terça-feira, 22 de abril de 2014

Autobiografia na Música - Pitbulls on Crack - Capítulo 20 - Por Luiz Domingues

Os próximos shows foram com multidão. No dia 3 de abril de 1993, fomos convidados a participar de um micro festival ao ar livre, com o palco montado na porta da loja de discos, "Woodstock".

Essa loja era (é), muito tradicional em São Paulo, e nos anos oitenta, fora predominantemente frequentada por admiradores do Heavy-Metal, e durante anos, foi um ponto de encontro aos sábados para tal "tribo", quando chegou a reunir centenas de pessoas na calçada próxima a uma das saídas da estação Anhangabaú, do Metrô. No momento noventista, havia perdido muito de sua força, mas ainda tinha fôlego como loja, e a maior prova disso, é que existe (e muito bem, obrigado), até os dias atuais (2014). O festival teve algumas bandas da cena indie noventista, e alguns expoentes do Heavy-Metal. Sinceramente só recordo-me da presença do "Anjo dos Becos" e do "Viper", ao nosso lado. O equipamento disponibilizado para o evento não foi dos melhores, mas para o Pitbulls on Crack, que era uma banda de Rock'n Roll visceral e bem básico, tal falta de maior refinamento no áudio não chegava a atrapalhar decisivamente a performance. Mas claro que foi incômodo tocar sob tais condições...
Duas lembranças extra show vem-me à cabeça :
 

1) No camarim improvisado, no escritório reservado da loja, uma rodo formada por músicos conversava tranquilamente enquanto aguardava-se a hora dos shows iniciar-se, quando surgiu uma conversa a falar sobre o comportamento do público de Rock nos anos 1960 e 1970, muito diferente da postura agressiva e alheia, adotada a partir da "revolução punk" de 1977, com o público quase que a expressar ódio ao artista no palco, a ponto de cogitar-se até a agressão física, de fato, em muitos casos. Claro que argumentei sobre isso e expus a minha visão, a denunciar o estrago causado em termos dessa mentalidade anti-musical, e iconoclástica. É óbvio que nunca simpatizei com "rodas de pogo" (é show de Rock ou rebelião na penitenciária ?); "Stage Dive" / "Mosh", e outras práticas que mais parecem denotar que a música não importa para essa gente, e diante de tais fatos, como poderia concordar com tal predisposição ?

No entanto, um componente da banda, "Anjo dos Becos", exaltou-se com a minha opinião, e simpatizante de tal filosofia, passou a falar que minhas ideias eram ultrapassadas, e estavam lá atrás no Festival de Woodstock, coisa de "hippies e bichos grilos" etc. Dizia que eu "não entendia", que o público "moderno" de Rock, fazia essas coisas, porque queria "divertir-se"...
Ora, ora... que comprasse uma luva de boxe e esmurrasse as paredes de sua casa a ouvir os discos de suas bandas prediletas, então, pois o efeito seria o mesmo enquanto diversão e dispêndio de energia infantojuvenil, não é mesmo ? O que ele "não entendia", foi que a magia do Rock fora para o ralo quando institui-se que o artista não tinha mais importância, e saber tocar um instrumento era "coisa do passado", pois o "hype" passou a ser : formar bandas com gente que não sabe tocar, e por não saber tocar, ninguém interessar-se por sua música mal feita, e esta só a servir como pano de fundo para estripulias juvenis truculentas, como as que citei acima. Esse rapaz na verdade era um sujeito inteligente e gentil, mas a sua mentalidade mostrava-se arraigada sob um paradigma errôneo, cuja formulação não fora por culpa dele. Na verdade, foi mais uma vítima dessa desgraça perpetrada pelos famigerados : "formadores de opinião". Nesses termos, o melhor foi encerrar a conversa, pois essa turma que pensava dessa forma, era adepta da máxima sintetizada em uma malfadada gíria em forma de palavrão, e que denotava o absoluto nivelamento por baixo nos parâmetros culturais. Para eles, tudo, absolutamente tudo, era definido da seguinte maneira : "É ducaraio, véio". Triste.

2) É fato consumado que muitos rockers brasucas ligam-se em futebol, e nos bastidores de shows, é muito comum que sempre haja uma movimentação extra, com muita gente a buscar um monitor de TV, ou no mínimo um radinho de pilha para saber dos resultados da rodada, em dias de jogos...

Dessa maneira, havia uma certa celeuma por parte de alguns, e claro que incluí-me nesse rol, a tentar buscar informações sobre o jogo que acontecia naquele momento, válido pelo campeonato paulista de 1993 : Palmeiras x Santos, no Morumbi. Muitos palmeirenses ali presentes, comemoraram a virada do time e o resultado final em 2 x 1, quando já começava a anoitecer e aproximava-se a hora do Pitbulls on Crack subir ao palco. Foi quando um ônibus lotado com torcedores do Santos, passou, e claro que um palco com bandas de Rock a tocar ao ar livre e uma multidão de cabeludos, virou um prato cheio para o bullying inevitável dos sujeitos, a gritar impropérios das janelas do veículo. Foi quando sob uma reação imediata, vários que ali estavam presentes e sabiam do resultado da partida, retrucaram a ironizar os santistas, ao fazer menção ao resultado do jogo. Os santistas enlouqueceram e ameaçaram precipitar a parada do ônibus para descer e procurar as vias de fato, e nesse caso, não seria nada surpreendente vindo deles, que eram membros de uma das mais tradicionais torcidas uniformizadas daquele clube, e com longo histórico de truculência no seu currículo. Não pararam, mas se viessem, não teriam facilidades, pois havia também um bom contingente de adeptos do Heavy-Metal, os tais headbangers, e esses sujeitos também não gostavam de levar desaforo para a casa, enfim. A seguir, no dia 10 de abril de 1993, tocamos no "Garage Rock", uma casa de shows que localizava-se em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Tocamos junto com bandas como : "Anjos dos Becos"; "Jazzumbi", e "X-Rated". O público foi muito bom, com cerca de mil pagantes, e como o local era enorme (literalmente uma garagem imensa), organizamos um futebol entre bandas para espantar o tédio inevitável, decorrente da demora entre o soundcheck, e a hora do show.

Começou com uma tampinha de garrafa, mas logo improvisaram a clássica bola de meia, a conferir mais "qualidade" à disputa...
Como salientei acima, acho que desde os Novos Baianos, o futebol tem papel importante entre Rockers brasucas. Outra curiosidade engraçada foi que um membro de uma das bandas foi surpreendido pelos seguranças da casa, a vontade com uma groupie, embrenhados na parte abaixo do palco, entre as estruturas metálicas de sustentação. Não vou revelar quem foi, mas digo que tratou-se de alguém bem conhecido de todos nós.

E o próximo compromisso, foi participar do tradicional programa ao vivo da Rádio Brasil 2000 FM, que era muito cobiçado pelas bandas, não só de São Paulo, devido a sua boa audiência e sobretudo pelo formato. Isso porque era um programa que permitia às bandas, tocar por uma hora, com entrevista intercalada. E assim, apresentamo-nos no dia 3 de junho de 1993, com a presença de cerca de dez pessoas convidadas apenas, pela dimensão diminuta do estúdio, e entrevistados pelo jornalista / locutor Osmar "Osmi" Santos Jr., idealizador do programa.

Eis abaixo uma versão de "The Shadow of the Light", dessa apresentação na Brasil 2000 FM, em um promo criado em 2015, com a ajuda dos produtores  : Fernando Ceah e Jani Santana Morales, especialmente para o You Tube :



Eis o Link para assistir no You Tube : https://www.youtube.com/watch?v=R1RQ7CGKEOg&feature=youtu.be
 
Abaixo, a versão de Cracked Actor, do David Bowie, e que adorávamos fazer, principalmente eu e Chris, porque gostamos muito do mestre camaleão; dos "Spiders From Mars" e toda a cena do Glitter Rock britânico e setentista.


Eis o Link para assistir no You Tube :
https://www.youtube.com/watch?v=nA1oAjzFB6Y

Foi uma apresentação muito divertida com muitas piadas no ar, é claro, a ser proferidas pelos humoristas natos do POC. Tocamos oito músicas nessa apresentação no programa : "Clip Independente" : "Under the Light of the Moon"; "The Shadow of the Light"; "Cracked Actor"; "Answer Machine"; "Back in the Junkyard"; "Killers"; "Never Mind"; "Candle Light"e "Ticket to Ride".
"Cracked Actor" e "Ticket to Ride" eram releituras, do David Bowie e The Beatles, respectivamente. Dali em diante, começariam as gravações da nossa participação na coletânea "A Vez do Brasil", nome do programa da 89 FM, que ironizava a famigerada "Voz do Brasil", e só tocava bandas nacionais (uma atitude nobre, sem dúvida).

Continua...

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