domingo, 17 de novembro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 133 - Por Luiz Domingues

A minha primeira interação com a banda, na condição de um ex-membro, ocorreu-me ainda em 1984. Mais ou menos em outubro ou novembro, não recordo-me ao certo, fui assistir um show do Língua de Trapo, no teatro Sesc Pompeia. Foi estranho assistir o espetáculo com tão pouco tempo decorrente de minha saída. Senti-me como se eu fosse ainda da um integrante da banda, pois sabia de cor todas as músicas; as marcações; as trocas de figurinos; piadas; vinhetas de áudio e vídeo... 

Ou seja, se o Mário Campos tivesse uma indisposição qualquer, eu pegaria o baixo, e faria o show inteiro, sem problemas, pois não enferrujara, apesar de três ou quatro meses, passados. 

Na primeira foto, Laert Sarrumor; Ayrton Mugnaini Jr. e Alcione Sana, em foto promocional do programa Rádio Matraca, mas já dos anos 2000
 
Quando o EP d'A Chave do Sol foi lançado em 1985, concedemos uma entrevista no programa de rádio que o Laert liderava, "Rádio Matraca", na USP FM. Ainda em 1985, tive um contato ainda mais próximo, e foi sensacional, pois pude amenizar, e muito, o meu sentimento em tom de remorso por ter deixado a banda, quando senti-me útil, sob uma circunstância especial para eles. 

O Língua de Trapo estava classificado para participar do Festival de MPB que a Rede Globo lançara naquele ano, ao tentar resgatar o glamour dos festivais dos anos sessenta. Foi sem dúvida, muito grandioso para aquele momento, e apesar de ter sido muito aquém dos festivais sessentistas, sob o ponto de vista artístico, fez bastante barulho em 1985. O Língua de Trapo esteve prestes a lançar um novo LP, com inéditas, naquele ano e participar de tal festival, pareceu ser o impulso que faltava-lhes para enfim ingressar no mainstream da música. Então, recebo o telefonema do Laert, a solicitar-me um favor.
Como seria um evento com um grau de alta responsabilidade, e o baixista, Mário Campos não possuía um baixo importado com qualidade naquela ocasião, o pedido foi para que eu emprestasse o meu baixo para a primeira eliminatória que eles cumpririam no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, e eventualmente, se classificados, precisariam novamente do meu instrumento, na final, a ser realizada no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Claro que aceitei na hora, por vários motivos. Primeiro pelo apreço à minha ex-banda, da qual tenho orgulho em ter sido um membro fundador; 
pela qualidade do trabalho; pela amizade com todos os membros daquela formação; por simpatia pelo Mário Campos, um rapaz muito gentil, mas também por outro motivo, mais "egoísta", de minha parte : a oportunidade para amenizar o meu remorso, por ter deixado a banda...


E assim, na 1ª eliminatória em que participaram, fui levar o meu baixo para o Mário usá-lo, no Ginásio do Ibirapuera, onde assisti o soundcheck da banda, e observei os bastidores de uma produção global, e sob peso pesado. A grandiosidade de tal produção, impressionara-me pela estrutura. O equipamento usado, mostrava-se gigantesco, ao parecer destinado para um show de Rock internacional, e a parte de aparelhagem de TV, tratou-se do que havia de mais moderno para a época, é claro. Ao circular pelos corredores, os participantes não eram "artistas desconhecidos", como seria para esperar-se de um festival criado para revelar novos talentos, mas pelo contrário, havia muitos artistas consagrados, sob clara intervenção das gravadoras, foi óbvio. Fiquei muito orgulhoso por ver a minha ex-banda nesse evento, em um "momentum" que pareceu ser (e o fora), ainda mais promissor do que aquele em que eu experimentara como membro, entre 1983 e 1984. Dessa forma, senti-me mais que orgulhoso, mas feliz por vê-los nessa ascensão, e de certo, aliviado por meu remorso ter ficado, muito diminuído, para não dizer, erradicado. 

Foi um furor a apresentação do Língua de Trapo, que assisti pela TV, apesar deles ter disponibilizado-me um convite, logicamente.
Com a canção : "Os Metaleiros Também Amam", satirizaram o Heavy-Metal, e toda aquela baboseira em torno do termo "metaleiro", uma invenção imbecil da parte dos marqueteiros do Festival Rock in Rio, então recém realizado, e massificado à exaustão pela Rede Globo.

Eu nunca gostei de Heavy-Metal, mas possuía muitos amigos nesse meio, e tinha a informação concreta sobre muita gente que passou a odiar mortalmente o Língua de Trapo, por conta dessa sátira, ao tomá-la como uma afronta pessoal ou aos seus anseios. E durante o festival, não foram só os "metaleiros" que ficaram indignados. O público comum da Rede Globo, escandalizou-se com a indumentária quase indecente com a qual o Pituco Freitas apresentou-se. 

O crítico Zuza Homem de Mello, um moralista e ranzinza contumaz, chegou a exaltar-se durante a transmissão ao vivo, ao tecer duras críticas ao Língua de Trapo, e ao Pituco Freitas, em específico. Bem, eu vibrei com a performance; a sátira e tudo mais. E até um certo orgulho por ver o meu baixo em ação, eu senti. Eles classificaram-se, e novamente emprestei-lhes o meu baixo, que viajou ao Rio de Janeiro, desta feita, sem a minha presença...

Depois dessa ocasião, só tive encontros sazonais e individuais com os membros da banda, até que em 1996, o Laert procurasse-me para fazer parte de uma banda, que faria um Tributo à Janis Joplin. Essa história já foi contada no capítulo : "Trabalhos Avulsos".

Mais encontros casuais ocorreram nos anos seguintes, e em 2005, fui convidado para o show de lançamento de uma caixa comemorativa pelos vinte e cinco anos de existência da banda, com o próprio Laert a ironizar tal efeméride por estar "errada", visto que em 2005, comemorava-se na verdade, vinte e seis anos. Nesse dia, ao chegar ao camarim, eu estava eufórico, por que acabara de entrevistar o mítico radialista, Jacques Sobretudo Gersgorin, do programa radiofônico : "Kaleidoscópio", sob uma produção proporcionada-me pelo jornalista, Bento Araújo, que a publicou na edição n°11, da revista Poeira Zine (Thin Lizzy, na capa). 

E, sabedor que o Laert também amava o Kaleidoscópio, uma paixão setentista comum para nós dois (Serginho Gama também era muito fã), cheguei com essa novidade, e os telefones do Jacques em mãos, para que o Laert o convidasse a participar do seu programa radiofônico, "Rádio Matraca", oportunidade que de fato ele engatilhou para o início de 2006, e eu tive o prazer de participar, também. Fora essa questão, o show do Língua de Trapo foi hilariante, como sempre, e vários ex-membros estiveram presentes, quando ao final, todos foram chamados ao palco para participar de um coral de "Concheta", que foi filmado, mas que nunca encontrei no You Tube, e talvez esteja engavetado para um lançamento em DVD, no futuro. 
                    Pedra ao abrir o Uriah Heep, em 2006

Foi nesse dia que o baixista, Luiz Lucas, falou-me sobre um empresário que estaria a trazer dinossauros do Rock setentista e que poderia encaixar o Pedra, a minha banda na ocasião, nesse festival. De fato, um ano depois, o Pedra abriu o show do Uriah Heep.  
No dia em que o Jaques "Kaleidoscópio foi ao programa Rádio Matraca, em 2006 : Da esquerda para a direita, Alcione Sana (minha ex-aluna de baixo... mundo pequeno...); o diretor da USP FM (Marcelo Bittencourt); Jacques e Laert Sarrumor. Ao fundo, Zé Brasil. Eu não estou no enquadramento dessa foto, mas estava ao fundo, perto do Zé Brasil, e do jornalista, Bento Araújo. Click; acervo e cortesia : Grace Lagôa

Nessa segunda foto, enfim na foto, com tantos amigos juntos ao grande Jaques "Kaleidoscópio", uma das maiores influências setentistas que tenho na contracultura em geral. Em pé, da esquerda para a direita : eu, Luiz Domingues; Zé Brasil (Apokalypsis); Bento Araújo (editor da Revista Poeira Zine; e Marcio Gali Ortiz (sonoplasta da USP FM). Sentados : Alcione Sana; Marcelo Bittencourt (diretor da USP FM); Jaques Sobretudo Gersgorin (Kaleidoscópio), e Laert Sarrumor. Click; acervo e cortesia : Grace Lagôa
 

Depois desse evento, teve essa entrevista do Jacques no programa : Rádio Matraca, e outra em que participei com o Bento Araújo, para falar sobre os shows do Alice Cooper, em 1974, no Brasil. E finalmente, em 2011, o Pedra culminaria em realizar o seu último e melancólico show (a banda voltaria à ativa, um ano depois), sob um projeto encabeçado pelo próprio Laert, no Bar Melograno, em São Paulo. De fato, ele era (é), um fã do trabalho do Pedra, e ficou chateado por saber do fim da banda, ao lamentar isso pessoalmente para nós, mas também publicamente, pelas redes sociais da Internet, principalmente através do Facebook. 

Mas, quando o Pedra voltou às atividades, em 2012, ele vibrou, e  programou-nos para mais um show no mesmo espaço, produção que cumprimos com muito prazer. Basicamente foram esses os meus momentos pós-Língua de Trapo, depois de deixar a banda no ano de 1984...
Pedra & Laert Sarrumor, no Bar Melograno, em São Paulo, em dezembro de 2012. Click; acervo e cortesia : Grace Lagôa


Continua... 

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