segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Autobiografia na Música - Pitbulls on Crack - Capítulo 50 - Por Luiz Domingues


Nessa mesma época, um empresário que o Chris conhecia de outros trabalhos seus, aproximou-se de nós, e assim entusiasmamo-nos, pois naquele crescente de exposição que estávamos a ter na mídia, tudo o que precisávamos era de um empresário que capitalizasse esse bom momento que vivíamos, a reverter em oportunidades para shows e outras benesses. Esse sujeito chamava-se : Jefferson, e empresariava uma banda indie, chamada, "The Pills". Ele tinha vários contatos, e chegou já a mostrar serviço, pois agendou shows, logo de início. E uma de suas ações como empresário, foi acompanhar-nos em um show no Rio de Janeiro, contudo, não fora um show que ele havia marcado. Jefferson apenas marcou presença como o nosso novo agente.

O empresário Jefferson, no momento em que viajava ao Rio, conosco, em uma das viagens mais hilárias que a banda havia realizado até então...

E foi uma experiência rica em histórias bizarras, conforme relatarei.
Para início de conversa, digo que esse show seria realizado em uma casa de shows chamada : "Garage", que segundo lembro-me, não mantinha relação com a casa de mesmo nome, localizada em São Paulo. Mas quando disseram-me o seu endereço no Rio, fiquei pasmo... Praça da Bandeira...

Quem conhece o Rio, sabe que aquela área é muito deteriorada, e corresponde ao Glicério, em São Paulo, ou seja, a tratar-se de um ambiente marcado pela forte incidência da mendicância; sujeira; crime; ausência do poder público etc. Por outro lado, estava também acostumado com esse tipo de situação, pois depois do manifesto punk de 1977, associar o Rock aos escombros desoladores e decadentes, tornou-se um mote, e verdade absoluta para essa gente. Passei os anos 1980 e 1990, inteiros a conviver com pessoas moldadas por tal mentalidade, infelizmente. E sendo assim, ninguém estranhava ir tocar em uma pocilga desse naipe, e pelo contrário, era comum ouvir-se aquela interjeição entre eles :
-"É ducaraio, véio", para qualificar situações aviltantes dessa estirpe, como algo salutar, na visão deles...

Enfim, viajamos em linha comercial comum, na hora do almoço, e chegamos ao Rio de Janeiro ao final da tarde, quando então, começou a nossa aventura tragicômica...

Eric De Haas, fotógrafo e produtor musical holandês, há muitos anos radicado em São Paulo 

Veio buscar-nos na rodoviária, o fotógrafo / produtor holandês, Eric de Haas, figura famosa no meio Rocker paulistano, mas que estava envolvido nessa produção no Rio de Janeiro. Já começou o nosso infortúnio por conta do veículo que ele usou para conduzir-nos. Tratava-se de uma Kombi em estado podre, cujo motorista era completamente louco, a querer correr como se pilotasse um carro de competição ao estilo "fórmula 1", a bordo daquele simulacro de automóvel...  dava para ver o asfalto da rua, com buracos abertos no piso daquela carcaça putrefata !

Após essa aventura insana na Kombi, que mais parecia o veículo da família "Flintstone", chegamos ao local, e o clima era pesado na rua, e imediações. Não era nem 19:00 horas ainda, e o "mundo cão" pegava pesado na rua onde localizava-se a casa de espetáculos.

Uma matéria e uma resenha, ambas publicadas na mesma edição da "Revista Rock Brigade", em maio de 1994

A casa era bonita, por tratar-se de um casarão amplo, e muito antigo. Contudo, estava em péssimo estado de conservação.
Naquela noite, tocaríamos com outra banda paulistana, o "Ajna", da vocalista, Elizabeth Queiroz, também conhecida como "Tibet", e uma banda indie carioca, "Scar Soul".

     A vocalista, "Tibet" (Elisabeth Queiróz), e a sua banda, "Ajna" 

O som da casa mostrara-se razoável para os padrões do mundo underground, e havia uma iluminação nesse mesmo padrão. O palco era até que amplo e alto, e o enorme salão comportava um público com pelo menos trezentas pessoas, acredito. O Eric estava hospedado na casa do inglês, Ronald Biggs, famoso foragido da justiça britânica, por ter escapado da prisão onde cumpria pena pelo assalto do trem pagador em 1963, um crime escandaloso na ocorrido na Inglaterra.

O Chris aventou a possibilidade de irmos para a casa dele, Biggs, para tirar fotos da banda com o dito cujo, mas não haveria tempo e além do mais, o Eric disse-nos que Biggs, costumava cobrar U$ 200 por cada foto, o que o desanimou-o na mesma hora...
Fizemos o soundcheck, e o som estava razoável para o show.

O soundcheck da banda carioca, "Scar Soul", nessa noite no Rio.

Então, enquanto o Ajna, e a outra banda realizavam os seus respectivos ajustes em torno do soundcheck, fomos comer, e eu lembro-me que assistimos um pedaço do jogo do São Paulo FC na TV, pela Taça Libertadores da América, com o nosso baterista, fanático sãopaulino, a roer as unhas.

Porém, aí começou a bizarra noite de terror no Rio. De súbito, o corpo de bombeiros apareceu e mediante uma inspeção, resolveu lacrar a casa por absoluta falta de segurança nas instalações elétricas. De fato, era visível até para leigos, e não precisava ser bombeiro, para constatar que o estado da instalação elétrica da casa, era péssimo.

Com a interdição, o dono do estabelecimento ficou bem nervoso e houve uma ríspida discussão com os bombeiros. Sob clima tenso, a casa foi lacrada, e todo mundo convidado a retirar-se ! Não fazer o show não incomodou-nos exatamente, pois a perspectiva não era das melhores. sob o ponto de vista artístico. Mas quando o novo empresário da nossa banda foi falar em angariar apoio para bancar a nossa viagem de volta (pelo menos isso, ora bolas), o proprietário da pocilga atacou-o verbalmente com palavras de baixo calão...

Na rua, com guitarras; baixo; peças da bateria; mais bagagens, ficamos a esperar uma solução atenuadora, mas à essa altura, o clima estava tenso no submundo instaurado na rua, com tráfico de drogas a ocorrer livremente em cima dos capôs dos carros; brigas (saiu tiroteio, sem cerimônias, algumas vezes naquela noite), e prostituição de baixíssimo nível. Nervoso, e a perder a paciência conosco, o responsável pela casa permaneceu irredutível. Mediante alguns palavrões, mandou-nos sair da frente dele, e ponto final. Foi aí que um dos nossos roadies (Jason Machado estava conosco, também), que era um aluno meu (Marcos Martinez), resolveu intervir, e com a guitarra do Deca na mão, chegou a dirigir-se para o sujeito, a proferir algo do tipo : -"você sabe quanto custa uma guitarra Fender Stratocaster ? O indivíduo não fez-se de rogado e a levantar a barra da camisa, deixou à mostra o revólver "38" e respondeu : -"e você, sabe quanto custa uma azeitona no meio da testa" ?

O Marcão com quase dois metros de altura, e cheio de vontade para intervir em nosso favor, teve que conformar-se em voltarmos por nossa conta à São Paulo. Chamamos dois táxis, e quando os respectivos motoristas perceberam a nossa situação, queriam fazer um preço combinado, sem taxímetro. 

Juan Pastor e Marcos Martinez, a voltar para São Paulo, depois daquela noite bizarra...

Após uma cansativa argumentação, enfim conseguimos seguir para a rodoviária com um carro apenas e uma parte da comitiva, arriscou-se a pé, em plena Praça da Bandeira, um lugar deveras insalubre. Certamente, em condições normais, o percurso não duraria nem cinco minutos dali até a rodoviária e o preço cobrado seria mínimo, pouco além da bandeirada inicial, normal. Chegamos em São Paulo no início da manhã, muito cansados, mas com mais uma história bizarra para contar, afinal de contas. E o início do novo empresário, não podia ter sido pior; com um show não ocorrido; doze horas de estrada, entre ida e volta, e uma situação desagradável vivida, com perigos iminentes. O que não sabíamos nesse instante, é que mais histórias engraçadas ocorreriam perpetradas por esse empresário, em um futuro próximo.

Mesmo não sendo um show fechado ou produzido pelo empresário Jefferson, ele suportou essa situação, ao permanecer junto conosco nessa aventura maluca pelo Rio. E a sua primeira ação concreta para a banda foi fechar um show em uma casa noturna que na verdade, pertencia ao pessoal da banda que ele empresariava. O local chamava-se : "Pill 100 Bar" e a tal banda, "The Pills". 

 O "The Pills", em foto de seu disco, de 1995. Click de Marcia Zoet

Os rapazes que compunham essa banda, eram conhecidos do Chris Skepis, desde 1988, mais ou menos, pois o Jefferson tentou empresariar a banda que o Chris planejou formar no Brasil, assim que este voltara da Inglaterra em definitivo, e que seria uma espécie de franquia do "Cock Sparrer", a sua banda lá na terra da Rainha. Dessa banda, saiu o baixista Kuky, que é muito gente amigo nosso desde então e que anos depois faria sucesso com a banda Pop-Rock, "Pedra Letícia".



Continua...

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