http://musica.uol.com.br/noticias/redacao/2014/01/21/guitarrista-da-banda-golpe-de-estado-helcio-aguirra-morre-aos-56-anos.htm
http://g1.globo.com/sao-paulo/musica/noticia/2014/01/morre-helcio-aguirra-guitarrista-da-banda-golpe-de-estado.html
Aquele desconforto estomacal, típico de quando recebemos uma notícia chocante sobre o falecimento de um parente ou amigo querido, formou-se, e assim eu fiquei sem reação por algum tempo. Como assim? Perplexo, abandonei os meus afazeres, e passei a caçar informações pelos portais de notícias da Internet, quando finalmente enfrentei a realidade.
http://rollingstone.uol.com.br/noticia/morre-o-guitarrista-da-banda-golpe-de-estado-helcio-aguirra/
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/01/1401108-morre-o-guitarrista-helcio-aguirra-da-banda-golpe-de-estado-56-anos.shtml
Bem, eu conheci o Hélcio em 1984, e tornamo-nos amigos desde então. Além de ser um guitarrista excepcional e compositor inspirado, foi um conhecedor de eletrônica, ao saber consertar com destreza, amplificadores, pedais etc. Ele chegou a ganhar bastante dinheiro com isso, paralelamente, ao manter uma oficina super requisitada pelos músicos de São Paulo, por muitos anos, eu incluso, vide as inúmeras vezes em que ele consertara o meu velho amplificador, Duovox...
Camarim do Olympia, em São Paulo, no ano de 1992. Show do Black Sabbath. No camarim, Hélcio e Tony Iommi, o seu grande ídolo no Rock, e influenciador na carreira
As circunstâncias
descritas para esse espetáculo seriam as seguintes: esse show tributo seria feito por combos
arranjados na hora, a mesclar os músicos, e cada combo tocaria duas ou
três músicas do Golpe do Estado, Mobilis Stabilis, ou do Harppia, bandas pelas quais ele, Hélcio Aguirra, foi membro, e
cogitou-se até a execução de músicas do Black Sabbath, Judas Priest, Ufo, e Michael
Schenker Group, bandas internacionais que ele gostava, e que influenciaram-no,
como guitarrista.
No entanto, os dias passaram, e houve uma certa falta
de comunicação entre as três organizadoras e os músicos, mas não
estou a culpá-las, pois ficara de certa forma implícito, que a escolha das músicas a
serem tocadas, ficaria a cargo dos músicos. De minha parte, eu avisei
que eu não teria tempo para preparar muitas músicas, portanto, gostaria de
uma definição rápida, para focar em duas ou três, apenas, mas essa
definição não veio.
A minha comunicação foi mais ativa com o vocalista, Abdalla Kilsam, um grande amigo meu, que possuía muitos trabalhos cover pela noite paulistana, e que seria o cantor do combo onde eu tocaria. Quando faltava dois dias para o evento, resolvi ir para o evento com a proposta de promover uma jam-session sob improviso, pois não houve até às vésperas, nenhuma comunicação oficial sobre que músicas eu tocaria, mas isso não teve relevância maior, pois o que mais importara ali, seria homenagear o Hélcio.
Cheguei ao local, a "Livraria da Esquina", e gostei do astral do estabelecimento. As instalações eram simples, a aparentar similaridades com salões de Rock periféricos, mas havia uma ambinetação meio contracultural, com decoração a evocar figuras fortes da literatura, e motivações um tanto quanto psicodélicas.
De fato, ali tratava-se de uma livraria com estrutura para shows musicais, o que tornara o ambiente interessante, pelos seus propósitos nobres. Encontrei inúmeros amigos, e devo dizer que a maioria ali presente foi mais da cena do Heavy-Metal oitentista, do que da órbita do Golpe de Estado. Nessa circunstância, houve mais fãs do Harppia, o que foi exótico em minha avaliação, por que a despeito do Hélcio ter construído uma parte de sua carreira dentro dessa banda, e nessa cena, a sua fama maior foi construída com o Golpe de Estado.
Isso poderia ser explicado parcialmente pelo fato das garotas que organizaram a festa, terem mais proximidade com tal cena do Heavy-Metal oitentista. Nada contra, mas achei exótico tocar-se muito mais material do Harppia, do que Golpe de Estado, e não ter havido nenhuma menção ao Mobilis Stabilis, um outro trabalho importante da carreira do Hélcio.
O guitarrista da banda, Nacionarquia, Roger Bacelli, chamou-me então para tocar, e naquele mesmo momento, ele organizou um combo. Roger perguntou-me se eu aceitaria tocar alguma canção d'A Chave do Sol, com o Rubens Gióia. Claro que eu aceitei tocar com ele, mas achei que tentar alguma música d'A Chave do Sol, seria uma temeridade, pois as músicas dessa nossa ex-banda, são complicadas, cheias de convenções e detalhes, portanto, não seria possível para tocar-se em uma jam-session despretensiosa. Na verdade o correto seria ter ensaiado previamente para fazer a exibição corretamente, se fosse o caso, mas na falta dessa pré-produção, o melhor a ser feito ali, foi estabelecer uma jam-session sob improviso.
O Roger, que é um excelente guitarrista (professor bem tarimbado, inclusive), e uma pessoa muito gentil, ainda ponderou se eu aceitaria tocar um cover, e que o Rubens houvera proposto tocarmos algo do Jimi Hendrix. Eu insisti que uma jam-session seria mais seguro, e mais condizente com o espírito do espetáculo.
E assim, subimos ao palco com o combo formado na hora e que consistiu de: Roger Bacelli na guitarra, Marcelo Ladwig (baterista da ótima banda de Hard-Rock, King Bird) e Rubens Gióia, na outra guitarra, além de eu mesmo, Luiz Domingues, no baixo. Por incrível que pareça, com todo o afastamento que eu e Rubens tivemos pelos desentendimentos que culminaram com o fim d'A Chave do Sol, e início de uma dissidência forçada para eu e Beto Cruz, o fato é que eu não tocava com ele, desde dezembro de 1987.
Enfim, além da comoção pelo passamento do Hélcio e de fato, o
banner colocado no palco com a sua foto não deixou-nos perder o foco do
propósito daquela festa, mas foi emocionante também para nós dois, eu e Rubens, esse
reencontro.
A jam-session citada acima. Filmagem proporcionada pelo casal Rocker de fotógrafos e documentaristas, Bolívia e Cátia
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=5AiKzBH7L2U
Estávamos os dois sob comoção por isso também, e foi nítido tal sentimento em nossos respectivos semblantes. O tema que tocamos foi algo inspirado
no estilo do Jazz-Rock ou Fusion, com o Roger a criar na hora, uma bela harmonia,
com sofisticação jazzística.
Todos entraram no clima e ambos os guitarristas revezaram-se em solos mediante o improviso, interessantes. Eu e Marcelo entendemo-nos bem, ao promovermos mudanças de levadas, às vezes a insinuarmos o Funk-Rock setentista. O público presente aglomerou-se na frente do palco, e houve uma comoção gerada.
Eu não esperava por isso, mas dentre os
admiradores do Heavy-Metal oitentista, houve (e há em linhas gerais) um respeito enorme
pelo trabalho d'A Chave do Sol. Isso eu entendo e aceito positivamente, embora no
capítulo sobre A Chave do Sol, nesta autobiografia, eu tenha feito inúmeras
ressalvas ao fato da banda ter aproximado-se dessa cena. Ainda penso
assim, mas jamais poderia deixar de reconhecer o carinho dos que
professam tal admiração pessoal, e enxergam A Chave do Sol como
componente desse cenário.
Fiquei muito contente com essa pequena comoção em prol d'A Chave do Sol, e mesmo ao não atender aos gritos de pessoas que pediam músicas da nossa banda e outros mais ousados a cobrar-nos sobre uma "volta oficial", claro que eu agradeci o carinho, com entusiasmo. Terminada a minha participação, fiquei mais um pouco na casa, e parti dali, alguns minutos depois, não sem antes cumprimentar as meninas (Sandra Marques, Christine Funke e Gigi Jardim), que esforçaram-se para o evento acontecer.
Foi
assim a minha participação no evento: "Tributo ao Hélcio Aguirra", em 22
de fevereiro de 2014, na Livraria da Esquina, em São Paulo.
Cabe registrar que esse evento teve alguns problemas decorrentes de alguns mal-entendidos gerados através das redes sociais. Uma celeuma foi criada, pois houve a informação de que os membros remanescentes do Golpe de Estado estavam a desaprovar a realização de tal evento e teriam lançado uma nota oficial, a repudiá-lo.
De fora dessa questão, mesmo por que, eu era (sou) amigo dos três membros remanescentes dessa banda, eu não entendi o por quê deles esboçarem tal reação. Uma explicação inicial deu conta de que eles consideravam o evento muito próximo do passamento do Hélcio, e que ele mereceria um Tributo com maior porte e organizado pela banda, de uma forma oficial.
Bem, se por um lado houve uma certa razão, pois o Hélcio mereceu um evento de grande porte para homenageá-lo, por quê uma iniciativa gerada por amigos, e mesmo sem grande magnitude, não poderia ocorrer? Nesses termos, o Hélcio por ter tido muitos fãs e amigos, merecia tal carinho espontâneo, e ninguém poderia querer monopolizar uma homenagem. Nesses termos, por quê não poderia acontecer tal Tributo?
Bem, dias depois do Tributo ter sido realizado, adveio uma outra polêmica. Um boato surgiu no métier, de que o evento fora manipulado para a renda não chegar às mãos da viúva do Hélcio, mas diferentemente, fora embolsada por um elemento, que manipulara as três organizadoras do evento.
Quando eu ouvi isso, fiquei indignado, pois tratou-se de uma mentira deslavada que espalhara-se de uma forma sorrateira pelas redes sociais da Internet, e que denegria a imagem, não só das meninas envolvidas, mas fazia de nós, participantes (eu, incluso), otários que fomos tocar com um nobre propósito, e teríamos sido usados, como idiotas úteis.
Imediatamente eu entrei em contato com uma das garotas, e passei-lhe tal informação sobre o boato, e ela prontamente apressou-se e esclareceu tudo, não sem antes mostrar-se boquiaberta com a maldade sabotadora de quem espalhou tal calúnia. Ela enviou-me internamente o borderô referente daquela noite, e marcou então uma visita à viúva do Hélcio, para entregar-lhe a quantia arrecadada.
No entanto, a viúva recusou-se em receber, ao alegar estar constrangida pelo mal-entendido gerado antes da realização do evento, e dessa forma, autorizou a produção do show a doar o dinheiro para uma instituição de caridade. Dessa maneira, o dinheiro foi doado para a AACD de Osasco, e essa amiga minha, postou o recibo em meu inbox do Facebook, e deve ter tornado isso público para calar a língua venenosa dos caluniadores e mal-intencionados de plantão.
Não acompanhei mais o caso, e não vou postar o recibo aqui, para não expor ninguém, mas na minha consciência, estou tranquilo, ciente que não fui usado por nenhum gatuno, como estavam a afirmar, e nem as três meninas podem ser acusadas de também terem sido idiotas úteis para ladrões.
Três
meses depois, um outro evento com maior magnitude foi organizado pelos
membros sobreviventes do Golpe de Estado, com vários convidados em um dos palcos
da Virada Cultural de São Paulo, mas desta vez, eu não fui convidado, e foi
óbvia a razão, pois o Nelson Brito foi o baixista que deveria pilotar o baixo, o
tempo todo. E nessa ocasião, a homenagem foi calcada no exclusivamente no trabalho do Golpe de Estado,
notadamente a banda onde o Hélcio mais brilhou em sua carreira.
Capítulo geral dos Trabalhos Avulsos, sujeito a reabertura, sempre que for necessário. e de fato, o foi. Procure pelo capítulo 82, com uma história ocorrida ainda nesse mesmo ano de 2014.
Rip, Hélcio Aguirra!
ResponderExcluirLi com bastante atenção todas as reportagens a respeito da morte de Hélcio, vi o vídeo e vibrei com o post. Cheguei a enxergar a homenagem e a sentir toda a polêmica que se criou a partir do tributo nas redes sociais.
A forma de se sofrer pela perda de alguém querido é diversa, pois cada cabeça é uma sentença, de fato. Pros amigos músicos, a forma de externar a dor foi fazer o tributo, para os integrantes do Golpe de Estado foi o sentimento de contrariedade com relação ao evento. Agora, eu realmente não entendi o argumento deles. Eles alegaram que o tributo foi próximo ao passamento dele. E tem tempo específico para se homenagear uma pessoa querida?
A memória é o espelho onde observamos os ausentes , Joseph Joubert.
Esse teu espelho tá tinindo!
Sim, Rip Hélcio Aguirra, um grande artista, ser humano excepcional e um dos caras mais íntegros e leais que conheci na vida.
ExcluirSeu comentário deixou-me muito contente por vários aspectos.
A ideia de que enxergou tantas nuances na narrativa, deixou-me muito gratificado. Esforço-me para passar através do texto, o máximo da emoção sentida na pele, in loco, como determinação da autobiografia como um todo, logicamente. Mas claro que se trata de uma missão difícil.
Com sua impressão positiva, senti-me muito contente por detectar que logrei êxito nessa tarefa.
Adorei a sua colocação. Confesso que não havia pensado sob esse prisma. Talvez você tenha razão, ou seja, para os membros do Golpe de Estado, o Tributo feito às pressas pode ter soado como inoportuno. Claro que devemos respeitar tal sentimento se for o caso.
Por outro lado, penso igual no seu questionamento posterior. De fato, existe tempo para se homenagear um amigo que desapareceu ? Quem pode determinar o que é conveniente nesse caso ? Existe uma convenção que determine quando e quem pode prestar uma homenagem ? Acho que deixei claro isso no post.
E por fim, adorei a citação que deixou no final. Sinto-me muito enaltecido por usar esse aforismo de Joubert para exprimir o que sentiu pelo texto.
Muito grato, Ana ! Sua inteligência abrilhanta o meu Blog.
Rip, Hélcião !