domingo, 6 de outubro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 72 - Por Luiz Domingues

Chegou enfim a nossa vez. A nossa participação não teria como ser a normal, realizada em teatros, e por ser um show com uma hora de duração, também não poderia ser uma apresentação de choque, simplesmente. Então, mantivemos a característica normal de choque, mas com um repertório mais elástico. E houve o velho dilema do público não habituado à dinâmica mais intimista da banda, quando possivelmente não entenderia a proposta de sátira e humor do trabalho. Em festivais desse porte, com público muito numeroso, a tendência é de haver frisson, só quando o artista é muito conhecido, e o domina pelo carisma natural que a fama proporciona.
Por outro lado, eu não senti nenhuma preocupação de meus companheiros, com tal possibilidade. Os demais estavam seguros e dessa forma, também relevei essa preocupação. Quando entramos no palco, havia um público com aproximadamente dez mil pessoas, segundo estimativas dos organizadores. Foi bastante gente, claro, mas a expectativa deles da produção fora reunir cinquenta mil, portanto, dava para ver no semblante dos produtores, um misto de aflição e frustração. Fora óbvio que estavam a amargurar um prejuízo mastodôntico, mas não foi por falta de aviso da parte de muitas pessoas, que carnaval não combina com festivais, por mais que existam pessoas que detestem o carnaval, rol do qual incluo-me.
Então, o palco estava montado de frente para uma colina um pouco acentuada, onde naturalmente as pessoas acomodaram-se como se fosse um anfiteatro. Começamos a tocar e o som estava bom no palco, no tocante aos monitores. Pituco e Laert encenavam as suas performances normais, como se fosse show de teatro, e a banda tocava com tranquilidade, ao fazer as suas encenações, também. O público reagia bem. Claro que as dez mil pessoas não estavam a vibrar, mas até onde a minha vista alcançava, eu notava pessoas a dançar e rir das sátiras, aliás, a reação normal esperada em um show do Língua de Trapo.
O show pôs-se a avançar, e deu para notar que o céu estava a ficar muito escuro. Um típico vento de chuva começou, e por ser uma fazenda no interior, o odor ficara ainda mais característico, com aquele aroma de terra. Quando estávamos a executar a canção, Xingu Disco", a última música do Set List, o vento intensificou-se, e foi possível sentir a agitação dos técnicos, ao correr para cobrir com lona, o P.A. e os equipamentos de palco, o dito, "backline".
Foi quando de-repente, percebi que o piano elétrico do João Lucas, parou de soar no meu monitor. Mas eu estava empolgado, a tocar bem na ponta do palco e a fazer poses, por sentir-me um "Rock Star", e assim, nem preocupei-me em olhar o que estava a acontecer, pois imaginei ter sido uma pane rápida no amplificador que alimentava o piano elétrico, e assim, um roadie solucionaria prontamente, por ter sido um cabo a falhar, ou problemas no Direct Box. Continuei a tocar e logo sumiu a guitarra do Lizoel Costa, no monitor. Cáspite, naquela fração de segundos percebi enfim que algo mais grave estava a acontecer. Quando olhei para trás, vejo o Naminha a levantar-se da bateria e nesse instante, o Pituco e o Laert a gritar comigo, para que eu saísse rápido do palco ! A ventania estava a ficar muito forte, e um spot de luz caiu muito perto da minha cabeça, a espatifar-se no palco !
Por alguns centímetros não fui atingido e se acertasse, poderia ter ferido-me gravemente, ou mesmo produzido o óbito, pois tratou-se de uma peça pesada, e a depender de onde atingisse-me, na cabeça ou no pescoço, eu simplesmente não estaria a escrever esta história.
Corremos para o camarim, que fora na verdade um espaço improvisado como picadeiro de circo, armado com uma gigantesca lona. O show estava no fim e não ficamos frustrados, mas o final foi bem desagradável e frustrante, é claro. O publico não tinha onde abrigar-se e naquele campo aberto, ficou a suportar a chuva da maneira que pode.
Por um lado, o clima de "Woodstock" estava a ser instaurado pelo batismo de chuva e barro, a honrar a sua tradição, mas vou contar-lhe : a lama que formou-se, decorrente dessa tempestade, não tinha nada de glamorosa, e o público ficou à mercê de uma sujeira incrível, fora a umidade, desconforto e uma série de outros incômodos inerentes. E como a estrada vicinal que conduzir-nos-ia para fora da fazenda, até o hotel em Bauru, também ficara intransitável, fomos aconselhados a esperar na tenda dos artistas ou dentro do ônibus da produção. Foram longas horas de espera e ... calma que vem mais histórias por aí, dessa aventura em Águas Claras !
Continua... 
 

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