domingo, 23 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 199 - Por Luiz Domingues


Chegamos ao show bem preparados musicalmente, como era a praxe d'A Chave do Sol, uma banda que teve na disciplina de ensaios, o seu ponto forte, e isso refletia-se nas apresentações ao vivo, com raríssimos casos de desajustes, e quando ocorreram, além de surpreendentes, geralmente tiveram motivações alheias à nossa vontade. Enfim, estávamos muito bem preparados e vindo de uma sequência de shows, portanto, seguros na parte musical. Porém, tivemos duas novidades para esse show : havíamos ensaiado coreografias para alguns momentos estratégicos do show; e usaríamos alguns efeitos pirotécnicos, aliás, pela primeira vez. Explico...

Em reunião, chegamos à conclusão de que precisaríamos incrementar o nosso show com mais atrativos visuais, para chamar a atenção de um público diferente, que era necessariamente constituído por aficionados do Hard / Heavy oitentista, que estavam habituados a assistir shows de bandas com forte apelo visual. Claro, dentro de nossa realidade financeira e logística, mas a tentar sermos criativos ao máximo. Nesses termos, resolvemos dar uma incrementada no visual, tanto no quesito do figurino, quanto no mise-en-scené. 

Desde o início das atividades da banda, as respectivas personalidades do trio original, imprimiam as suas características acentuadas, de uma forma natural. O Rubens tocava praticamente estático, circunspecto em sua atenção ao instrumento, e só chamava mais a atenção, verdadeiramente, quando evocava Jimi Hendrix, ao estabelecer ousadas evoluções performáticas, como tocar com a guitarra colocada na nuca, ou a usar os seus dentes. Queríamos que ele realizasse uma performance mais efusiva, no entanto, demorou muito para que ele começasse a soltar-se mais no palco, fato que só começou a ocorrer bem depois, ainda que aquém do que eu e Zé Luiz pedíamos à ele. No caso do Zé Luiz, pelo fato de ser baterista, certamente que ele tinha muito menor possibilidade em incrementar a sua mise-en-scené, entretanto, mesmo com essa dificuldade motora óbvia, ele mantinha uma tremenda performance ao meu ver, além da conta do que um baterista geralmente fazia, e claro que isso foi ótimo para a banda. 

O Fran Alves apresentava uma presença de palco muito boa, ainda que muitas críticas eram desferidas à ele, pelo excesso de dramaticidade. Particularmente, eu reconheço que ele poderia dosar com um pouco menos de ímpeto, todavia, mesmo assim, eu considerava bonita essa entrega cênica dele, que agia como se cada show fosse um evento épico, a revelar-se como uma verdadeira encenação digna de um filme épico de Cecil B.De Mille. Não quero passar uma imagem de soberba, mas creio que a minha performance de palco dentro d'A Chave do Sol, era a mais frenética, normalmente e por tal fator que tornou-se visível, eu criei uma fama entre certos agentes da mídia e também entre os fãs da nossa banda, que eu seria um suposto "seguidor" do baixista do grupo de Heavy-Metal, Iron Maiden, um rapaz chamado, Steve Harris. Eu entendia quando esses comentários surgiam, e chegou-se em um ponto onde na mídia escrita, essa referência fora comentada como uma verdade absoluta, mas internamente, eu sabia que tais comentários referiam-se ao fato de que eu mantinha uma performance muito frenética no palco, por exagerar muito na mise-en-scené, e nesse caso, como consequência, associarem-me ao baixista britânico, que também era reconhecido como um artista que apresentava tal tipo de performance no palco. Todavia, na prática, era um absurdo tal comparação, pois eu jamais gostei de Iron Maiden, nem ao menos do Heavy-Metal como um todo, e toda a minha formação Rocker, fora baseada em estéticas oriundas dos anos sessenta e setenta. Tive inclusive, problemas com esse tipo de autoafirmação pessoal, que comentarei no momento oportuno. Todavia, de volta ao tema, apesar de agitar muito no palco, eu concordava que a banda precisava de um ajuste, para buscar algum elemento novo em termos coreográficos, para chamar a atenção ainda mais, quiçá a traçar uma diferenciação em relação à outras bandas.
Então, decidimos criar algumas coreografias específicas para alguns momentos do show. Sem dinheiro para contratar um coreógrafo profissional ou cursar aulas de dança, reunimo-nos e criamos alguns movimentos básicos, que gerou um efeito visual chamativo em pontos especiais observados em algumas músicas, e concomitantemente a isso, programamos explosões com pólvora para sincronizar tais movimentos. A criação de tais coreografias, foi coletiva. Apenas o Zé Luiz detinha uma certa supremacia no assunto, ainda que muito indiretamente, pois ele houvera iniciado e interrompido a seguir, o curso de educação física em uma faculdade, antes de entrar n'A Chave do Sol, em 1982. O que teve a ver ? Ao menos, ele comandava uma sessão prévia de aquecimento e alongamento antes dos ensaios, para não contundirmo-nos... 

Enfim, a criação das coreografias foi inteiramente coletiva e livre, mas chegamos, por incrível que pareça, a um resultado interessante, ao considerar-se termos sido completamente leigos nesse assunto. Tratou-se de evoluções simples, baseadas em marcações dentro de momentos estratégicos e por nós escolhidos das músicas, onde cruzaríamos o palco, cada um para um lado, com a certeza de que não trombaríamos uns com os outros, e o Zé Luiz usaria movimentos de braços, ao cruzar as baquetas (efeito que ele já realizava muito bem, como malabares), para acompanhar os outros três. E, sob um segundo movimento, dávamos piruetas sincronizadas, em um determinado momento energético da música, "Ufos", um de cada vez e sincronizadamente, para causar um efeito visual bastante instigante. Na questão da pirotecnia, o próprio Zé Luiz (quem mais poderia colocar a mão na massa, a não ser o "professor Pardal" da banda ? ) criou o sistema, que era bastante mambembe sob o aspecto da simplicidade, mas funcionou perfeitamente ! 

Mediante latas de achocolatados; fios elétricos e plugs, as explosões eram provocadas com o advento de pólvora, e o curto circuito provocado pela inversão das polaridades nos fios condutores, acionado por um interruptor, idêntico ao de luminárias caseiras. Ao ver-se o aparato, parecia uma brincadeira de criança, ou experiência escolar de uma "Feira de Ciências", mas na hora dos shows, funcionava perfeitamente. Dessa maneira, fomos ao Buso Palace munidos dessas novidades, que contarei a seguir, com maiores detalhes.

Continua... 

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