segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 5 - Por Luiz Domingues

O que aconteceu, foi que o Sérgio Henriques tinha um nível muito alto como tecladista, e a sorte por ter uma esposa que possuía contatos fortes no mundo mainstream da música. Ela chamava-se, Celina Silva e era filha do radialista, Walter Silva, vulgo "Pica-Pau". Esse profissional foi muito famoso no meio radiofônico paulistano, nas décadas de 1950 a 1970, principalmente, e conhecia a nata da MPB, fossem artistas, fossem empresários.

E assim, ao estabelecer contatos, indicou o Sérgio para ser segundo tecladista da banda de uma diva da MPB : uma certa, Elis Regina...

Dessa maneira, estávamos a começar a ensaiar sob uma terça-feira tórrida de janeiro de 1980, quando vi entrar dois senhores a trajar terno e gravata, no Bar Opção. Não reparei na fisionomia deles, e continuei a tocar. Nunca esqueço-me, nesse instante tocávamos "Michelle", dos Beatles quando eu olhei para trás e reconheci um dos senhores : era Cesar Camargo Mariano, marido e tecladista da Elis Regina.
Esmoreci naquele instante, pois tratava-se de um músico de nível altíssimo a olhar-me a tocar ali, e eu com aquela minha técnica simplória à época...

O Sérgio conversou com eles, e cerca de quinze minutos depois, comunicou-nos que estava a desligar-se da banda, pois acabara de assinar contrato para ser segundo tecladista da banda da Elis Regina, na sua nova turnê. Desejamos boa sorte, claro, ficamos eufóricos com essa oportunidade para ele, e assim ele desmontou seu piano elétrico e evadiu-se do local, a acompanhar o Cesar, e o outro sujeito, que devia ser um advogado.


Na foto acima, Sérgio Henriques está debruçado sobre o piano acústico, enquanto Cesar Camargo Mariano toca. Elis ouve, e com mão no bolso, de barba e óculos, está o baixista, Luisão Maia. O rapaz com bigode e camisa branca, mais atrás, é o trompetista, Farias.
Acompanhamos de longe a rápida ascensão dele, Sérgio Henriques, com a Elis. Seria a turnê do álbum : "Saudade do Brasil", onde o Cesar Camargo Mariano montou uma banda enorme, com baixo; bateria; guitarra; dois tecladistas; e naipe de sopros. Por isso queria um segundo tecladista, para poder ficar mais absorto nos solos, enquanto o Sérgio cuidaria da harmonia das canções. E recebemos várias notícias dele, doravante. Não perdemos o contato, muito pelo contrário, pois ao final de 1980, ele teve férias da turnê da Elis Regina, e voltou à nossa banda, que vivia uma nova fase sob outra formação, quando somou muito, com sua técnica refinada. 

Nesse mesmo dia, conhecemos o Fernando "Mu". Ele era um sujeito estranho. Parecia um pistoleiro soturno de filmes de Westerns, com poucas palavras. Algo como os personagens vividos pelos atores, Clint Eastwood ou Lee Van Cleef, ao chegar em uma cidade do velho oeste norteamericano.

Ao demonstrar arrogância, mal entrou no estabelecimento e com cachimbo na boca, iniciou a distribuir ordens. O Sérgio e o Paulo Eugênio já conheciam-no, e não espantaram-se com seu comportamento temperamental, mas eu; Cido Trindade e Wilson Canalonga Junior, ficamos atônitos. Ele quis ver o Wilson tocar, e não gostou de seus poucos recursos à época. O Gereba não estava, pois pegara o seu cachet da festa na empresa de engenharia (onde fizéramos a primeira apresentação dessa banda e para tal aglutináramo-nos), e viajara para o nordeste, Rio Grande do Norte, para ser específico, para visitar seus familiares.

Foto de um show da turnê de Elis Regina, com o Sérgio ao fundo, a tocar em um piano Yamaha, enquanto Elis e Cesar Camargo Mariano cumprimentam o público. 

E com a perda repentina de Sérgio Henriques, aquela promissora banda formada poucos dias atrás, estava esfarelar-se... mas o Fernando "Mu" estava ali decidido a assumir o emprego, pois conhecia o Paulo Eugênio, e sabia que este tinha muitos contatos na noite paulistana, e por estar a precisar de dinheiro, porque nesse momento, tocava apenas com uma banda que pretendia fazer som autoral (com a presença do baixista, Roatã Duprat, filho do maestro Rogério Duprat e Luis"Bola", um baterista, nessa formação). Tal banda tinha um tremendo som, influenciado pelo King Crimson, mas não estava a ganhar nada naquele momento, infelizmente.
Então, disse ao Wilson que o ajudaria, ao passar-lhe a harmonia das canções, mas no primeiro show marcado, ele determinara que não tocaria por não confiar nele (o Wilson ficou muito indignado com essa franqueza gélida, e saiu do bar, muito bravo, mas voltou, a seguir, quando ponderou e aceitou a "ordem"). E no meu caso, escreveu rapidamente a harmonia de cerca de vinte músicas, e as letras para o Paulo Eugênio, ao dizer-nos que tocaríamos aquele repertório no show. Ele era extremamente arrogante, mas muito competente, pois sabia tudo de cor, como um maestro. E não deu para queixar-se do repertório por ele imposto... Beatles; Traffic; Ten Years After; Elton John; Santana; Jimi Hendrix; Led Zeppelin; Deep Purple, James Taylor... só a nata e o melhor de tudo : o Mu tocava muito !
Ficamos boquiabertos ao vê-lo executar o tema : "Star Splangled Banner" (o hino norte-americano), com todos os ruidos; distorções e alavancadas idênticas às que Jimi Hendrix executou no Festival de Woodstock, mas com um detalhe desconcertante : através de uma guitarra, Gibson Les Paul, sem alavanca.  Ou seja, ele fazia normalmente toda a parte de efeitos com microfonias, a  puxar, literalmente, o headstock da guitarra na mão !
Nessa foto acima, a foto de uma guitarra Gibson Les Paul, modelo Junior, idêntica à que o Fernando "Mu" possuía. A dele, era do ano de 1958, uma raridade na época e hoje em dia ainda mais valiosa pela ação do tempo entre as cotações de instrumentos vintage
 
Seus solos eram infernais ! Chegava a causar comoção entre nós nos ensaios, pois seu nível era estratosférico.

O mercado de covers era fortíssimo já naquela época em São Paulo.
Essa tradição com bandas cover era forte desde muito tempo. No âmbito do Rock, eu diria que desde o final dos anos cinquenta, pois havia uma enorme tradição forjada desde os conjuntos de bailes, festas em apresentações pelos clubes da cidade, boites, casas noturnas, festas particulares, festas colegiais e outras demandas daquela década remota. Ao final dos anos setenta, início dos oitenta, o mercado de covers era muito forte, com dúzias de bandas a disputar espaço para tocar, principalmente em bares.
A diferença brutal, foi que naquela época, isso não atrapalhava em nada os artistas focados na música autoral, pois havia espaços para eles. A música autoral era apresentada em teatros; casas de shows; ginásios de esportes etc. Nesse circuito de bares, só tocavam bandas covers e nenhum artista autoral interessava-se em tocar nesses espaços. 

De volta ao assunto primordial, os primeiros ensaios aconteceram sob uma forma normal, mesmo sem a presença do Gereba que estava a viajar, mas nessa específica terça-feira que descrevo, tudo mudou repentinamente, pois perdemos Sérgio Henriques e o Mu entrou na banda, a dar ordens e de certa forma, assustando-nos um pouco com seu gênio irascível. Gereba estava ausente, mas voltaria, e Wilson ficou bem chateado, mas tudo contornou-se adiante para ele.


Continua...

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