quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 171 - Por Luiz Domingues


Conto mais três casos pitorescos e ocorridos no ano de 1984, agora, para complementar o assunto abordado no capítulo anterior :

3) Geralmente a turma de amigos que gravitava em torno da banda, principalmente entre 1982 e 1984, reunia-se com regularidade para sair a noite, no pós ensaio da banda nos finais de semana, ou no pós-show. Mas ocorreu fatos engraçados também no âmbito caseiro, e claro que pelo fato da residência da família Gióia ter sido o QG d'A Chave do Sol nos quatro primeiros anos da carreira da banda, muita coisa ali aconteceu, principalmente quando a família do Rubens ausentava-se para viagens recreativas à casa de praia do clã, localizada no litoral norte do estado (na cidade de Ubatuba / SP). Uma delas, foi comandada por um de nossos amigos, em meio a uma ação no meio da madrugada, motivado por um momento de tédio generalizado, e que rendeu-nos risadas.


A sua ideia foi sobre escolher telefones a esmo, via lista telefônica, e ligar, sem nenhum pudor, para a residência de pessoas estranhas e sem falar uma palavra, colocar o fone próximo ao alto falante de uma vitrola, onde tocava-se discos da coleção do Rubens, e com o objetivo de sentir a reação delas em confronto para tal ato bizarro !
Claro, entre duas e três horas da madrugada, as reações mostravam-se iradas, a conter muitos xingamentos que eram proferidos, e ouvíamos essas manifestações raivosas da parte de estranhos, sob risadas. Entretanto, um dia, algo inusitado ocorreu. Alguém atendeu a chamada, mas manteve-se em profundo silêncio. Desta feita, o nosso amigo havia escolhido o LP "Close to the Edge", do Yes, para tocar ao telefone, mas o interlocutor não pronunciou-se.
Para quem não sabe, trata-se de uma obra típica de Rock Progressivo setentista, ou seja, a música na verdade dura o lado inteiro do LP, com mais de vinte e três minutos de duração. Quando acabou, ficamos surpreendidos pois o rapaz disse ago como : -"Ô meu, vira o disco aí, amigo, quero ouvir o outro lado", adoro Yes...

Diante disso, o nosso amigo pronunciou-se e a estimular a realização de uma conversa, descobrira que esse rapaz havia atendido o telefone de uma empresa que trabalhava durante a madrugada e que solitário, e a viver uma Era pré-Internet, espantava o sono para trabalhar, a ouvir rádio, mas fã de Rock setentista, não tinha meios de ouvir nada interessante na programação das emissoras daquela época, e assim, quando atendeu o telefone e ouviu "Close to the Edge", do Yes, adorou a surpresa, absolutamente inusitada...

Esse mesmo amigo nosso que criou a brincadeira muito inconveniente, e que eu sei (eu não gostaria de atender uma chamada às três horas da manhã, de um estranho, mesmo que se colocasse uma música dos Beatles...), contou-nos que em sua casa, costumava aproveitar ligações erradas que caíam no seu telefone, para uma brincadeira absolutamente mórbida em tom de humor negro, embora eu reconheça que fosse criativa. Quando ele percebia que alguém ligava equivocadamente para a sua residência, a procurar por alguém que era completamente estranho ao seu seio familiar, improvisava, com uma incrível dose de cinismo e sarcasmo. Por exemplo, uma mulher ligou, e antes mesmo de falar bom dia, disse-lhe : -"Hugo" ? Sem ter nenhum "Hugo" na família; rol de amizades; e nem mesmo como um esporádico conhecido, o nosso amigo respondeu : -"a senhora não soube ? O Hugo faleceu"... claro que a reação de estupefação da senhora estranha, foi total, ao responder-lhe desesperadamente do outro lado, que "-não era possível, pois falara com o Hugo, ontem"...


É óbvio que não aprovo uma brincadeira desse nível, pelas razões evidentes pelas quais possa-se imaginar. Para ir muito além do mau gosto, poderia gerar consequências incalculáveis, inclusive ao provocar um choque com desfecho terrível para quem acredita em uma colocação falsa desse nível. Vale também para a brincadeira da ligação na madrugada, trote, a trocar em miúdos, que poderia assustar perigosamente pessoas que sempre associam telefonemas nesse horário, a tragédias. Só estou a revelar, por que a despeito de ser uma prática abominável e que desaprovo, reconheço que foram piadas criativas, e afirmo isso sem nenhuma intenção em fazer apologia desse tipo de brincadeira, pois inclusive, sou bastante avesso à essa prática que muitos programas de TV usam para atrair audiência.

4) E uma outra brincadeira coletiva que rendia risadas e euforia, não era algo reprovável que escorregasse na ética, mas divertiu-nos muitas vezes, foi a instituição de um "Hide and Seek" ("Esconde-Esconde), brincadeira infantil que só era possível fazer por que a residência dos Gióia era bem ampla, e com muitos cômodos, tornava a busca pelos escondidos, muito mais difícil, ainda a somar-se ao fato de que era feita durante a madrugada, e com as luzes da casa totalmente apagadas.

Era engraçado, mas tal brincadeira finalizou-se de uma forma tensa, pois muitas namoradas participavam também, e em um certo dia, um "buscador" apalpou a namorada alheia, e mesmo ao alegar que o fizera no espírito da brincadeira, portanto somente a tentar achar alguém na escuridão, claro que o namorado da moça apalpada não gostou, e decidiu-se que a brincadeira estava encerrada, aliás, definitivamente... 

Outra história engraçada e ocorrida nessa época, mais ou menos, foi protagonizada pelo Rubens e também pelo poeta, Julio Revoredo. Eu não estava presente nessa situação, mas o poeta, contou-me tal ocorrido. Estavam ambos no trânsito, com o Rubens à direção do automóvel, certa vez, em meio a um grande engarrafamento em uma avenida paulistana. Parados no semáforo, Rubens olhava distraidamente pela sua janela lateral, quando um vendedor ambulante de bouquets de rosas, abordou o Julio, pelo lado direito do carro, a oferecer-lhe o seu produto com ênfase, ao sugerir que o Julio o comprasse para a sua "esposa", que dirigia o carro. Bem, além de todos os dissabores; perigos; e desaforos que ouvíamos por sermos cabeludos na década de oitenta, em meio aos ataques xiitas dos niilistas de plantão, ainda havia a clássica estupefação social da parte de incautos, em considerar o uso de cabelos longos, um paradigma em torno da afirmação de gênero, ou seja, "cabelo longo é para mulher". Bem encerro aqui essa arrolagem de fatos curiosos, e extramusicais ocorridos em 1984. No próximo capítulo, mergulho na narrativa sobre 1985...

Uma simpática filipeta criada pelo Anarca, uma banda da cena pesada oitentista, a enaltecer o trabalho de vários artistas que labutavam em prol do Rock autoral naquela época. Uma coincidência incrível, o endereço da caixa postal deles era na mesma agência onde tínhamos a nossa saudosa caixa postal, 19090...

Continua...

2 comentários:

  1. Soh rindo ne???? Eu tb brincava de trote... :p

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    1. Pois é...

      Não podia deixar de contar essas molecagens...

      Grato por participar com comentário !

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