sábado, 1 de novembro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 185 - Por Luiz Domingues


Logo no início de abril, uma entrevista relâmpago foi marcada para as bandas da cooperativa, no centro da cidade de São Paulo, para um jornal mainstream, a Folha de São Paulo ! Nesse dia, o telefonema inesperado isolou-me, pessoalmente, pois o procurado foi o Rubens, bem na hora em que eu estava na rua, a dirigir-me ao ensaio. Com a repentina convocação, não houve tempo hábil para que os demais esperassem pela minha chegada e sendo assim, o Rubens ligou para o Zé Luiz, e ambos mobilizaram-se para representar a nossa banda, em tal entrevista. Por isso, não estou na foto coletiva dessa matéria, tampouco o Fran Alves, com a presença de representantes de todas as bandas da dita cooperativa paulista de Rock. E o interessante, foi que além de ter sido matéria de quase página inteira, deu margem para que cada banda falasse um pouco de seu trabalho, ao sair um pouco da pauta coletiva, e além da foto, teve o adendo de ser republicada ipsis litteris e no mesmo dia, também no jornal : "Folha da Tarde (que pertencia à Folha, logicamente), e também em um jornal de Santos, no litoral de São Paulo.

Com pequenas mudanças na diagramação; manchetes diferentes e fotos diferentes (mas da mesma sessão), o teor da matéria, contudo, foi rigorosamente igual. 

Tudo isso foi muito positivo, é claro. Constar em uma  reportagem com quase página inteira, em três jornais mainstream, no mesmo dia, produziu uma repercussão e tanto, e todos ficamos contentes com essa ação da parte do empresário, Mário Ronco, que mostrou eficiência, logo de início. Mas houve os aspectos negativos, infelizmente, também...

1) Claro que a repórter designada para elaborar a entrevista, pautou a sua condução por um festival de preconceito; maneirismos e até alfinetadas desdenhosas, ao demonstrar um certo escárnio enquanto colhia opiniões, mesmo dos mais maduros, e a cometer reducionismos tolos, ao dimensionar as pessoas ali presentes, como criaturas infantiloides. Por exemplo, eis algumas colocações de sua parte : "netos do Deep Purple e do Black Sabbath; primos pobres do Scorpions, AC/DC e Ozzy Osbourne, os metaleiros paulistanos querem vir para vencer". Outra pérola : "só usam cabelo comprido, por que dá movimento no palco. Preferem as roupas pretas e não estão habituados a comer morcegos no palco". E outra, no mínimo, desdenhosa : "os rapazes garantem que esse negócio de metaleiro não gostar de mulher, é tudo mentira".

2) Claro, as fotos mostram cabeludos a gritar, gesticular e criar celeuma em plena avenida São João. Eu não estive presente, mas posso imaginar o tipo de orientação que o repórter fotográfico da Folha, passou para colher tais "poses"...

Sou um "cabeludista convicto" (como dizia Odorico Paraguassu...), mas na hora em que li a matéria, apesar de comemorar o benefício que produzir-se-ia, e claro que mensurei os aspectos negativos de uma abordagem desdenhosa, ao tentar denegrir a imagem das bandas. Não que arrependesse-me e desejasse estar na trincheira do outro lado, com os Post-Punkers, mas deste lado de cá, também não foi uma trincheira adequada e confortável, sem dúvida alguma. Esse sentimento de deslocamento norteou a história d'A Chave do Sol, durante sua carreira inteira e não foi por nossa culpa, por um único detalhe cronológico : estávamos na década errada... se estivéssemos nos anos setenta, não teríamos esses conflitos de identidade, certamente. Bem, tudo isso é análise a posteriori, com distanciamento histórico super confortável... pois no calor do momento, o sentimento de que essa matéria em três jornais de grande circulação houvera sido benéfica, foi mais forte, apesar de eu ter tido a plena consciência dos pontos negativos, ali mesmo, no calor dos acontecimentos.

Na Folha de São Paulo, a manchete foi : "Rock pesado de São Paulo já tem cooperativa". Na Folha da Tarde : "O Rock amargo da periferia". No jornal de Santos : "A prole metaleira de São Paulo explode na Praça do Rock". Todas as publicações saíram em suas respectivas edições do dia 2 de abril de 1985. De certa forma, tal exposição ajudou a impulsionar diversos shows que tivemos agendados para o mês de abril, certamente. 


E no mesmo dia, uma nota curiosa saiu no caderno de cultura, sobre televisão, do jornal "Folha da Tarde", a citar-nos, com outro enfoque : a TV Cultura de São Paulo estava a anunciar a gravação de um novo programa musical, e o piloto a ser gravado para tal atração, teria a nossa participação, além de outros artistas tais como :  "Smack";"Incoerentes", e o casal Eduardo Araújo & Silvinha. Seria apresentado pelo ator, Chiquinho Brandão (que era famoso na época, por interpretar o "professor Parapopó" do infantil, "Bambalalão", da mesma TV Cultura, além de ser muito reverenciado no mundo teatrl e do cinema nacional). 

O programa iria chamar-se : "Trilha Sonora", e certamente teria sido uma tentativa para conquistar as viúvas ressentidas do extinto programa : "A "Fábrica do Som". Sabíamos dessa manifestação de bastidores, e realmente estávamos convidados para participar do piloto, mas essa gravação nunca ocorreu, infelizmente, pois a TV Cultura abortou o projeto. Ficamos pois apenas com essa nota no jornal, lamentavelmente... 


Continua...

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