terça-feira, 30 de abril de 2013

Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 57 - Por Luiz Domingues

O Boca do Céu teve um significado enorme em minha trajetória musical. Mas mesmo assim, o fim da banda não causou-me melancolia ou insegurança alguma à época. Ao analisar hoje em dia, sinto até uma ponta de orgulho por ter sido maduro o suficiente, apesar de meus dezenove anos incompletos na ocasião, para superar essa perda, e ter tido assim, a coragem para seguir em frente. E por outro lado, ao relembrar isso, tenho um carinho muito grande pelo Boca do Céu ("Bourréebach", na sua fase final). Foi com essa banda formada por iniciantes na música que transmutei um sonho impossível em realidade, ao proporcionar-me a transição do onírico à matéria. Responsável pelo impulso inicial, que tirou-me do sonho à realidade, teve papel fundamental nessa transição. Tenho muita saudade desse tempo, principalmente os primeiros instantes, entre 1976 e 1977, onde a força de vontade foi o motor que manteve-me nessa senda. O Boca do Céu tem um significado muito especial na minha trajetória, conforme já disse anteriormente. Apesar de ter sido, tecnicamente, uma banda com parcos recursos, pelo fato de seus membros ter sido iniciantes na música, naquela ocasião (principalmente, eu mesmo). E certamente por isso, é que tem esse valor sentimental enorme na minha carreira.Tenho muito carinho por esse tempo primordial, por tudo o que vivi e não foram poucas as impressões e vivências. Foi o meio / final dos anos setenta e ainda tive o privilégio de vivenciar o final de uma Era.


Hoje, ao relatar essas reminiscências minhas, vejo muitos jovens a ouvir-me com atenção e a ostentar os seus olhos a brilhar, com meus relatos e fico contente por ter vivido essa experiência forte na música, e no Rock em específico. Tenho carinho também pela minha tenacidade juvenil. Esse entusiasmo, essa convicção e força de vontade, fizeram de minha pessoa, um músico de fato. Se fosse por vocação; aptidão natural, ou ouvido musical, jamais conseguiria. Eu só tornei-me músico e construí uma carreira com dezessete discos lançados no mercado (na somatória de todas as bandas até 2016), porque tive uma vontade ferrenha. E o Boca do Céu teve esse papel como mola propulsora, inicial e fundamental. Mesmo ao constituir-se em uma banda formada por jovens sem condições técnicas ideais para começar um trabalho autoral (com exceção do guitarrista, Osvaldo Vicino, que já tocava), acho que essa força de vontade não foi exclusividade minha e portanto, nós tivemos essa determinação coletiva ao conseguimos sair da inércia inicial, e levarmos a banda para patamares muito significativos, ao considerar-se as suas condições técnicas precárias e pela ingenuidade juvenil de seus membros. O fato de termos tocado em festivais, principalmente o FICO, com direito à transmissão televisiva, foi uma grande vitória coletiva, da qual, eu particularmente, orgulho-me. Sei que o Laert pensa o mesmo, e acho que o Osvaldo também, para citar os dois com que tenho contato até hoje (recentemente, 2013, retomei o contato com, Fran Sérpico, também).


Sou muito grato ao destino, que sob uma improvável ação perpetrada por um anúncio classificado, publicado em uma revista, colocou o Laert "Sarrumor", em nosso caminho. Com sua inteligência e talento nato, impulsionou a nossa banda. Sem ele, não teríamos evoluído tão depressa. Claro que o grosso do material mostrou-se aquém do que faríamos no futuro em outros trabalhos, tanto eu quanto o Laert, mas chegamos a ter músicas interessantes, apesar de sermos tão fracos tecnicamente. Músicas como "Revirada", "No Mundo de Hoje", "Centro de Loucos", "Serena", "Diva"; "Na Minha Boca" e “Instante de Ser”, tinham qualidade, ao considerar-se as nossas condições humildes nessa época. Anos depois, "Na Minha Boca" e “Instante de Ser” entraram para o repertório do Língua de Trapo, e fizeram sucesso nos shows, por exemplo.

Tenho saudade desse tempo pelos shows que assisti. Pelas andanças por teatros; salas de cinema; exposições; museus; palestras...
Foi uma época em que fui um consumidor voraz de cultura em geral, mas a amálgama fora o Rock, e os ideais hippies, contraculturais etc. Tenho saudade da alegria que sentia quando acordava na manhã de um sábado, e sabia que ensaiaria naquele dia. Cada ensaio representava mais um passo em direção ao sonho. O cabelo pela cintura; as batas indianas, e a calça boca de sino, com remendos coloridos... meus pais achavam que era roupa de festa junina, mas eu achava o máximo andar vestido parecido com ícones meus que assim trajavam-se, como Roger Daltrey ou Neil Young...


Continua...

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