quinta-feira, 5 de março de 2015

Autobiografia na Música - Pitbulls on Crack - Capítulo 69 - Por Luiz Domingues

E foi em meio a tal circunstância que encerramos o ano de 1995. Estava insuportável conviver com aquele estúdio, e a despeito do Geraldo ser super interessado e competente como técnico; e estar 100 % motivado pelo trabalho, tornou-se impossível gravar uma nota sequer, pois nem para levantar a equalização da bateria, conseguimos empreender.

Dessa forma, tivemos uma conversa com ele, Geraldo, e deixamos claro que não foi nada pessoal. Pelo contrário, ficamos chateados por ele também, que sofreu um forte stress naqueles dias, ao tentar administrar as adversidades e sobretudo por sentir-se frustrado em não concretizar essa produção. O Geraldo é um grande artista, e não merecia ter passado por isso, certamente. Por outro lado, o dono do estúdio ficou contrariado, mas diante daquela situação insustentável, liberou as fitas, e o próximo passo seria a gravadora entender, e apoiar-nos em nossa decisão. Tecnicamente, teríamos a compreensão do Sérgio Hinds, certamente, por ele ser músico, e ter a noção de que era impossível ficar a persistir naquele estúdio, com sérios problemas de manutenção.

O grande, Sérgio Hinds, em foto do encarte do LP "Criaturas da Noite", d'O Terço, lançado em 1975

E foi o que aconteceu em relação à sua pessoa, mas a cúpula da gravadora não gostou muito que nós tivéssemos tomado essa atitude. Dessa forma, cobraram-nos uma solução, ao invés deles aparecer com uma, já que haviam colocado-nos naquele imbróglio. Claro que isso não foi o adequado, mas também não foi hora para cobrarmos posturas, portanto... então, pensamos em uma outra solução, aliás muito alternativa. A ideia seria convencer o estúdio onde ensaiávamos regularmente, a gravar-nos, sob forma de patrocínio, alinhavado com a gravadora.

Nós já éramos patrocinados para ensaios, desde 1994, mas daí a gravar, seria uma outra história, e com a agravante em ter que estabelecer forçosamente, uma tríplice aliança com a gravadora. Fechou-se o ano de 1995, e o ano novo começaria com essa missão :  a procura de um estúdio, e a conter essa vaga esperança de que o Estúdio "Spectrum" pudesse aceitar tal proposta de nossa parte.

Como balanço final, digo que 1995 foi um ano difícil, com poucos shows; e consequentemente com poucas oportunidades para uma melhor exposição na mídia. Nesse aspecto, certamente que o bom embalo que havíamos angariado em 1992; 1993 & 1994, havia arrefecido-se. Com o distanciamento histórico, hoje fica muito fácil alinhavar motivos para tal, em forma de uma análise :
 

1) O baque estético por cantarmos em inglês, e consequentemente a perder o bonde da história, visto que se isso fora aceitável na cena do início da década de noventa, a partir de 1994, tal tendência foi duramente cerceada por uma safra de bandas que entraram no mercado de uma forma avassaladora, a trabalhar com letras em português, porém extremamente apelativas, através do uso de conteúdo chulo, e até a conter a abordagem de insinuações sob cunho de sexo explicito e / ou escatologia, e isso caiu no gosto popular (praticado por bandas tais como : "Os Raimundos", "Mamonas Assassinas" e outras). Com o advento da extrema massificação de artistas popularescos do mundo do Samba, também a enveredar pelo caminho da abordagem chula em suas letras, e a utilizar dançarinas sensuais como chamariz apelativo em suas formações, o Rock proposto pelas gravadoras majors nessa época, também seguiu tal tendência, e bandas como o Pitbulls on Crack ficaram relegadas ao limbo da cena underground e indie;

2) O grande embalo que tivéramos em 1994, com exposição midiática de nível mainstream, não foi devidamente aproveitado. Se tivéssemos tido um empresário astuto o suficiente para capitalizar tal "momentum", talvez a vida tivesse tomado outro rumo, mas o melhor que conseguimos foi o Jefferson, que teve boa vontade, mas os seus contatos eram por demais centrados no patamar underground da música profissional;

3) Outro fato, reputo ter sido por azar. Se no momento em que a gravadora Roadrunner abordou-nos, nós tivéssemos agilizado a gravação do álbum, ainda poderíamos aproveitar a onda que ainda estava em seu cume, no entanto a demonstrar-se descendente. Mas com o imbróglio gerado por eles mesmos, em termos de postergação para assinar, concomitantemente, a onda quebrou-se na areia da praia, sem que pudéssemos evitar que isso acontecesse;

4) Já em 1995, mesmo sob uma situação de inferioridade gerencial, se tivéssemos arrumado meios para viajarmos à Nova York, para gravar no estúdio do produtor norteamericano, Roy Cicala, talvez pudéssemos ter tido a chance de uma reação, até que rápida. Mas com a não concretização dessa oportunidade, perdemos de vez o embalo;


5) Muito provavelmente, a grande realização de 1995, foi ter fechado com a gravadora Velas /  Primal. Ao considerar-se tudo o que eu disse no primeiro item dessa análise, foi até surpreendente que uma gravadora sob médio porte, houvesse aparecido em nossa vida, de uma forma espontânea, pois a "onda" no panorama mainstream de meio de década de noventa, era totalmente desfavorável para um banda com as nossas características;

6) Contudo, a corroborar a ideia de que 1995 foi um ano desfavorável para nós, a aventura gerada em torno de um estúdio totalmente inadequado para uma gravação profissional, mostrou-nos que uma nova oportunidade para retomar uma onda ascendente, somente poderia ocorrer em 1996, mesmo...

Continua...

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