Aconteceu no tempo do Terra no
Asfalto... em 1980
Uma certa vez, o
vocalista da minha banda cover entre 1979-1982, "Terra no Asfalto" (Paulo Eugênio Lima), convidou-me a conhecer um
professor com quem estava a ter aulas de canto. Tratava-se de um senhor idoso,
com forte sotaque estrangeiro, provavelmente oriundo de algum idioma do leste europeu.
Simpático,
porém a se mostrar exigente como professor, ele usava métodos de ensino não usuais e
o Paulo Eugênio, nosso vocalista, estava empolgado ao confiar no currículo do
seu mestre, mas ao mesmo tempo, a apreciar muito as loucuras por ele propostas como didática.
Nesses termos, fazer
exercícios de cabeça para baixo, foi um deles. E lá se pôs o velhinho a falar
do fluxo sanguíneo e a pressão na caixa toráxica para emitir-se sons nessas
circunstâncias adversas. Parecia fazer sentido pela explicação superficial, mas
teria algum fundamento científico, de fato? Eu nunca soube a resposta.
Entretanto, o Paulo
Eugênio estava empolgado, porque achava as loucuras fascinantes, bem naquele espírito
Rocker de valorizar tudo que não é usual, para se quebrar paradigmas e ignorar
fronteiras. Visto por esse aspecto, eu até entendi e também apreciei a
loucura toda.
Para
reforçar o conceito, "Beatlemaníaco" inveterado que era, Paulo Eugênio citava
diversas loucuras perpetradas pelos Beatles nos estúdios Abbey Road de Londres,
onde tal banda gravara todos os seus discos e em diversos livros biográficos da banda,
constam relatos a dar conta que as ideias mais malucas foram tentadas ali para
se obter sons diferentes.
De fato, eu também conhecia algumas dessas histórias,
como por exemplo, músicas que o John Lennon gravara pendurado de cabeça para baixo
para extrair um timbre vocal exasperante segundo o seu desejo deliberado, para canções tensas.
Portanto,
encontrar um professor de canto lírico, com formação de música clássica
tradicional, mas com a concepção completamente aberta para métodos nada usuais, foi um
achado que ele comemorava e assim, empolgado, fez várias aulas com esse mestre e fez questão de levar-me para conhecê-lo.
Sob uma rápida
conversa antes da aula começar, o veterano professor falou-nos que amava a música erudita, mas
recusava-se a assistir concertos de qualquer natureza no Brasil. Motivo: ele detinha
"ouvido absoluto" e não suportava a desafinação dos músicos brasileiros! Há dois
pontos aqui para se observar em torno dessa afirmativa da parte dele:
Primeiro:
ouvido absoluto é quando a pessoa tem a percepção de ouvir as notas musicais
a identificá-las pela sua vibração. Neste caso, é uma precisão tão grande ou maior do que a
dos afinadores eletrônicos. O lado mau de quem tem essa capacidade, é que
qualquer som da natureza pode representar uma tortura constante, pois
dificilmente vai soar 100% afinado. O sujeito ouve um "toc toc" na porta e
a depender da parte da madeira que a pessoa percutiu com a mão, pode ser qualquer
nota (digamos que seja uma nota “sol”, como mero exemplo), mas não inteiramente afinada no padrão, todavia alguns
“comas” acima ou abaixo da afinação perfeita. E entenda “comas” como subdivisões
harmônicas microscópicas de uma nota musical.
Segundo
ponto: seria para ofendermo-nos quando ele, sendo um imigrante estrangeiro aqui
radicado, falou-nos abertamente que os nossos músicos eruditos, incluso os de alto
padrão das grandes orquestras, não afinavam os seus instrumentos corretamente? Creio que
não e de fato, nem abalamo-nos com tal afirmação.
Então, a
proposta da aula que eu assisti foi bastante exótica sob uma primeira instância. Eu
pelo menos nunca havia visto predisposição antes. Pois no
fundo do quintal da casa onde esse senhor vivia com a sua esposa, havia uma caixa
de areia. Outros moradores devem tê-la usado como uma mini horta ou pomar, mas ele
tirou a terra e fez uma espécie de cova, onde mantinha uma quantidade de areia razoável
ao lado, para ser usada.
Então ele pediu ao
Paulo Eugênio que se deitasse ali e o cobriu com areia a usar uma pá, e deixá-lo inteiramente
coberto, só com a cabeça de fora e ali, por cerca de uma hora, deu voz de
comando para que ele fizesse exercícios vocais.
Deu para
ver que o Paulo fez um esforço tremendo no diafragma completamente comprimido
pela areia sobre seu corpo e a voz saia com dificuldade. O professor o incentivava a prosseguir, ao estabelecer correções o tempo todo.
Quando
acabou a aula, o Paulo esteve extenuado. Pareceu que havia participado da prova da
maratona olímpica. Mas
ele relatou-me que o esforço empreendido o ajudava a cantar enfim com o impulso
respiratório do diafragma, como cantor profissional deve fazer e não a forçar a
garganta.
Aparentemente fez muito sentido a estranha metodologia do professor. No entanto, perguntado
se eu desejava matricular-me no curso do velhinho maluco e passar pelo mesmo tipo
de exercício, eu disse a ambos que iria pensar no caso. Bem, isso
aconteceu na metade de 1980 e até hoje não decidi se devo aceitar ou não...
Hahaha faz muito sentido. Viva a experimentação e a liberdade!
ResponderExcluirExatamente, Luciano !!
ExcluirArte é isso : experimentação e liberdade ! portanto, o velhinho estava coberto, no bom sentido, de razão...
Valeu por ler e participar !!
Luiz...Vc cita os Beatles e exercícios de ponta-cabeça visando trabalhar o fluxo sanguíneo na região toráxica...não por acaso, o Yoga tem "ásanas" chamados de "Invertidas" que todo mundo conhece ou já viu, que são aquelas posições de ponta-cabeça...faz sim, todo o sentido...o professor velhinho era muito é sabido de seus conhecimentos...think about...
ResponderExcluirSim, conheço as ásanas e o poder benéfico que tem para a saúde mental e física das pessoas. Falei em tom ameno, tentando colocar bom humor na crônica, mas claro que o velhinho tinha razão na sua metodologia nada convencional de aulas.
ExcluirValeu por ler e participar com rico comentário !
Gostei, Luiz...
ResponderExcluirQue bom, Rubens !!
ExcluirGrato pela leitura e participação sempre bem vinda !!