quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 237 - Por Luiz Domingues

No dia seguinte, voltamos à Rio Claro-SP, uma cidade que já havíamos visitado anteriormente. Neste caso, tratou-se de uma casa que já havíamos tocado em 2001, chamada: "Kenoma", mas na verdade quando tocamos anteriormente, a casa se chamava, "Monkey", ao criar uma referência ao dono do estabelecimento que atendia pelo apelido: "Macaco". Não mudara apenas o nome do estabelecimento, mas o "Macaco" havia feito uma boa reforma na casa, inclusive ao mudar o posicionamento do palco e também ao melhorar o equipamento.

O que não mudara foi o espectro da casa, mais afeita às apresentações das bandas covers, e assim a atrair uma juventude não Rocker em essência.

Tudo bem, foram o ossos do ofício, estávamos vacinados com shows assim não tão confortáveis, e além do mais, houve ali mais uma vez a velha praxe: sempre apareciam Rockers e fãs específicos da banda, ainda que em menor contingente, em casas assim, frequentadas por jovens burgueses.  

Não ficaríamos hospedados em hotel, pois o objetivo por nós traçado foi voltar para São Paulo imediatamente após o show, e dali, a distância da capital é de apenas cento e oitenta Km, aproximadamente.

Dessa forma, após o soundcheck, quase todos resolveram passear pela cidade e eu fiz o mesmo, ao me dirigir à enorme Praça Central, super arborizada e ali localizada bem perto da casa noturna em questão.

De volta e ainda ao se constatar ser muito cedo, alguns foram dormir dentro do nosso ônibus, enquanto eu e nosso roadie, Samuel, preferimos ficar do lado de fora do ônibus, a conversarmos, sentados na calçada. Foi quando percebemos a chegada de uns três ou quatro garotos de bicicleta. Não pareciam ameaçadores, mas falavam com gírias típicas de malandros urbanos, ao se parecerem com autênticos marginais que agem nas grandes cidades. Um deles encostou uma bicicleta na parede e pediu-nos para tomar conta dela, enquanto iria supostamente comprar alguma coisa no comércio próximo e voltaria a seguir para resgatá-la. 

Incautos, eu e Samuel não detectamos nenhuma segunda intenção por trás desse aparente pedido, e lhe dissemos que tudo bem, que poderia ir, que ficaríamos ali a guardar a sua bicicleta

Os garotos partiram e a bicicleta ficou ali escorada na parede sem que suspeitássemos que algo desagradável estaria por acontecer...

Foi quando subitamente uma outra horda de malandros infanto-juvenis se aproximou, também montados em bicicletas, e o que pareceu ser o líder mais impetuoso abordou-nos com uma petulância incrível, a usar daquela verborragia incompreensível e até engraçada por conter aquelas gírias usadas por meliantes que atuam nas grandes cidades, porém, com forte sotaque interiorano.
Demorou um pouco para entendermos o que o energúmeno dizia e sobretudo, o que desejava, e a conversa se revelou sobre a tal bicicleta que o outro rapaz deixara, ser supostamente "roubada", e que ele a reivindicava. Por nos tomar como envolvidos nesse imbróglio, eles ficaram ali a nos pressionar para levarem a bicicleta embora e nesse ínterim, quando finalmente o seu suposto dono chegou com os seus amigos, a verborragia acirrou-se entre eles, e eu e Samuel tememos pelo pior, com uma briga a estourar nas vias de fato e nós ali no meio desses imbecis, sem ter nada com isso. Só me lembro que o mais impetuoso deles, não parava de repetir a frase:

-"Vamos trocar um proceder"...

E claro que o real significado dessa frase metafórica foi incompreensível para nós, ao se tratar de alguma expressão idiomática, quase um dialeto do universo paralelo em que eles viviam.

O Marcello, que estava a dormir dentro do ônibus, ficou muito irritado com aqueles sujeitos ali a gritar, e então ele saiu à janela a xingá-los, mas eles nem perceberam que o seu impropério fora desferido diretamente para eles, e ainda bem, pois se a discórdia fora entre eles, por conta da provocação, eles poderiam nos incluir na confusão e partirem para a depredação do nosso ônibus etc.

Bem, por sorte, o imbróglio ficou entre eles mesmo, a caracterizar uma rixa entre gangues rivais e assim, tais garotos partiram a se xingar, e nos deixaram em paz, e se brigaram, deve ter ocorrido longe, pois os perdemos de vista.

Depois desse evento sintomático, eu e Samuel ficamos a conversar sobre como o interior estava também contaminado por essa mentalidade e simplesmente não havia mais a pacata paz interiorana, infelizmente.  Alheios à essa situação bizarra e gratuita pela qual passamos, o restante da comitiva dormia e nem percebeu o perigo, a não ser o Marcello que se irritou, e os demais estavam a passear na aprazível praça gigante do centro, ali próximo.
Bem, passado o aborrecimento foi a hora do Rock, naturalmente

Apesar da casa estar completamente abarrotada por um público aparentemente não Rocker, o show foi bem quente e ao final, houve um assédio forte da parte de fãs a caçarem autógrafos e que nos fez ver que tocar naquela casa supostamente não adequada, fora algo ilusório.

Chegamos em São Paulo por volta das quatro e meia da manhã, e a sensação foi de cansaço, mas também de dever cumprido e satisfação pelas duas apresentações desse final de semana, que nos deram alegrias e muita sincronicidade com o público em ambas.

Aconteceu no dia 7 de dezembro de 2002, no Kenoma Bar de Rio Claro, e com cerca de trezentas pessoas na plateia. 

A próxima parada foi em: Santo André-SP, no Grande ABC.
Continua...

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