sábado, 16 de novembro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 132 - Por Luiz Domingues


Domingo, 8 de julho de 1984... eu estava convicto sobre o que decidira, ter sido o melhor para a minha carreira, sem dúvida. Todavia, por tudo o que já exprimi amplamente nessa narrativa, nas últimas semanas de junho, e início de julho de 1984, eu estava com o coração apertado por essa despedida. E claro que o último show foi muito difícil sob todos os aspectos. 

Todavia, decisão tomada e irreversível, precisava enfrentar a melancolia da despedida, fora os olhares pouco confortáveis dos companheiros, e o que mais doía-me, fora o do Laert, sem dúvida, pelos anos de amizade, mas sobretudo por termos caminhado juntos desde a nossa primeira banda na carreira de ambos, o Boca do Céu, no longínquo ano de 1976. Enfim, tarefa nada fácil... 
Para piorar o meu estado de ânimo, na noite de sábado, após ter feito o meu penúltimo show, quando fui levar a minha namorada em sua casa, fui surpreendido com sua decisão súbita de rompimento de relação, da parte dela. Cáspite, como assim ? Pois é, Dona Débora não tinha dado nenhum sinal de descontentamento com o namoro até então, mas justo naquela noite melancólica que eu vivia por conta da minha despedida da banda, eis que ela veio com essa... ao alegar a famosa incompatibilidade de gênios etc e tal. Não tratava-se de um relacionamento longo e nem foi o caso para desestabilizar-me pelo rompimento em si, mas, justo naquela noite ? Resultado : fui para a minha casa, e essa súbita notícia potencializou a minha melancolia pelo último show que faria com o Língua de Trapo, no dia seguinte. 

Veio o domingo e lá fui eu para o CCSP, com a minha mochila de a conter o figurino do show, que eu usaria pela derradeira oportunidade. Eu estava bastante sensível naquele dia, e sabia que precisava ter autocontrole para não emocionar-me no palco, pois previ o nó na garganta, e o frio na barriga, inevitáveis. 

Ao superar as bilheterias de sexta e sábado, nesse domingo, batemos de novo o recorde. Nunca esqueci-me do número, que o ator, Paulo Elias, citou com euforia no camarim : mil trezentos e vinte e quatro pagantes ! Impressionante ! O triplo da capacidade oficial daquele teatro, ou seja, houve gente espremida por todos os cantos. Nunca, em todos os shows que ali fiz (e considere, caro leitor, que ali toquei com todas as bandas de carreira por onde atuei, ao considerar as que gravaram discos oficiais), toquei para um público tão grande. Quando o show começou, para cada música que encerrava-se, veio na minha mente o disparo melancólico de que fora a última vez em que eu tocaria aquela canção etc. 

Em "Amor à Vista", que era uma de minhas músicas prediletas, tive que controlar-me, pois os olhos marejaram. E quando o show encerrou-se, muito dessa minha melancolia, foi camuflada pela euforia do público, e um inevitável assédio muito forte, no camarim.

A despedida foi discreta, ali, pois ainda encontrar-me-ia com a banda, no escritório do empresário, Jerome Vonk, para o meu último acerto de contas. E de fato, no dia seguinte, isso aconteceu.
Recebi um cachet robusto pela última semana, vitaminada por bilheterias tão cheias, e despedi-me de todos, ao dar por encerrada a minha participação no Língua de Trapo. Já na semana subsequente, eles teriam um show em Mococa, no interior de São Paulo, mas para amenizar, no mesmo final de semana, eu estaria com A Chave do Sol, em uma badalada danceteria da moda em São Paulo, recém inaugurada pelo Barão Vermelho, de Cazuza, mas essa história é contada nos capítulos dessa banda (aliás, essa história é muito interessante, principalmente pelo seu desfecho financeiro, inusitado). O Jerome lamentou mais uma vez a minha saída, ao falar-me que estava a fechar uma série de shows avulsos pelo interior, e que o valor do cachet estava a subir etc . 
O João Lucas lamentou a minha decisão, mais uma vez, pois realmente tornáramos muito bons amigos, durante esses dez meses sob convivência. Tínhamos raízes musicais e cinematográficas, muito fortes.

O Lizoel Costa também lamentou, pois achou que dei um mau passo na carreira, visto que o Língua de Trapo estava a ser cortejado por gravadoras multinacionais, e A Chave do Sol era só uma aposta. E muito observador do mercado, ele enfatizara que representava uma aposta com risco, porque não éramos uma banda do espectro do BR-Rock 80's, que estava em voga. Ele teve razão por esse aspecto. 

Outro que manifestou-se, foi o Pituco Freitas, que também lastimou, ao verificar que eu, apesar de ser um Rocker inveterado, precisava pensar mais friamente no futuro, e não havia comparação entre o Língua de Trapo e A Chave do Sol, naquele momento, pelo aspecto da projeção artística adquirida, apesar do crescimento enorme que A Chave do Sol estava por apresentar.
 
 

Serginho Gama, Naminha e Paulo Elias também chatearam-se, mas apoiaram-me, ao perceber que o meu intento sempre foi o Rock, e de fato, estava empolgado com os rumos d'A Chave do Sol. 

O Laert estava bem chateado comigo e eu entendia perfeitamente que estivesse assim. Não vou repetir o que já falei exaustivamente ao longo desta narrativa e dessa forma, considero bem explicado e esmiuçado. Portanto, em 8 de julho de 1984, fiz o meu último show com o Língua de Trapo, e no dia 9, feriado estadual paulista, participei da última reunião das segundas, com a banda e o empresário, Jerome Vonk. Todavia, haveria fatos relacionados após a minha saída, que mantiveram-me ligado à banda, ainda que indiretamente, e que valem a pena ser revelados. 

Continua...

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