domingo, 6 de abril de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 114 - Por Luiz Domingues


Passado esse show da Danceteria Radar Tantã, o foco seria enfim o lançamento do compacto simples, a conter as canções : "Luz"/ "18 Horas", com dois shows a ser realizados no Teatro Lira Paulistana. Conforme já disse anteriormente, para esses shows, nós concebemos várias inserções dramatúrgicas a visar impactar e diferenciar a estrutura de um show de Rock tradicional, onde só a performance musical era / é geralmente produzida, como sob um recital meramente musical, sem outros atrativos. 

E a base literária dessa loucura que queríamos realizar, seria respaldada logicamente pelo poeta, Julio Revoredo. E logo no início do show, um texto hermético haveria por causar um choque no público Rocker, não acostumado a tal erudição avant-garde da parte do poeta, Julio Revoredo. Vou publicar esse texto na íntegra e explicar detalhadamente como ele foi declamado na performance do show, mas antes disso, preciso retroagir um pouco para comentar como deu-se a primeira colaboração do poeta Julio Revoredo como letrista d'A Chave do Sol.

O poema : "Vestido Branco", foi feito sob encomenda. Nós tínhamos a música e a melodia definidas, quando pedimos ao poeta, a sua colaboração, para que elaborasse a sua letra. A música era uma balada dentro do espectro da Soul Music clássica, bem no estilo "Motown" e particularmente eu gostava muito dela. O Julio  entregou-nos a letra e daí, nós adotamos o título por ele sugerido : "Vestido Branco". 

Infelizmente, a música foi descartada ainda ao final de 1983, por destoar esteticamente da linha que adotaríamos posteriormente, por conta de nossas vãs tentativas em buscar adequarmo-nos ao mercado da época. Esforço inútil, pois só dar-se-ia bem, os que comungassem pela cartilha da estética do Pós-Punk, e ponto final. Contudo, quando se está em meio a um furacão, não há margem para divagações e no desespero, agarramo-nos em qualquer coisa que passar perto. E foi o que fizemos, ao descartar uma canção de potencial Pop muito forte, como teria sido : "Vestido Branco". 

Enfim, se lamento o engavetamento de uma música boa como "Vestido Branco", isso ainda piora se levarmos em conta o fato de que não existe um único registro, ainda que mal gravado, dessa canção. Só tenho fragmentos oriundos de fitas K7, gravadas em ensaios. Eis a letra de "Vestido Branco" e depois, mergulho no relato sobre os shows do Lira Paulistana.

 "Vestido Branco"

Há uma noite em algum luar

Um doce mistério a se desvendar

Cortinas brancas

Lábios, um sonho, um tom

Como tocar ?

Cabelos loiros

Um intenso olhar que tenta crer no ato de se dar

Que tenta crer no ato de se arriscar

Há uma noite em algum lugar

Vestida de sonhos e de paz

Para vestir a nua carência que insisto em tirar

Num vestido branco de linho a rodar."


Na folha de caderno onde ele entregou-nos o manuscrito, continha a data de 25 de julho de 1983, quando a finalizou. Nós concluímos a sua musicalização ainda antes de impressionarmo-nos com os boatos que mudariam a nossa direção artística, e dessa forma, ela seria descartada do repertório, assim como outras músicas, tais como : "Superstar"; "Reflexões Desconexas"; "Intenções"; "Utopia"; "A Dança das Sombras", e "Átila", ainda em 1983. E hoje em dia, arrependo-me muito pelo descarte dessa material citado, que tinha muito mais a feição d"A Chave do Sol mais pura em suas escolhas, em seus primórdios.
Continua...

2 comentários:

  1. Não tinha noção que no Radar Tantã tocava banda de rock. Foi esteriotipado em salão New Wave na minha cabeça.

    Que letra linda do Vestido Branco, uma pena não terem material gravado, ao menos em uma basf velha.
    A frase "Para vestir a nua carência que insisto em tirar" é arrepiante.

    Vivi a adolescência nos anos 80 em outro mundo, mas sei que não foi fácil para quem não vestia a carapuça pós-punk e os 90 também foi de doer.

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  2. De fato, o Radar Tantã tinha toda a estética da New Wave como mote, mas era apenas uma casca, um item decorativo.

    Fechada com a ideologia do Pós-Punk e seus derivados, eram mesmo a Danceteria Tífon, e a casa noturna, Madame Satã.

    Fora disso, todas as Danceterias de São Paulo e Rio, tinham essa ambientação oitentista, mas eram mais brandas na escolha de suas respectivas programações musicais.

    Esse poema do Julio Revoredo era de arrepiar mesmo, e de certamente é um raro exemplo de uma letra que ele escreveu buscando uma simplificação muito grande, pois o seu estilo natural é o hermetismo, com bastante erudição.

    Acho os anos 90, mais brandos que os 80, em vários aspectos. Podem não ter sido redentores, e não foram mesmo, mas havia muito mais liberdade. Nos anos 80, eu me sentia um membro da resistência francesa, vivendo no esgoto, e fugindo das milícias nazistas; agentes da Gestapo, tropas da SS...

    Valeu por comentar, e perdão por só responder com grande espaço de tempo. Realmente não tinha visto o comentário postado, pois o Google não me avisou à época e só achei-o, quando revisitei o capítulo para fazer revisão gramatical.

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