segunda-feira, 21 de julho de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 150 - Por Luiz Domingues


Bem, voltei para a casa aliviado, mas estava ainda muito aborrecido pelo desastre humilhante da noite anterior, e também pelo prejuízo financeiro, além de estar  estressado com esse sufoco repentino para alojar, Chico Dias e a sua namorada. Mais tarde, com todo mundo tendo melhorado o humor consideravelmente, encontramo-nos novamente na estação do metrô e fomos dar uma volta na Av. Paulista. A garota (guria !), queria conhecer o MASP (Museu de Arte de São Paulo), mas naquele horário noturno, não estava aberto. Estava tudo calmo e fomos embora. O casal estava a sorrir, enfim, e dali, partiram para a sua sossegada noite de amor, e que  desse-lhes paz, ainda bem... 

Mas outra bomba estava reservada para a manhã de domingo... novamente fui tirado da minha cama repentinamente, com a notícia de que uma ocorrência horrível acontecera, ao gerar nervosismo e constrangimento na residência do Hélio. Simplesmente os pais dele anteciparam sua volta à São Paulo, e surpreenderam um casal jovem e completamente estranho, a dormir inteiramente nus na sua cama ! Furiosos, expulsaram-nos aos gritos, mal tendo tempo para que pudessem vestir-se. Estressado, Chico Dias não sabia o que fazer e o Hélio entrou em um castigo sob clausura, e só consegui falar com ele, vários dias depois. Pensar... pensar... onde alojar esses dois por mais um dia, visto que a namorada só voltaria à Porto Alegre na segunda-feira, por conta da passagem comprada antecipadamente ? 

Outra hipótese impensável ocorreu-me : lembrei-me do Hélcio Junior, aquele fã abnegado que levava faixas às gravações do programa "A Fábrica do Som", para incentivar-nos e que intermediara três shows para nós na sua cidade natal, Atibaia, no interior de São Paulo. Ele estudava em São Paulo e morava em um apartamento com o seu avô, mas o senhor raramente ficava em São Paulo, portanto, na prática, ele ficava sozinho o tempo todo. Restava-nos saber se o Hélcio estaria em São Paulo e ajudar-nos-ia por uma noite. Liguei e dei sorte : ele estava, e indo além, estava sem a presença do seu avô e aceitaria abrigar o casal, sem problemas. Como fã da banda, sentia-se feliz em ajudar e até apreciaria recebê-los para tomar vinho e ouvir música, sendo isso, melhor que estudar, o que teria sido a sua projeção para aquela noite. Pois muito bem, fui levar o casal até a av. Paulista, onde encontramo-nos com o Hélcio Junior. O seu apartamento ficava nas imediações da Rua São Carlos do Pinhal, ali perto. Ao contrário da noite anterior, o casal estava em frangalhos novamente, e confesso, eu também estava cansado dessa situação. 

Bem, entreguei-os ao Hélcio e fui para a minha casa. Tudo o que eu desejava era descansar e chegar, segunda-feira no ensaio, um pouco melhor, para tocarmos a nossa vida adiante. Mas a minha paz não durou muito. Eis que recebi um outro telefonema e lá estava o Chico Dias, desconsolado, a ligar-me de um telefone público na Av. Paulista. O mesmo raio caíra três vezes na cabeça do azarado, Chico Dias... pois o avô do Hélcio Junior chegara de surpresa e não gostou da ideia do casal ficar ali naquela noite. Não foi aos berros, mas foi feito um convite para eles retirar-se... 

O Hélcio ficou muito chateado, mas nada podia fazer, pois o avô era de fato o proprietário do apartamento e daí. Bem, lá fui eu de volta para encontrá-los na Av. Paulista. Estavam sentados na escadaria da TV Gazeta, cabisbaixos. E desta vez, eu não sabia o que mais poderia fazer mais para dar um jeito no infortúnio do casal. Eu também estava sem recursos e minha casa era pequena naquela ocasião, e sem chance para um oferecimento, nem que fosse emergencial. A minha ideia foi ligar para alguém daquele grupo de amigos que orbitavam a banda, desde 1982. Algum deles poderia ter uma ideia. 
Gentis como sempre, mobilizaram-se e vieram encontrar-nos. Nenhum deles poderia oferecer a própria residência, mas organizaram uma coleta e a dividir bem, até eu ajudei, apesar de minha precariedade financeira à época. Após um jantar animado, onde o casal pôde relaxar um pouco, após tantas emoções, os deixamos alojados em um hotel nas Perdizes, bairro da zona oeste de São Paulo. Dali, havia uma estação de metrô próxima, e os instruímos então a dirigir-se à rodoviária no dia seguinte, sem problemas. Deixamos o casal a vontade para relaxar no hotel, e fomos embora. Fiquei muito feliz pelo apoio dos amigos, onde destaco o Carlos Muniz Ventura, que foi fotógrafo de muitas ocasiões importantes da banda, incluso fotos promocionais de encartes de discos (o EP de 1985 e o LP The Key, 1987, por exemplo, para citar situações futuras a este ponto da narrativa). Ele liderou a organização da coleta e pesquisou hotéis baratos nas imediações onde estávamos etc. Fui dormir extenuado pelo acúmulo de problemas iniciados, desde a catastrófica noite de sexta, e o show horrível na Tífon. Mas ainda aconteceria mais uma desgraça...

Continua...

2 comentários:

  1. Caramba que aventura do casal hein...e falta de sorte.
    Parece filme de comédia romântica.

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    1. Sem dúvida que parecia roteiro de filme, e com a agravante de que nas entrelinhas ficou exposta a nossa falta de estrutura. Com um mínimo de dinheiro disponível, colocaríamos o casal num hotel desde a sexta feira e nada disso teria ocorrido e indo além, talvez a moça não tivesse nem se descuidado de tomar sua insulina.

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