sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 134 - Por Luiz Domingues

Depois do susto com o urubu e talvez a contrariar a superstição de que tal animal dá azar (na verdade, acredito que quem deu azar foi ele, que morreu daquele jeito triste ali na estrada), nós chegamos a Ribeirão Preto-SP com aquele calor típico que é marca registrada da cidade o ano inteiro, mas em janeiro e com o verão no auge, realmente se trata de um calor muito forte. 

Ficamos muito surpreendidos, positivamente a falar, com as instalações da filial da casa Vila Dionísio de Ribeirão Preto, pois se mostrara como nitidamente melhor decorada, com tudo novo em folha e segundo apuramos, foi essa mesma a razão, ou seja, tratava-se de uma unidade bem mais nova.

O palco era infinitamente superior, ao dar-nos a impressão que houve planejamento ali e lembrou-me de certa forma, alguns palcos de casas de médio porte que existiram em São Paulo nos anos oitenta e noventa, casos do Aeroanta e Woodstock, por exemplo. Havia também um bom camarim, e com direito a um caminho labiríntico que ligava à ótima cozinha industrial ali instalada.

O equipamento era de qualidade, e nitidamente superior ao da matriz de São José do Rio Preto. Com PA de porte, já animamo-nos por saber que haveria uma pressão sonora de show de Rock em teatro, portanto, claro que isso motivou-nos ainda mais. 

E havia um bom backline na casa, portanto, sobre o som estava tudo resolvido, e a iluminação era boa para o tamanho da casa, mas no tocante à luz, depende muito da criatividade do iluminador e por não conhecer o trabalho do Pedra, tampouco d'A Estação da Luz, dificilmente seria algo além de uma iluminação mecânica, sem mapeamento inteligente algum. 

Feito o soundcheck com relativa rapidez, ficamos satisfeitos e o técnico se mostrou gentil e foi bastante objetivo, sem postergações.

Deu tempo para aproveitarmos um bom descanso ali mesmo na casa, antes de voltarmos ao hotel para um providencial banho e arrumação. Deu tempo para aproveitarmos um bom descanso ali mesmo na casa, antes de voltarmos ao hotel para banho e arrumação. Localizado em um bairro nobre da cidade (Sumaré), através de uma rua paralela da Avenida 9 de julho, eu já esperava que a casa atendesse aos anseios da jovem burguesia da cidade e não haveria de atrair Rockers, e além do mais, as duas bandas não gozavam de grande projeção midiática, portanto, não tivemos uma grande ilusão de que tocaríamos para uma casa lotada e formada por Rockers inveterados. 

Ficamos instalados em um ótimo hotel moderno no centro da cidade, perto da Praça XV de novembro e quando voltamos ao Vila Dionísio, já começava a escurecer e chegavam as primeiras pessoas na casa.

A Estação da Luz em ação, no Vila Dionísio de Ribeirão Preto. Acervo e cortesia de Junior Muelas

O ótimo grupo, "A Estação da Luz" subiu ao palco e começou o seu show. Assisti o início da apresentação dessa banda pela coxia e o som de palco, mesmo com o retardo típico do áudio (refiro-me ao "delay"), pareceu estar muito bom. 

Fui assistir mais um pedaço do show pela perspectiva da plateia, ao fazer aquele caminho labiríntico pela cozinha e na frente do palco estava muito bonito, com uma pressão sonora agradável mas com altura equilibrada, com tudo a soar bem mixado e sob um patamar de altura agradável, sem agressões sonoras para o público. 

A iluminação, exatamente como prevíamos deixara a desejar, com o trabalho medíocre de um iluminador preguiçoso, praticamente a operar a mesa como uma iluminação sequencial de árvore de natal e a observarem-se diversos pontos de escuridão, por que, claro que ele não se deu ao trabalho de afinar os "spots" conforme o mapa de palco das bandas, ou seja, o básico do básico e assim a ser desrespeitado por preguiça, seguramente. 

Eu não entendo a postura de um iluminador que não tenha a hombridade de pegar uma escada e pessoalmente ir ao palco para afinar os spots durante a passagem de som vespertina, pois se está ali, supõe-se que desejou ser iluminador, portanto, se não afina os spots, como é possível ter algum prazer de operar uma iluminação de um espetáculo com as luzes fora de foco? 

Bem, é incompreensível, mas é o que mais acontece quando lida-se com iluminador que não conhece o trabalho do artista.

    A Estação da Luz em ação. Acervo e cortesia de Junior Muelas

O show do grupo, A Estação da Luz foi encantador ao meu ver. O seu repertório de música própria era muito bom, municiado por ótimas intenções, influências e lembrava muito a determinação que eu tive com o Sidharta e consegui implantar na Patrulha do Espaço, com um conceito total de compromisso com o aspecto retrô, com o vintage, através de resgate não só musical, mas amplo, sob múltiplos ícones. Pois A Estação da Luz vivia/vive isso intensamente e para a minha percepção, foi algo muito estimulante e emocionante.

             A Estação da Luz. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Voltei para o camarim quando notei que o show d'A Estação da Luz caminhava para o seu final e lá aguardei os seus componentes no seu momento de pós-show, onde pude cumprimentá-los efusivamente sobre a sua ótima performance. 

Chegou a nossa vez e digo que fizemos um show melhor que o de São José do Rio Preto. Talvez pela maior qualidade de equipamento, , sim, a nossa performance foi muito mais robusta pela minha lembrança pessoal.

Pedra em ação em Ribeirão Preto / SP. 25 de janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Não houve a presença de um bom público na casa, certamente bem menos que o show na outra cidade e claro, tratara-se de um domingo, portanto um dia mais difícil para se atrair público. 

Mas ao contrário da juventude burguesa e baladeira que viu-nos na noite anterior (e que foi a dispersar pelo fato de não encontrar motivação na nossa música desconhecida aos seus ouvidos, para gerar a euforia que sempre esperam encontrar em baladas de sábado a noite), o público de Ribeirão Preto se mostrou jovem, mas não adolescente, dessa maneira, educadamente tais pessoas assistiram-nos sentadas em mesinhas e a nos aplaudirem com educação a cada música encerrada.

              Pedra em ação. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Um momento que poderia ter tornado-se um baixo astral para nós, soou no entanto até leve pela abordagem ingênua de um rapaz que mandou um garçom enviar-nos um recado manuscrito, onde perguntara-nos: -"vocês não tocam nenhuma música do Creedence Clearwater Revival?"

Quando o bilhete chegou para nós, o Xando antecipou-se e respondeu-lhe ao microfone, que nós éramos uma banda autoral e que infelizmente não tocaríamos nenhuma canção do "Creedence Clearwtaer Revival", mas que esperava que ele, o rapaz, estivesse a apreciar as nossas composições". 

O rapaz respondeu em voz alta de sua mesa que: -"tudo bem e que éramos uma banda muito boa"...

Pedra em Ribeirão Preto em janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Sendo assim, isso refletiu bem o tipo de público educado que esteve ali presente e mesmo não ao não manter sintonia com o nosso trabalho, teve ao menos paciência e educação para apreciar uma banda de qualidade a tocar, o que no mínimo, foi muito respeitoso ao se considerar toda a situação. 

Para efeito da matéria da revista "Veja", isso foi uma síntese da nossa situação por estarmos no patamar underground da música e por ser Sérgio Martins um jornalista com sexto sentido muito aguçado, eu conjecturava em silêncio comigo mesmo, que não poderia ter sido melhor como fator de impressão perante aos seus olhos, pois muito mais desastroso para a nossa imagem seria um ambiente hostil.

    Pedra em Ribeirão Preto. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Claro, eu sei perfeitamente que Sérgio relevaria um revés desse porte, mesmo por que ele tinha um bom conceito sobre a nossa banda e obra, portanto, teria o discernimento para separar as coisas como homem culto e também um profissional experiente que o era. Todavia, eu comemorei internamente o fato da reação ter sido bastante educada da parte daquele público ali presente. 

O meu primo Emmanuel estava na cidade e avisou um outro primo nosso em comum, chamado Rogélio (com "L" mesmo, eu não errei), que detinha uma produtora de vídeo na cidade. Claro que filmar show de Rock não era sua especialidade, pois costumava filmar festas, cerimônias de casamento, mas ele foi gentilmente ao espaço e registrou o nosso show, e o do Estação da Luz, também.


"Longe do Chão" no Vila Dionísio, de Ribeirão Preto em 25 de janeiro de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=04AEWu6mDpk


Algumas músicas desse nosso show foram postadas no YouTube, posteriormente, mas não todas. Torço para que o Xando lance as demais e o show inteiro, em algum momento na sua versão na íntegra desse show. E assim foi nosso show no Vila Dionísio de Ribeirão Preto, em 25 de janeiro de 2009, com cerca de oitenta pessoas presentes na casa.

Um casal vindo de uma cidade vizinha chamada: "Sertãozinho", compareceu ali para nos ver e abordou-nos no camarim no pós-show. Eram fãs da Patrulha do Espaço e ao saberem que eu, Luiz e Rodrigo éramos egressos daquela banda, interessaram-se em conhecer o Pedra tornaram-se nossos fãs, ao adquirirem os dois discos para a sua coleção. 

Fomos para o hotel descansarmos com o sentimento do dever cumprido. Foram shows bons, tecnicamente a se analisar e o nosso principal objetivo nessa empreitada interiorana fora alcançado, sem dúvida, pois viajáramos com um jornalista de primeira grandeza a serviço de uma revista de enorme circulação nacional, acompanhado de seu repórter fotográfico que clicara-nos não apenas em ação nos shows em si, mas a documentar todos os bastidores da viagem, soundcheck, check in e check out de hotéis, as nossas refeições etc. 

"Reflexo Inverso" no Vila Dionísio de Ribeirão Preto em 25 de janeiro de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=FwpFA06Zxko

Em suma, Sérgio mantinha em suas anotações e respaldado por amplo material fotográfico, uma reportagem em mãos em seu estado bruto e assim que chegasse à redação de sua revista seria apenas sentar-se em frente ao seu monitor de computador e digitá-la. 

E por falar em Martins, ali no saguão do hotel despedimo-nos, pois ele não voltaria conosco, visto que tinha passagem de avião comprada e de Ribeirão Preto ele foi direto para o Rio de Janeiro onde na segunda-feira entrevistaria um figurão do mundo do samba. 

Acordamos na segunda-feira e despedimo-nos dos amigos d'A Estação da Luz que seguiriam para São José do Rio Preto. A sua boa vontade em viabilizar essa micro turnê fora notória, principalmente da parte do amigo, Junior Muelas, um autêntico "amigo, irmão de fé e camarada" que prazerosamente eu fiz durante a minha trajetória musical inteira, eu diria. Muelas vibra o Rock como se deve, é um Rocker de "R" maiúsculo.

A viagem de volta para São Paulo foi tranquila, sem urubus na nossa vida e mais silenciosa pelo fato de estarmos cansados pela somatória do final de semana todo de trabalho e rodagem. 

Ao chegarmos em São Paulo, nós conduzimos o fotógrafo Otávio Dias até sua residência no bairro do Brooklin, na zona sul da cidade. 

O tempo foi a passar e o Sérgio não sinalizara que a matéria na revista sairia e claro que não o pressionaríamos para saber dessa informação. Mas o tempo passou e nada aconteceu. 

Não sou jornalista, mas como o leitor já sabe desde os primeiros capítulos da minha autobiografia musical, eu sempre tive relação estreita com essa profissão e os seus bastidores, portanto, claro que eu deduzi que a revista em questão, apesar de manter uma linha editorial ampla, tinha na política e na economia, os seus principais pilares, portanto, matérias grandes sobre cultura em geral, só aconteciam ali quando não havia nada bombástico em Brasília ou no mundo para falar-se de política, sobretudo.

Ao ir além, com o tempo a passar a matéria, mesmo antes de ser publicada padece do processo natural de envelhecimento e chega-se a um ponto que nem faz mais sentido, jornalisticamente a falar e foi o que aconteceu. 

Uma grande pena, pois esmeramo-nos para realizarmos esses shows e uma banda com os graves problemas gerenciais que tínhamos, foi um raridade termos dois shows em cidades diferentes, colados, a provocar a sensação sequencial de uma "turnê". 

Dessa forma, o nosso esforço foi em vão nesse sentido da matéria não ter sido publicada, mas valeu por tudo e claro que nem eu, e nenhum dos companheiros lamentou por nada. 

E Sérgio Martins sinalizaria com uma oportunidade tão boa quanto, ao final de 2009 e dessa vez aconteceria de fato, mas no momento oportuno da cronologia eu detalharei, certamente. 

Vida que seguia, teríamos um novo compromisso em março de 2009, mas algumas matérias e resenhas a comentarem sobre o álbum "Pedra II", estavam a surgirem nas revistas.

Continua...

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