Tive uma sensação estranha essa manhã, ao acordar; tive um feeling, se me
permitem usar essa palavra inglesa para definir o sentimento que me tomou.
A
sensação de que estava me faltando alguém. Ora, sou solteiro a muitos anos,
desde que nasci. E minhas namoradas nunca permaneceram mais que quatro dias na
minha cama. De modo que acordar sozinho é o meu cotidiano. A alma já era para
estar mais que acostumada.
Essa manhã, porém, foi diferente. Não houve nem conformismo nem consolo pela
clara falta que havia, acrescentada da sensação de vazio mais impotência.
E
veio a melancolia da banda que faltava. Eu poderia até chorar um pouco de
saudade pela falta real de alguém que eu sentia, claramente. Descobri,
perplexo, que eu sou eu mais alguém que falta. Isso é tão comovedoramente
romântico quanto trágico.
Quem é ela? Quem é a outra que não acordou comigo hoje? A outra que é minha ?
Existe alguém no meu coração, na minha vida, na minha alma. Mas não dormimos,
infelizmente (minha boca enche de água e deve haver uma atmosfera soturna ao
meu redor quando lembro disso, uma espécie de sombra pela falta desse pequeno e
fatal detalhe amoroso).
Seria dela a estranha saudade de hoje? Uma saudade única e comprometedora? De
quem dei por falta hoje, ao acordar? De um anjo que não me velou? Um amor de
outra vida ?
Não era apenas um sentimento de solidão. Era como se alguma parte de mim, outra
pessoa (não alguma compensação psicológica) estivesse me faltando e me
enfraquecendo, como se faltasse-me um membro com a falta dela. Era como um
absurdo eu estar acordando só.
Esse acontecimento soa-me sobre a vida deveras revelador, tanto como sou mais
que penso como de perplexidade de saber que outra vida, que não sei por onde
vai, vai levando a minha junto. Só resta saber porque deixa-me, a tantos e
tantos anos, acordar impiedosamente só. E por que só hoje dei-me conta dessa
saudade infinita ?
Talvez desde o Éden essa parte de mim esteja apartada. Mas só hoje,
verdadeiramente, dei-me conta da sua real e tangível existência.
Pode ser que aquela que hoje me toma o coração tenha alguma participação nesse
mistério, pois fora dela não há nem o sonho de outra Eva, nem a esperança de
outro paraíso.
Alguns que se pensam realistas dirão que tive um surto e tentarão até explicar
o fato perceptivo com alguma definição psiquiátrica. Outros me acusarão de
sonhador, rótulo nem sempre cabível a mim, xerife da selva. Terceiro nem
saberão do acontecido, por falta de cultura ou interesse.
Mas a realidade que já torna-se prolixa de tão certa é que dei por falta do meu
amor, um amor que é mistério e certeza, ainda que temporariamente apartado de
mim pelo ilusório tempo e o não menos ilusório espaço, um amor que me faz
reconhecer a minha incompletude e faz saber que hora haverá em que as
misteriosas leis do universo trazer-lo-á de volta a mim, árvore e fruto dessa
fatalidade divina.
Essa crônica foi extraída do livro "A Ilha".
Marcelino Rodriguez é colunista esporádico do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui faz uma reflexão sobre o tema da "solidão".
Neste meu segundo Blog, convido amigos para escrever; publico material alternativo de minha autoria, e não publicado em meu Blog 1, além de estar a publicar sob um formato em micro capítulos, o texto de minha autobiografia na música, inclusive com atualizações que não constam no livro oficial. E também anuncio as minhas atividades musicais mais recentes.
sábado, 23 de novembro de 2013
A Falta - Por Marcelino Rodriguez
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Maravilhoso! Comovente!
ResponderExcluirConviver com nossa incompletude, esse é o grande desafio.
Giu Furlan
O escritor Marcelino Rodriguez é um craque nessa arte de colocar no papel, sentimentos que temos dificuldade de expressar, normalmente.
ResponderExcluirO Blog agradece sua visita, leitura, e comentário elogioso ao nosso colunista, Giulianella !
Acredito que todo ser humano, um dia se sentiu assim. Muitas vezes estamos cercados de inúmeras pessoas e nos sentindo só. A maioria das pessoas que conheço e que vivem sozinhos, acabam se acostumando. Muitos preferem viver assim até o final de suas vidas. Eu, sinceramente, fiz a opção de estar só, porque a vida separou de mim, a pessoa que eu havia procurado e sonhado em todo o percurso da procura da companhia ideal. E se separou, então não era real.
ResponderExcluirAcredito também, que todos que lerem esse texto maravilhoso e profundo do escritor Marcelino, acaba de certa forma se identificando.
Parabéns escritor Marcelino. Você expressa com tanta simplicidade um assunto tão complicado. rs
Verdade, Bete !
ExcluirPode ser encarada como uma opção, a vontade de estar só, mas convenhamos, são poucas as pessoas que fazem tal escolha, considerada "exótica" pela maioria que tem como paradigma, a formação de casais como meta de felicidade e estabilidade emocional e social.
Muito feliz por sua participação, agradeço sua leitura, manifestação e elogios à crônica do colunista Marcelino Rodriguez, em nome do Blog !
Acompanhe sempre a coluna dele, que é orgulho deste Blog !