terça-feira, 22 de julho de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 152 - Por Luiz Domingues


Felizmente, esse final de semana de terror, encerrou-se com a garota do Chico Dias a voltar para a casa, e chegar sã e salva à Porto Alegre. Apesar do abatimento que essa história toda causou-nos, não tínhamos tempo para cair na depressão, pois mesmo com a humilhação daquele show malogrado na Danceteria Tífon, e a agravante de nossas economias estarem a voar em um cheque, em direção a um bolso alheio (e nem acrescento nesta conta, o baixo astral perpetrado pela onda de azar cinematográfica de Chico Dias e sua namorada), precisávamos levantar o ânimo, pois no sábado subsequente, estávamos escalados para tocar no Festival BR-Rock, no Circo Voador, do Rio de Janeiro. 
A produtora do Língua de Trapo, na época de minha segunda passagem pela banda, Cida Ayres, e que muito auxiliou A Chave do Sol nesse ano de 1984

Lograra êxito a nossa investida em setembro, e graças a um empurrão providencial da parte da produtora, Cida Ayres, a produtora do Circo Voador, Maria Juçá, gostou do nosso material, e escalou-nos para a noite do terceiro sábado do festival. 

Claro, ficamos eufóricos com essa possibilidade em estarmos inseridos em um festival de grande porte, para tocarmos em meio a muitas bandas que estavam na crista da onda do mainstream, e no Circo Voador, lugar muito badalado, no Rio de Janeiro. Foi a hora para espantar o baixo astral, e ensaiar com bastante atenção, e foi o que fizemos nessa semana que antecedeu o nosso show no Festival. 

Como o Zé Luiz tinha a sua irmã mais velha a morar no Rio, ele propôs que eu fosse com ele um dia antes, para fazermos mais contatos e diante dessa possibilidade de termos um lugar para ficar, claro que eu aceitei. Eu e Zé Luiz fomos para o Rio, na madrugada de quinta para sexta, e chegamos bem cedo. Da rodoviária, fomos direto para o bairro de Ipanema, na zona sul, onde descansamos um pouco no apartamento da irmã dele, e logo depois do café da manhã, saímos para aproveitar ao máximo o dia. Iniciamos com uma visita à redação da Revista Roll; fomos à Rádio Fluminense, e visitamos algumas lojas de discos. No meio da tarde, visitamos o Circo Voador para dar uma olhada no equipamento e movimentação do dia, quando a Maria Juçá convidou-nos para que assistíssemos os shows programados para aquela sexta-feira. Claro que tencionávamos voltar ali a noite, mas tínhamos ainda muitas horas pela frente, e resolvemos voltar à nossa hospedagem no apartamento da irmã do Zé Luiz, para descansarmos; tomar banho e jantar. 

Contudo, tínhamos um plano antes de ir ao Circo Voador. Resolvemos ir ao Parque Laje, onde na mesma noite, ocorreria um show dos Paralamas do Sucesso. Não queríamos ver o show, mesmo por que não daria tempo, mas a nossa intenção foi sentir a vibração do lugar, que eu particularmente conhecia apenas pelo cinema, com cenas de filmes como, "Macunaíma" e "Terra em Transe", que ali foram produzidas. De fato, o local era belíssimo, e usado para show de Rock, com a possibilidade do uso de iluminação, ficava fantástico. Tocar ali não seria nada mau, mas pelo que sentimos, não era um espaço que estava a ser utilizado com essa finalidade, com constância. Portanto, não adiantava nada procurar saber quem estava a produzir aquele show dos Paralamas, naquele instante, pois seria algo inusitado e sazonal, sob uma primeira impressão. 

Fomos para o Circo Voador e quando lá chegamos, tivemos uma certa dificuldade para entrar, por conta de seguranças truculentos e despreparados. Bem, nenhuma novidade por tratar-se de Brasil e convenhamos, 2013 em curso (quando escrevo este trecho), e isso não melhorou muito em shows da atualidade. Quando finalmente entramos, a casa estava absurdamente lotada. Não dava para mexermo-nos, literalmente, e o miolo da pista parecia uma guerra campal, pela ação do famigerado "Pogo", aquela prática famigerada e tipicamente oitentista, com o público a não prestar atenção no artista no palco, mas usar o som do show para debater-se uns aos outros, ao denotar a iconoclastia punk de 1977, onde o artista era encarado como um mero joguete a serviço de rituais truculentos de ordem primitiva, e não como protagonista artístico de um espetáculo cultural.

O Camisa de Vênus tocava, e mesmo eu que eu soubesse que o Marcelo Nova é um sujeito com boa intenção, e é Rocker, claro que o Rock'nRoll "raulseixista" que ele professa em seu íntimo, passava ao largo em 1984, pois ele e seus amigos aproveitavam-se da moda do Pós-Punk, para surfar nessa onda. Aquela conversa dissimulada de que faziam "Rock'nRoll", era mera retórica distorcida, pois na prática, o som que faziam era o Punk tosco, e o público adorava aquela manifestação atroz sobre quem matou Joana D'Arc, ou coisa que o valha. Bem, constatar a realidade oitentista no meio da erupção, pareceu-me inevitável naquela situação... 


Ficamos a assistir tudo, posicionados bem no fundo, pois tentar aproximar-se seria um exercício de masoquismo, que definitivamente não estávamos interessados em submetermo-nos. Quando o show do Camisa de Vênus encerrou-se, o público dispersou em direção ao bar, e muita gente saiu do Circo para recompor-se e respirar, com aquele calor todo gerado. Aproveitamos a brecha e fomos para a coxia, onde o Metrô preparava-se para entrar em cena, enquanto roadies apressados faziam a troca de set up das bandas. Muito simpático, o baterista do Metrô, Daniel, lembrou-se de minha pessoa, e veio conversar conosco. Falara com ele quando toquei com o Língua de Trapo no Festival de Águas Claras, em março daquele mesmo ano, e a sua banda ainda chamavam-se "Gota Suspensa"(essa história está contada em detalhes no capítulo do Língua de Trapo). 

Ele mesmo rememorou isso, e dizia que a vida tinha mudado da água para o vinho, e estavam a "morar" dentro de aviões e quartos de hotéis, há meses. No sábado, iriam fazer um show em Salvador, mas no domingo, voltariam ao Rio, para gravar o programa do Chacrinha. Um caso raro de pessoa humilde que foi para o mainstream (falarei sobre outro, logo mais), fiquei feliz por vê-lo a atravessar um momento de ascensão incrível. 
Sabia que aquele som a la New Wave oitentista e robótico que tocavam, o desagradava, pois a predileção dele era o Rock Progressivo setentista, mas como era bonito, por outro lado, ver um conhecido a alcançar no mainstream ! Bem, ele despediu-se, e convidou-nos a ver o show, mesmo ao saber que não era a nossa predileção, e foi para o palco, onde já o chamavam com insistência e certa tensão. 

O show deles começou e realmente foi muito decepcionante ver músicos bons a serviço daquele som Pop e raquítico. Aqueles timbres de plástico doíam nos ouvidos. Baixo Steinberger; bateria sintetizada; aqueles teclados com timbres ridículos, e a guitarra plugada em um insípido amplificador Roland Jazz Chorus... ninguém merecia, nem mesmo ao considerar-se que estávamos em 1984...

A performance deles era perfeita para aquela estética. Muito bem vestidos, mas naturalmente sob aqueles parâmetros em torno do apreço pelos dândis oitentistas, a ostentar cortes de cabelo esquisitos e forjar um futurismo tipicamente oitentista, e só possível mediante o uso de muito gel. Pareciam os músicos do Kraftwerk, com coreografias robóticas, dignas daquela época, e tudo a parecer um copião do filme : "Blade Runner". 


Absolutamente deprimente, uma pena. Encerrado o Metrô, foi a hora do headliner da noite, os paulistanos do Rádio Táxi...

Continua...

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