Nesse ínterim, a chuva diminuiu o seu ímpeto violento, e a boataria
deu conta de que os shows recomeçariam. Foi quando a movimentação de
técnicos intensificou-se, a tentar diminuir o tempo perdido. A tempestade, no
entanto, já havia provocado um atraso em torno de duas horas entre o nosso show,
e o início do show do Raul Seixas.
Então, um produtor do Raul abordou-nos em nossa mesa, e perguntou se um de nossos guitarristas poderia
fazer a gentileza de emprestar uma guitarra para ele, Raul. O fato é que
ele tinha chegado ao local do show, sem guitarra e dessa forma, mesmo
não sendo imprescindível para o show, visto existir um bom guitarrista na
banda, ele insistia que queria iniciar o show a tocar junto com a
banda. Bem, o Sergio Gama, um de nossos guitarristas, animou-se de
pronto. Seria uma honra ter a sua guitarra na mão do Raul, quiçá
a ser fotografada e filmada. O outro guitarrista, Lizoel Costa, aconselhou o
Sergio a não fazer isso, pois poderia arrepender-se. Não lembro -me
quem, mas outras pessoas também aconselharam-no a não emprestar. Era uma
guitarra, Giannini, tudo bem, mas mesmo por não ser uma Gibson, seria
temerário o empréstimo.
Então, o Sergio nem quis saber e emprestou sua
SG vermelha. O produtor levou-a ao Raul e nós ficamos na coxia a presenciar a
movimentação para o início do seu show. Mesmo com o palco cheio de
vestígios da lamaceira e a faltar vários spots de luz que foram
perdidos, o show estava pronto para começar, e o público delirava com a
perspectiva do Raul aparecer, a esquecer-se completamente que a lama os
deixara sob petição de miséria. Então, o Raul entrou no palco e
ao dirigir-se a cambalear ao microfone central, com a Gianinni SG do
Sergio Gama, pendurada no ombro, mal começou a tocar com a banda, e caiu
de frente, a espatifar-se com a guitarra no chão. Rapidamente, roadies
entraram e o retiraram, para levá-lo à Bauru, em um Pronto-Socorro. O
produtor que havia pedido a guitarra emprestada veio devolvê-la e
a pedir mil desculpas, a entregou com um tremendo arranhão produzido
pelo impacto no chão. Ficou aquele clima em torno do : "eu avisei", mas o Sergio,
apesar de chateado, resignou-se com o prejuízo.
Pois é... após duas horas
de atraso, o Raul não cantou nem uma música, e estava encerrada a sua
participação. Por sorte, ao anunciar-se que ele fora levado ao hospital,
não houve tumulto. O público estava resignado, mesmo por que, todo mundo
viu a queda assustadora e ficou preocupado com ele. Mais um pequeno
atraso e com muita discussão nos bastidores por conta de cachet, Hermeto
Paschoal, enfim entrou e alegrou a noite com o seu Free-Jazz, cheio de
experimentalismos e brasilidades.
A seguir, João Gilberto apaziguou todo o nervosismo anterior, com sua Bossa-Nova intimista e apresentada costumeiramente quase aos sussurros. O céu abriu, e embora o público
estivesse encharcado e enlameado, apreciou, a minimizar as
agruras de um sábado tumultuado.
E ainda tem mais um pouco de histórias
sobre o Língua de Trapo em Águas Claras' 1984...
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