O outro fato desse mês, antes de falar dos dois shows e comentar o andamento das gravações do novo disco, deu-se em relação à capa do álbum. Como já comentei anteriormente, estávamos muito críticos em relação aos esboços (rafs) que o ilustrador, Líbero, estava a providenciar. Não tínhamos dúvidas de que ele era um bom desenhista, mas não estávamos a aprovar tais desenhos prévios, simplesmente. No entanto, foi o tal negócio : ao ver hoje, vinte e oito anos depois (quando escrevi este trecho em 2013), e com a experiência acumulada, tenho a certeza de que nós tivemos muita culpa nesse processo, senão, culpa total. Nós alimentamos uma ideia para o Líbero, e ele trabalhou o tempo todo nela. Os traços que eram modernosos, portanto oitentistas, foi fruto de nosso próprio pedido, pois queríamos uma imagem coadunada com a época, só que, paradoxo total, a época revelava-se como o supra-sumo do baixo astral estético, sob qualquer ponto-de-vista ! Portanto, como ele poderia trazer um traço diferente, se havíamos pedido contemporaneidade ?
Outro fator preponderante : o mote que pedimos-lhe, fora de um extremo mau gosto. Tremendo de um clichê , essa história de "sensualidade & agressividade", expressas através de uma mulher seminua, e um animal feroz, é vergonhosa, ao meu ver. Não sei o que o Rubens e o Zé Luiz pensam sobre isso hoje em dia, e o Fran Alves não está mais entre nós, mas de minha parte, acho tal conceito, um horror.
Bem, de volta à cronologia, o Líbero fora solícito e demonstrava ter uma paciência enorme para conosco, mas chegou-se em um ponto onde não deu para postergar mais, e além do mais, o Luiz Calanca pressionava por uma resolução final desse lay-out, pois já possuía um prazo definido para entregar a arte-final, à gráfica.
Naquela época, demorava-se dias para a gráfica preparar um fotolito e daí, mais algum tempo para efetuar-se algumas correções de cores que precisavam ser corrigidas para o cliente dar o seu aval, e só então, a produção ser tocada adiante. Portanto, para conter capa e encarte em mãos, o produtor fonográfico precisava de um bom tempo e muita paciência, com várias visitas ao parque gráfico, para finalmente ter o produto em mãos. Dessa forma, uma reunião foi marcada no atelier do Líbero, e uma cena constrangedora ocorreu. O Líbero era um rapaz solícito e sempre tratou-nos muito bem, apesar de termos sido tão confusos em nossas reivindicações feitas para ele, mas naquele dia em específico, acho que foi o clímax da controvérsia. Ocorreu que ele anunciou que veríamos a capa finalizada, e para tanto, criou um suspense, ao deixar a arte final escondida, encoberta por um pano. Quando entramos, ele desligou a luz do atelier e a deixar apenas algumas luminárias sobre o tablado de trabalho, tirou o pano, ao estabelecer em tal instante, quase um ato de inauguração de uma obra com alto teor artístico. E o era, afinal de contas, claro que sim, uma oba de arte ! No entanto, a nossa reação foi a pior reação da noite, pois os quatro componentes da banda, em uníssono, observaram uma expressão de decepção, indisfarçável. O clima ficou desolador, e ele só resmungou, algo do tipo : -"é...vocês não gostaram"... de fato, a sensualidade da garota estava ali; a agressividade de um animal feroz, idem; e a música representada pela guitarra, também.
Todavia, os traços oitentistas não deixavam em incomodar-nos. A garota, praticamente a parecer uma "punk de boutique", daquelas que frequentavam templo Pós-Punk, "Madame Satã"; a guitarra modernosa; o bicho "feroz" mais a parecer-se um desenho do "Balão Mágico", francamente... como gostar disso ? E mais uma vez realço : o Líbero não teve culpa alguma nesse processo. Todas as ideias e diretrizes que demos-lhe, foram seguidas à risca. Se os traços foram "modernosos", foi um pedido nosso, sem dúvida. A contracapa, mais razoável pela simplicidade, com as quatro fotos dos membros, amenizou a decepção geral.
Essas três fotos acima são inéditas, e extraídas da sessão de onde escolhemos as fotos de Zé Luiz e Rubens para compor a contracapa do álbum
As fotos de Rubens e Zé Luiz, foram feitas de forma emergencial, em um estúdio fotográfico de bairro, perto da residência do Rubens. Usávamos esse estúdio para mandar revelar fotos de shows e também as promocionais, desde 1983.
A minha foto era ao vivo, de fato, e foi extraída do show que fizéramos no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em 1984; e a foto do Fran Alves, foi capturada no show do Buso Palace, muito recente, embora tenhamos tentado uma alternativa de estúdio, como no caso de Rubens e Zé Luiz. Para amenizar o clima constrangedor que cometemos naquela noite, o Líbero convidou-nos a vermos a finalização do encarte, o último item que faltava.
Com o recorte da ficha técnica impressa em mãos, ele fez a colagem, e foi criativo ao borrifar tinta nanquim, a obter as manchas que perfazem o fundo.
O texto da ficha técnica foi criado por eu mesmo, Luiz Domingues, e o Luiz Calanca providenciou a sua impressão, pré-Lay-Out. Assim foi a história da criação da capa do EP de 1985...
Continua...
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