIII". No sábado, "Journey to the Centre of the Earth". O Paulo Autran também participou na sexta e fez narrações sobre a lenda do Rei Arthur, Excalibur etc. Mas adorei que leu e veio postar comentário com a boa intenção de corrigir e ajudar !!

      Abraço !!

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  3. É, meu amigo Luiz Domingues.. Você me pegou agora... rsrsrs. Realmente, ou não sabia desse outro show ou não me lembrava disso.. È tanto tempo... E a cabeça da gente, depois de tanto tempo falha. Mas o importe é que está esclarecido, tanto a mim quanto aos demais o que foi aquilo. E principalmente que se entenda o contexto da época, com Ditadura Militar e as apresentações de bandas de Rock internacionais sendo, digamos, uma novidade, com produções muitas vezes precárias.

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  4. Imagine, Luiz...Todos nós estamos sujeitos às peças que a memória nos prega. Nesse episódio, você não falhou de forma alguma, pois no imaginário de todo mundo, O Rick Wakeman em 1975 era conhecido muito mais pelo Viagem ao Centro da Terra e de fato, o show do sábado esgotou ingressos muito rapidamente.

    Acho até que os produtores subestimaram o artista e seu público, pois o ginásio da Portuguesa não tem grande proporção e no mínimo, deveria ter sido realizado no ginásio do Ibirapuera.

    Para quem perdeu a chance de ir no sábado, o show da sexta foi ótimo também, só que ele focou o repertório no Rei Arthur e mesclou com músicas das Seis Esposas de Henrique VIII. E como estava tudo armado, o Paulo Autran também fez locução, só que focando nas lendas do Rei Arthur e Cavaleiros da Távola Redonda.
    Foi magnífico, não tenha dúvida.

    Agora, sua observação adicional foi bastante oportuna. Em dezembro de 1975, haviam transcorridos pouco mais de 40 dias da morte brutal e absurda do jornalista Vladimir Herzog, ou seja, a ditadura pegando fogo e fazer show de Rock internacional era uma aventura por isso e também pela precariedade e falta de costume dos produtores locais. Hoje, Paul McCartney e tantas outras estrelas,vem tanto aqui que não seria nenhuma surpresa vê-los comendo um pastel numa feira livre num dia útil na hora do almoço...Aliás, coisa que o Ian Gillan já fez na Praça Charles Miller!

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