Estávamos reunidos com diversos amigos da banda, aquele grupo de amigos do Rubens que tornaram-se também meus amigos e do Zé Luiz, desde o começo da banda, em 1982.
Foi uma noite quente e estávamos no bairro do Bexiga, a circular pela Rua 13 de maio, sem um objetivo definido, pois A Chave do Sol não faria apresentação naquela noite, e nós não iríamos assistir uma outra banda apresentar-se. Então, o Rubens sugeriu que fôssemos à sua residência e a aproveitar o fato de que a sua família viajara, poderíamos ouvir música sob um volume considerável, pois a casa era enorme, e a possibilidade em incomodar os vizinhos, mesmo com som alto, era bem pequena pela proporcionalidade. Claro, todos aceitaram e seria muito mais agradável do que ficar a andar no meio daquela multidão de doidos e bêbados que forravam (literalmente), a Rua 13 de maio. Enfim, ao chegarmos à casa do Rubens, alguém iniciou uma conversa sobre filmagens caseiras e nesta época, começo de 1983, poucas pessoas tinham o privilégio em possuir uma câmera caseira "moderna" de formato VHS. O normal seria ter um de Super-8 e ter que revelar o filme etc.
Então o Rubens foi buscar a câmera de sua família, e todo mundo ficou encantado com a engenhoca que era moderna, e incrível para os padrões da época. Foi quando alguém cogitou a hipótese de a usarmos ali mesmo, a filmar qualquer coisa. Na hora, todo mundo contagiou-se com a ideia, e aquilo tornou-se um caldeirão efervescente. E se filmássemos pequenos sketches que criássemos ali mesmo, imediatamente ?
De minha parte, particularmente isso acendeu o meu lado cinematográfico de uma forma intensa. Ardoroso fã de cinema desde criança, enxerguei em uma prosaica brincadeira, a possibilidade de criar alguma coisa interessante. E assim, passei a mão em um bloco de anotações e uma caneta, e escrevi algumas ideias básicas em um esboço de roteiro, e os amigos compraram a brincadeira.
Foi por volta de meia-noite quando essa loucura começou, e só terminamos quando fomos vencidos pelo cansaço, literalmente, por volta das 11:00 hs. da manhã do domingo... filmamos muitos sketches malucos, a improvisar a casa do Rubens como set, e usar o mobiliário familiar com adereços, objetos de cena etc.
Não tínhamos iluminação, é claro, e dessa forma, improvisamos o reforço de luz com lanternas e abatjour, de uma forma absurda. Claro que não houve possibilidade para fazer uma edição com o que tínhamos, portanto foram filmagens com tomada única, e se não a curtíssemos, tínhamos que rebobinar e apagar para regravar em cima, no mesmo espaço. Não havia uma sequência lógica de continuidade, portanto, cada sketche foi uma historieta com começo, meio e fim. Mas como essa brincadeira repetiu-se posteriormente em noites seguintes, tentamos fazer novas cenas que remetessem há algumas antigas, anteriormente filmadas, mas não tratava-se de uma preocupação propriamente dita.
De minha parte, recordo-me bem de algumas cenas, que posso relatá-las agora.
1) Lembro-me que tivemos a ideia de colocar o Zé Luiz em uma bicicleta ergométrica, e ao som da canção :"Bicycle Race" do Queen, ele acelerou aquela bicicleta sob uma velocidade absurda e simulou a morte, ao cair no chão enquanto o "sonoplasta" da nossa equipe de produção, fazia a rotação do disco mudar e depois a tirar o pick-up da tomada, produziu a ruptura final...
2) Outra cena muito interessante foi filmada com a minha própria pessoa em ação, caracterizado como um "bruxo". Ao usar uma colcha de "chenile" da residência como capa, e o clássico chapéu de bruxo que usei em muitos shows, tive a companhia de um crânio humano, que era um ornamento do gabinete interno da casa, onde o pai do Rubens costumava trabalhar em seus textos (o Rubens afirmava ser de um antepassado da família, mas eu sempre achei tratar-se de uma réplica de material plástico, dessas usadas em clinicas médicas).
"Still" da cena que fiz nesse audiovisual, a interpretar um alquimista medieval, em busca da "Pedra Filosofal"...
Improvisei uma voz cavernosa, e fiz um monólogo a falar sobre a "Pedra Filosofal" e coisas do gênero. Ficou um absurdo de canastrice.
3) Criamos a ideia de um Circo Romano, onde o Rubens teve que lutar contra uma "fera", enquanto o "público" exigia que a fera matasse o gladiador...
A fera em questão foi um dos dois cães da raça doberman que o Rubens possuía, chamado : "Jimi", por conta do Jimi Hendrix...
Essa cena foi filmada por volta das 8:00 hs da manhã, já dia claro portanto, e ainda bem que foi um domingo, pois pessoas que passassem pela rua naquele instante, poderiam ter chamado o resgate de um sanatório, visto que foi um bando de cabeludos sentados em cima de um muro bem alto, a usar "túnicas romanas" imaginárias, que na verdade eram lençóis brancos da residência...
4) Uma cena quase cerebral foi criada para o poeta, Julio Revoredo participar. Ele jogava xadrez em silêncio contra o Celso, quando um outro "ator" (acho que era o Carlão Muniz Ventura, não tenho certeza), chegou sorrateiramente, e deu um chute no tabuleiro, quando laconicamente falou : -"cheque-mate"... qualquer semelhança com o "Sétimo Selo", de Ingmar Bergman, não foi mera coincidência...
Essas são as que lembro-me mais claramente, mas muitas outras foram produzidas. E como já disse, não resumiu-se somente à essa noite onde surgiu a ideia, mas desdobrou-se em outras noitadas, quando a residência do Rubens esteve sem a presença da família, naturalmente. Recentemente (escrevo este trecho em janeiro de 2014 e a referir-me ao ano de 2013), o Rubens mencionou no Facebook que ainda possui essa VHS. Se estiver ainda em condições de ser revertida digitalmente e postada no You Tube, seria muito bom relembrar essa loucura toda, claro, e fazer a ressalva de que seria positivo decupar o material e só postar o que não fosse absolutamente constrangedor, é claro. Foi só uma brincadeira interna, mas todos divertiram-se muito, principalmente eu, que sou cinéfilo inveterado, e brinquei de ser roteirista; diretor e até ator...
Continua...
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