domingo, 24 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 162 - Por Luiz Domingues

Foi quando o ano de 2011 amanheceu no horizonte e no dia combinado para a retomada das atividades da banda, eu cheguei e toquei a campainha da residência do Xando, quando estranhei o seu semblante, que estava a denunciar algo estranho. Quando eu lhe disse: -"boa tarde, está tudo bem?"
 
Ele sorriu e a sua expressão facial foi quase a denotar comiseração, mas ao mesmo tempo, de um indisfarçável alívio recôndito. Fiquei atônito, ao não compreender e nessa altura, estive mesmo absolutamente alheio ao que ocorreria.
Luiz Domingues & Xando Zupo em ação com o Pedra no Sesc Vila Mariana, em 7 de maio de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Ele respondeu que os demais colegas já estavam ali presentes e que logo eu saberia o que estava a ocorrer. Quando entrei, vi que todos estavam alegres, como se algo bom tivesse ocorrido e só faltara eu, para tomar conhecimento da notícia supostamente positiva. 
Luiz Domingues com o Pedra no Sesc Vila Mariana em 7 de maio de 2010, com Ivan Scartezini ao fundo. Foto: Grace Lagôa 

Foi quando o Xando tomou a palavra e a enumerar as suas insatisfações pessoais com o rumo da banda e posturas de todos em relação a isso, anunciou-me que eles haviam decidido encerrar as atividades da banda, cansados que estavam. 
 
Fiquei bastante surpreendido, pois mesmo ao ter o pleno conhecimento que a banda vivia sob uma gangorra emocional desde 2007, na minha concepção as insatisfações pessoais jamais poderiam suplantar a nossa obra e se houve uma certeza que se tornara impecável na nossa relação, se tratava justamente do resultado artístico que criáramos nesses anos todos. 
Rodrigo Hid em ação com o Pedra em programa televisivo ao vivo, em agosto de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Contudo, a cada tentativa de argumentação minha nesse sentido, o Xando e com intervenções dos demais, foram a rebater os meus apelos para que não se tomasse essa resolução naquele instante. 
 
Mesmo superado o choque inicial pela notícia e acrescento que fiquei também bastante chateado por estar a ser comunicado por último e com a nítida sensação de que os três já haviam decidido isso bem antes, pela sensação que tive ao vê-los altivos, sem nenhuma comoção, e pelo contrário, a aparentarem alívio e felicidade pela decisão tomada. 
 
Fiquei duplamente chateado, portanto, pois mesmo cônscio que o clima interno na banda não era dos melhores e haviam diferenças de mentalidade e até de apreço cultural muito acentuadas, principalmente entre eu e Xando, eu considerava que tudo fosse superável e a obra suplantava tudo. 
Xando Zupo em ação com o Pedra no Sesc Vila Mariana, 7 de maio de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Consegui ao final da conversa, pedir-lhes alguns dias para que se ponderasse melhor sobre tal decisão e o Xando no seu afã típico de querer anunciar publicamente o final oficial de nossas atividades o quanto antes na internet, culminou em ceder ao meu apelo e uma outra reunião foi marcada para poucos dias depois. 
 
Hoje em dia, eu sei que essa postergação foi absolutamente inútil, pois a decisão estava tomada de forma irreversível da parte dos três, e talvez eles tenham ficado com compaixão em relação ao meu pedido, para aceitar simularem que pensariam no caso. 
O Pedra em foto panorâmica durante apresentação no Sesc Vila Mariana, em 7 de maio de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Eu não estava nem um pouco preocupado com a minha situação pessoal, pois o Pedra não era vital para a minha manutenção pessoal e pelo contrário, se tratara de uma banda deficitária pela agenda fraca que sempre teve e o seu merchandising também era inócuo. Não foi essa a questão. 
 
Eu apenas fiquei muito chateado por deixar a banda finalizar a sua carreira com um disco inacabado, ao dar-nos uma sensação de derrota, desnecessária ao meu ver, pois se houve um sinal claro de desgaste e isso aconteceu mesmo, bastaria tirarmos férias da banda por um tempo indeterminado, com cada um a buscar um novo rumo, mas sem necessariamente anunciar um final oficial das atividades através das redes sociais. A minha maior contrariedade foi essa naquele momento. 
Outra foto do Pedra no Sesc Vila Mariana em 7 de maio de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Mas acrescento mais uma discórdia de minha parte, pois eu não nego, foi também por ter sentido-me preterido na decisão tomada de acabar com a banda, pois ficou-me nítido que os demais já haviam decidido isso sem a minha presença e quando eu cheguei ao estúdio para o primeiro encontro de 2011 para retomar os ensaios, eles estavam decididos, altivos e a exibirem uma alegria que denotara alívio, o que contrastou com a minha surpresa e choque pela notícia que deram-me. 
 
Na segunda reunião e ao reafirmarem a sua decisão, desta vez eu não fiquei surpreendido e nós mais conversamos sobre questões técnicas a respeito dessa decisão, a falarmos sobre o site, discos que sobraram no estoque etc. 
Ivan Scartezini a atuar com o Pedra numa apresentação ao vivo num programa de TV em agosto de 2010. Foto: Grace Lagôa 

Mesmo conformado, eu ainda não estava satisfeito como eles, pois achei um erro anunciar o fim das atividades da banda, oficialmente. Tudo bem que cada um partisse para buscar o seu caminho individual, mas na minha concepção, se a banda marcasse um período indeterminado de férias e teoricamente a se manter "viva" não teria sido diferente da situação que enfrentávamos desde 2007, com longos períodos de escassez de apresentações ao vivo.
 
Portanto, se aparecesse uma oportunidade, teria sido o caso de apenas reagruparmo-nos e em dois ou três ensaios nós eliminaríamos a ferrugem acumulada e colocar-nos-íamos em forma para subirmos em um palco.Além disso, não se descartaria a hipótese de que alguns meses depois, com a mente mais arejada, nada impedir-nos-ia de reencontrarmo-nos para finalizar o disco inacabado. 
 
Mas eles não consideraram tal hipótese e realmente permaneceram fechados com a ideia de se anunciar um final oficial de forma pública. 
 
Houveram pendências, no entanto, com situações finais para resolvermos ainda. O baixista do Tomada, Marcelo “Pepe” Bueno, entrara com um edital da Lei Rouanet para a produção de uma micro festival a ser realizado em São Paulo, com quatro bandas: Tomada, Pedra, Carro Bomba e Baranga. Tal edital fora aprovado e publicado no Diário Oficial da União, mas daí a sair do papel dependia de muitos fatores. 
 
Com o fim da banda e se ele concretizasse-se, pelo fato de termos assinado documentos dessa licitação, nós não poderíamos deixarmos de atuar. Portanto, o Xando fez essa ressalva e todos aceitaram tocar, caso o show fosse confirmado, e sem importar quando exatamente, à mercê de um futuro em aberto. 
O ótimo comunicador, Atílio Bari, um raro apresentador culto e com nobres propósitos na TV brasileira 

Mais uma questão pendente, um programa de TV Comunitária, o simpático: "Em Cartaz" do apresentador & ator, Atílio Bari estava marcado para nós para o início de fevereiro e comprometemo-nos a cumpri-lo, mesmo com a banda extinta. 
 
E houve um terceiro compromisso também há muito tempo ventilado: um show a ser realizado em um bar chamado: "Melograno", em meio a um projeto com curadoria do Laert Sarrumor, meu antigo companheiro do Língua de Trapo e Boca do Céu. 
 
Chateado com essa resolução de finalização do trabalho, mas resignado, aceitei o desfecho e certamente que coloquei-me à disposição da banda para os compromissos "póstumos".
Continua...

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