sábado, 16 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 141 - Por Luiz Domingues

Conforme eu já havia mencionado em capítulos anteriores, o Rodrigo estava desde o ano de 2008 imbuído da estratégia de inserir-nos no mundo dos festivais independentes. Dezenas de contatos foram feitos com festivais em todo o país e nós já havíamos participado de dois desses eventos, nesse ano de 2008, inclusive, amplamente relatados, em São Caetano do Sul-SP e Araraquara-SP. 

A maioria dos demais que abordamos, nem responderam aos contatos, alguns responderam educadamente, mas a serem evasivos quanto à nossa participação e houve até caso de resposta sincera da parte de produtores que consideravam a nossa banda "inadequada" ao espírito do seu festival em si, e nesse caso, eu particularmente agradeci aos Deuses do Rock a nossa não inclusão, visto que eram festivais recheados de atrações do espectro do "Indie Rock", portanto, mediante artistas desprovidos de qualquer técnica musical, mínima que fosse, para considerarmos a sua obra como algo musical.

Foi quando mais ou menos ao final de abril, que nós recebemos a comunicação que estávamos escalados para o "PMW", um festival de maior porte, realizado em Palmas, a capital do estado do Tocantins. 

Claro que paramos para pensar, pois a proposta foi igualmente indecente: sem cachê oferecido e sem ajuda para o nosso transporte, isto é, o único suporte anunciado foi com o traslado interno, hotel e restaurante. Pegam ou largam? 

Bem, Palmas não é logo aí... cogitar uma van ou carros particulares para irmos até lá, nem pensar. Ao fazermos as contas dessa operação e a cotarmos o valor das passagens aéreas, chegamos à conclusão de que a única solução seria o avião, na qual ganharíamos tempo, conforto e economia, sendo que o maior prejuízo haveria de ser a impossibilidade de bancarmos as passagens para a nossa equipe técnica de apoio. 

Seria portanto, uma viagem no espírito do escotismo, com todos imbuídos a ajudarem-se nas dificuldades inerentes de uma viagem e produção desse nível e a contar com a competência e boa vontade de profissionais locais para suprirem as nossas necessidades básicas no show.

Diante dessa situação, a pergunta foi: valeria a pena viajar para tão longe, pagar a despesa do bolso, não ganhar cachê?

Pois é... tais perguntas entraram na ordem do dia, até a data limite que deram-nos para confirmar ou desistir do Festival. Ponderamos que seria um festival maior dentro do esquema desses festivais independentes e apuramos que quem dispunha-se a tocar nele, praticamente selava participação em outros de maior porte em Goiânia, Recife, e outras capitais do país. 

Pesara para nós a nossa costumeira dificuldade para abrirmos frentes, formar agenda sustentável etc. Por isso, mediante um gesto de boa vontade dos quatro membros da banda, resolvemos bancarmos a loucura de se viajar para tocar tão longe, a pagar do bolso, mesmo com uma contrapartida muito fraca. 

Compramos as passagens e no dia 13 de junho de 2009, fizemos uma aventura frenética e insana de viajarmos mediante um "bate e volta" para Palmas-TO, com "apenas" 3522 km s percurso, na soma entre ida e volta.

O nosso voo até Brasília saiu bem cedo e a conexão para Palmas esteve marcada para as onze horas da manhã, portanto ficamos no aeroporto de Brasília um tempo bem grande, a esperarmos pelo segundo voo e claro que isso cansou-nos. 

Pelo lounge do aeroporto de Brasília, passamos pela comitiva do "Pato Fu", que haviam tocado no mesmo festival, na noite anterior. 

Finalmente entramos na segunda aeronave e o visual da paisagem nesse segundo trecho realmente impressiona, pela natureza. Vê-se pelas janelas, um enorme espaço composto por mata e rio, praticamente até o nosso destino final. 

Chegamos ao pequeno aeroporto de Palmas e uma equipe da produção aguardava-nos. Fomos conduzidos para o hotel localizado no centro da cidade. 

Extremamente plana, pareceu-nos uma cidade que estava a ser planejada para crescer, com um traçado de largas avenidas mas ainda desertas, praticamente e um centro tímido, a aparentar ser uma localidade do porte de cidades interioranas pequenas do estado de São Paulo. 

O calor se mostrou muito forte e marcara na casa dos 34º mais ou menos, segundo apuramos. Havíamos deixado São Paulo ao final da última madrugada com 10º, portanto, foi um tremendo choque térmico.

Fomos conduzidos ao restaurante conveniado do festival e sem queixas até então, estava tudo muito bom, com produtores subalternos educados e prestativos a nos conduzirmos, a orientar-nos etc. 

Não haveria soundcheck, e esse foi o primeiro ponto negativo. Incrível, um festival grande e nós sem o nosso técnico próprio e sem roadies, à mercê de um som desorganizado. Foi quando disseram-nos que haveria um acerto de monitor minutos antes do show e não haveria problema, pois um outro show estaria a ocorrer em outro palco e assim, teríamos esse tempo. Sinal amarelo ligado!

Sem ter o que adiantar, resolvemos descansar e a jornada aérea fora mesmo cansativa. Mas como seria possível chegarmos ao sono pesado com aquele calor e se não houve ventilador que amenizasse a situação? 

Mas muito pior mesmo, foi constatarmos que havia um pequeno corredor que passava atrás do quarto onde alojaram-nos e que dava acesso a um pequeno salão ao fundo. Lastimavelmente, haviam alugado o salão naquela tarde para uma reunião de um partido político e mediante o apoio de um pequeno PA, os palestrantes colocaram-se a discursarem com aquela ênfase típica de comícios políticos e claro, com direito ao acirramento de ânimo.

Foi quando a discussão inflamou-se e aos berros, um vereador local falara: -"que se f... se sair na imprensa... se quiser publicar, que publique"... 

Tal frase foi repetida entre nós, durante semanas a fio, principalmente pelo Ivan que imitava-o à perfeição e asseguro-lhes, pareceu ser ipsis litteris um diálogo escrito pelo Dias Gomes para o personagem de Odorico Paraguaçu, ou seja, foi absolutamente folclórico, no mau sentido do termo!  

Tivemos boa companhia no festival e no hotel. Os nossos amigos do "Baranga" estavam escalados também para se apresentarem naquela noite. Contudo, o restante das atrações era formada por bandas Indie predominantemente das regiões Norte/Nordeste e Centro/Oeste do Brasil, com a nossa exceção e de algumas outras poucas vindas do sul/sudeste. 

Uma dessas até comoveu-nos, de certa forma, pois os rapazes disseram-nos que haviam viajado até palmas no uso de um carro, no caso, um "Fiat Uno", com a banda inteira e instrumentos, quando sairemo de Curitiba-PR. Ou seja, foi uma esperança ferrenha que nutriram ao considerarem tal festival importante para eles, ou puro espírito de aventura, como saber?

As atrações headliner seriam: "Mundo Livre SA", um grupo veterano desse mundo incensado do espectro "Indie" e B Negão, este, um ex-vocalista da banda carioca, Planet Hemp. 

Fomos levados ao ambiente do festival e a estrutura para o público e os palcos para os artistas eram bons, mas parou por aí, pois nos bastidores a situação não foi igual. Camarins bons só foram providenciados para os artistas "headliners", pois os demais, considerados como "menores", foram colocados em camarins improvisados, sem infraestrutura alguma. 

Ao pedirmos algumas cadeiras de plástico para um funcionário do festival, este perguntou-nos a demonstrar uma descabida estupefação: -"vocês querem cadeiras"?

Ao ouvir a nossa resposta educada de que sim e seria o mínimo para esperarmos por horas pelas nossas apresentações (o pessoal do Baranga estava conosco), o rapaz esbravejou que não faria nada disso e se quiséssemos cadeiras "que fôssemos procura-las por aí"...

Ninguém respondeu-se com rispidez, apenas entreolhamo-nos e rimos entre nós diante de uma grosseria tão fora de propósito. Caramba, não havia uma pessoa mais graduada da produção por perto, e esse funcionário agindo assim.

Esquecemos da ocorrência, quando vimos o rapazinho a arrastar algumas cadeiras mediante um carrinho de apoio. Ele chegou perto de nós e foi a colocar as cadeiras no chão e quando chegou na última, teve uma atitude destemperada e atirou-a com raiva para fora do carrinho e esbravejou alguma coisa que nem entendemos exatamente, mas que deduzimos pela sua intenção. Foi absolutamente bizarro. 

O tempo foi a passar e o Xande Saraiva, vocalista/guitarrista do Baranga, veio da área dos palcos e disse-nos que faltava pouco para chegar a nossa vez, mas nenhum, absolutamente nenhum produtor do festival aparecera para nos fornecer informações. 

Entre nós, falo sobre as duas bandas, resolvemos ajudarmo-nos em regime de mutirão e assim nós todos componentes, levamos os nossos instrumentos e acessórios para perto do palco, já que estávamos convencidos de que ninguém da produção ajudar-nos-ia. 

Chegou a nossa vez, subimos ao palco e arrumamos o nosso set up nós mesmos, sem roadies. O roadie do festival deu uma ajuda básica, mas sem a presença dos nossos roadies, acostumados com as nossas necessidades, realmente foi duro fazer isso ali a correr, na pressa total. 

A sorte, foi que um show transcorria no palco ao lado e o grande público estava entretido com essa apresentação e então, nós pudemos contar com uma privacidade mínima em um momento delicado e um pouco embaraçoso para nós. 

Quando esteve tudo ligado, o técnico abriu apenas o nosso monitor e promoveu ajustes básicos e muito preliminares. Foi apenas uma "levantada" básica, como se diz no jargão dos músicos, muito longe de um soundcheck adequado, mas diante das circunstâncias, nós até apreciamos a boa vontade do rapaz em dar-nos um mínimo de condições, sendo que geralmente outros técnicos nem dar-se-iam a esse trabalho. 

Acabou o show do palco ao lado e o público veio a caminhar lentamente para a frente do nosso. Não foi a mesma multidão que estava no outro. Naturalmente, nem todos interessavam-se em assistirem todos os shows e a dispersão foi natural. Quando deram-nos o sinal verde para começarmos...

Continua...

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