sábado, 16 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 146 - Por Luiz Domingues

O jornalista Sérgio Martins de fato havia tornado-se um admirador de nosso trabalho. Eu já expressei anteriormente o quanto eu achava inusitado um jornalista grande de veículo mainstream ter esse tipo de visão de um artista outsider como nós, diante da política de manual de redação que o jornalismo cultural mainstream fazia uso há décadas. 

Porém, Martins era isento, honesto e sem conluio com interesses escusos, tampouco mumificado em um conceito paradigmático que engessara o jornalismo musical, no setor do Rock, bem entendido, desde muito tempo.

Ele lembrara-se de nós ao final de 2008, quando convidou-nos a participar de uma mega reportagem que assinaria para a Revista Veja, o seu veículo, a cobrir a banda durante uma turnê, na estrada etc. e tal. 

Isso concretizou-se em janeiro de 2009, com a viagem acontecer de fato, conforme eu já relatei, mas frustramo-nos todos, incluso o próprio Martins, pela não publicação da mesma. 

Agora, ele abordar-nos-ia de novo, com outra proposta tão excitante quanto, e portanto irrecusável...

Fomos convidados a participar de seu programa audiovisual para a Internet, com a chancela da Revista Veja, chamado: "Veja Música". 

Ora, programas de música na internet existiam aos montes já naquela época. Programas para se tocar ao vivo, talk-shows e um sem número de outras produções pulverizadas ao redor do mundo virtual. Mas um programa da Revista Veja, era um outro patamar, como fala-se popularmente e claro que o nosso ânimo subiu imediatamente depois desse convite.

É evidente que aceitamos a sua generosa oferta e uma troca de E-mails foi realizada nos dias entre outubro e novembro, para conversarmos sobre tal produção. 

Tocaríamos quatro músicas e realizaríamos uma entrevista. Outro dado que Martins passou-nos, foi que seria uma apresentação acústica. Pensamos em músicas tais como: "Projeções" e "Meu Mundo é Seu" como opções naturais para obtermos um arranjo acústico e de fato tais canções eram praticamente assim nas suas gravações originais e a eletricidade inserida se mostrara delicada, ao não extrair o sabor quase acústico que possuíam naturalmente.

Conversamos muito sobre a terceira canção e por insistência do Xando, fechamos em "Filme de Terror", no caso dele a alegar que seria bom expormos a nossa versão do clássico de um compositor dito "maldito" da MPB setentista. 

Correto, um argumento bom, no entanto, uma música do nosso repertório próprio também teria repercutido muito bem, para mostrar-nos mais como éramos, enfim.

E em relação à quarta música, ainda discutíamos entre nós as possibilidades quando o Martins fez-nos um pedido: -"façam uma releitura de algo que surpreenda-me, com um arranjo de vocês, a mostrarem a sua personalidade, mas sem mutilar a obra, seja de quem for". 

Pensamos bastante e já que "Filme de Terror" estava inclusa e representava a MPB, as nossas primeiras especulações sobre a quarta música recaíram sobre o Rock internacional. Ora, haviam milhares de opções que agradavam aos quatro componentes e que certamente influenciaram o Pedra, direta ou indiretamente. 

Pensamos também na Black Music, a se configurar como uma árvore frondosa, cheia de galhos a influenciar-nos fortemente, igualmente. Lembro-me que "Sitting of the Dock of the Bay", do Otis Redding e "Atlantis" do Donovan (esta a representar uma peça Folk-Rock no caso, eu sei), foram bem citadas, entre outras.

Mas não conseguíamos chegarmos a um consenso sobre nenhuma canção, embora particularmente eu adore as acima citadas. 

Foi quando voltamos a falar sobre a MPB e a primeira opção que agradara a todos, sem reservas de um ou outro, foi o "Clube da Esquina". Muitas músicas que gostamos desse álbum, foram citadas, e apesar de adorarmos todas, percebemos que seriam escolhas baseadas em clichês. 

O Xando sugeriu um compositor da MPB que ele apreciava muito, figura mais moderna, dos anos 1990-2000, cujo nome ele chegou a comentar com Martins, mas deu azar pelo fato de que o Martins o detestava. Chegou a ser engraçada a reação do Martins a falar mal desse artista e internamente nós sabíamos que a opinião do Xando era diametralmente oposta. 

Não revelarei o nome do artista, que particularmente eu não o considero assim tão abominável quanto o Martins o classificou, mas tampouco "genial" quanto avaliava o Xando, aliás, longe disso, bem longe. Mas não importa quem ele seja para esta narrativa.

Foi quando o Xando citou o Guilherme Arantes e o Rodrigo vibrou imediatamente. Em torno de seu nome, foram a serem feitas várias conjecturas a favor, sobre a trajetória e a personalidade artística do Guilherme, mas também sobre o quanto seria bom para nós tal escolha. 

Demorou mais um tempo e escolhemos a canção:  "Cuide-se Bem".
Trabalhamos em um arranjo acústico e aí cabe destacar que não seria 100% acústico. 

A ideia de três violões e percussão, primeira opção natural nesse caso, foi descartada de pronto. Isso deixar-nos-ia em uma situação de fragilidade musical e não poderíamos desperdiçar a oportunidade de aparecermos em um veículo da importância da revista "Veja", nessas circunstâncias adversas.

Na obrigatoriedade de ser "acústico", chegamos à conclusão que se contássemos com a "cozinha" tradicional da nossa banda, ainda que comedida, seria uma garantia de dar-nos uma base firme, sem ficar leve demais. 

Além do mais, tocar "baixolão" não é da minha predileção. Aquilo não tem som de nada e o Ivan também não estava a apreciar a ideia de tocar instrumentos de percussão e aí, eu penso que fizemos a escolha certa. 

Já o caso do Xando foi ainda mais dramático nesse sentido pois ele é um músico que tem pouca ou nenhuma afinidade com um violão. Claro que ele o toca, mas toda a orientação profissional dele, por gosto e por formação, fora direcionada para a guitarra, portanto, ele também achava que tocar violão ali naquela apresentação, seria desconfortável e não representaria condizentemente a sua contribuição normal ao som da banda. 

Portanto, ele tomou a dianteira e comprou um violão elétrico, com um captador, quase um híbrido de guitarra semi acústica e com braço mais próximo da espessura de uma guitarra e no uso de cordas leves (acho que 009, corrija-me se eu estiver errado), foi possível para que ele pudesse digitar como uma guitarra, a fazer "bendings" e usar o slide, se fosse o caso.

O único membro da nossa banda, totalmente a vontade com a sonoridade acústica, foi o Rodrigo. Grande fã da MPB da velha Guarda, Folk em geral e de música de raiz caipira, para ele, tocar violão de nylon, aço, ou fazer uso de um de doze cordas, foi algo mais do que natural e vou além: ele era (é), muito bom nisso. 

E assim, quando comunicamos que a quarta música escolhida seria "Cuide-se Bem" do Guilherme Arantes, Martins gostou muito da nossa escolha e mostrou-se ansioso para ouvir a nossa versão acústica dessa canção.

Ensaiamos com tranquilidade, pois foram apenas quatro canções.
Então, o Martins marcou a data e passou-nos as coordenadas dessa produção. Seria gravada & filmada em um bom estúdio localizado na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, no início de dezembro de 2009.

Continua...

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