sábado, 30 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 183 - Por Luiz Domingues


Luiz Domingues em ação com o Pedra, no Centro Cultural São Paulo, em agosto de 2014. Foto: Leandro Almeida                         

O Pedra foi uma das mais importantes etapas da minha trajetória na música, sob vários aspectos. Começou de forma totalmente inesperada no sentido de que não se tratou de algo que eu planejara ardentemente como uma meta de carreira, caso de bandas anteriores que tive, como o Boca do Céu que representou o sonho primordial infantojuvenil (mas ainda sem noção alguma de nada sobre a realidade da música profissional), ou no caso do Sidharta, que teve o objetivo de resgatar a energia juvenil que eu detinha em 1976, mas nesse novo instante sob melhores condições para poder formar uma banda poderosa e mais que isso, a levantar a bandeira retrô/vintage através de múltiplos aspectos, a extrapolar até a música em si. 
Eu, Luiz Domingues, a ensaiar com o Pedra no estúdio Overdrive, em janeiro de 2005. Foto: Grace Lagôa

Em certo sentido, o início do Pedra em minha vida, lembrara da minha ligação com Língua de Trapo ou mesmo sobre o Pitbulls on Crack, que foram projetos que foram idealizados por outros músicos e nos quais eu inseri-me, ao trazer a minha contribuição ao trabalho, mas não sendo cem por cento de algo que fizesse parte dos meus ideais na música. 

Além disso, o convite primordial para iniciar esse trabalho com o Pedra, chegou-me em um momento onde eu estive muito esgotado física e psicologicamente, após quase seis anos de atuação com a Patrulha do Espaço, banda essa em que eu exerci o meu sonho Rocker mais decisivamente, ao atender muitas das expectativas geradas pelos meus devaneios a respeito do Boca do Céu e com o Sidharta, mas que teve também o seu outro lado obscuro da Lua...

Da esquerda para a direita, em pé: Xando Zupo e Alex Soares. Sentados: Luiz Domingues, Rodrigo Hid e Tadeu Dias. Momento de pausa no ensaio, na sala de estar do estúdio Overdrive. 1995. Foto de Grace Lagôa
Dessa maneira, quando eu recebi o telefonema de Xando Zupo para conhecer o novo trabalho que estava a ser articulado, nessa época eu cogitara até abandonar a música de tão esgotado que estava, mas quando eu fui ao seu estúdio para ouvir a sua proposta, gostei do projeto e aceitei fazer parte. Isso ocorreu ao final de 2004. 
A gravar as guias do primeiro disco da banda. Fevereiro de 2005. Rodrigo Hid e Luiz Domingues, no estúdio Overdrive. Foto: Grace Lagôa
A proposta se mostrou mais eclética, ao não fechar com o Rock tão somente, mas a abrir possibilidades com a MPB e a Black Music. Não que eu estivesse farto do Rock, jamais, pois sou um Rocker assumido e ainda que seja eclético e goste de elementos nada a ver com o universo Rocker, também, a minha postura e lealdade ao Rock é eterna, pois assumo ser um Rocker e morrerei assim. 
Mas a possibilidade de estar aberto aos estilos que eu mencionei, e outros tantos não aventados, agradou-me muito e na primeira audição do material que Xando Zupo já tinha composto e vinha a ensaiar com alguns outros músicos já inseridos no projeto, eu gostei bastante das composições e isso foi a injeção de ânimo que tirou-me da apatia após a minha saída da Patrulha do Espaço e deu-me sobrevida como músico naquele instante. 
Da esquerda para a direita: Luiz Domingues, Renato Carneiro e Xando Zupo. Estúdio Overdrive, dia da gravação do baixo nas faixas do primeiro disco da banda. Fevereiro de 2005. Foto: Grace Lagôa
O primeiro momento de atividades do Pedra mostrara-se leve ao extremo e eu estive a apreciar muito aquela serenidade para trabalhar. 
Mudanças rápidas na formação da banda ocorreram e no ano de 2005, o primeiro disco foi preparado mediante a formação fechada com Rodrigo Hid a atuar com voz, teclados e guitarra, Xando na guitarra e voz, Alex Soares na bateria e voz e eu no baixo e voz. 
A primeira manifestação de euforia veio quando o grande diretor de videoclips & afins, Eduardo Xocante entrou na nossa vida e comprou a nossa luta, ao vestir a nossa camisa. 
Still da filmagem do vídeoclip da música: "O Dito Popular", em maio de 2005. Luiz Domingues no destaque. Foto: Grace Lagôa
Um vídeoclip simples enquanto roteiro, mas lindo pela produção em película de cinema e com a assinatura de um profissional que havia feito dezenas de clips de sucesso mainstream ao longo das décadas de oitenta e noventa, foi uma oportunidade maravilhosa para que nós tivéssemos um impulso inicial. Mas serviu também para cairmos na realidade de que a difusão mainstream estava "toda dominada" e um lindo clip assinado por um diretor renomado já não abria as portas mais como antigamente. 
Capa do primeiro disco do Pedra, gravado em 2005 e lançado em 2006
Finalmente o disco ficou pronto, e é bom destacar-se que a banda mantinha uma extrema paciência nessa época para lidar com os seus passos em câmera lenta nessa fase inicial.
Foi através de uma ruptura em nossa estrutura mais básica, porém algo inevitável por força do choque de mentalidades e às vésperas do lançamento, que nos convencemos de que não seria possível mais contarmos com o baterista Alex Soares na nossa formação. 
Foi um horror tomar essa atitude pelo aspecto humano e sei que o Alex chateou-se comigo na época, pois eu fui o "agraciado" para ser o porta-voz da banda para essa comunicação. Peço desculpas pelo ocorrido, ainda que eu considere que foi inevitável na época esse rompimento e melhor para ambas as partes. 
Pedra em ação no Via Funchal de São Paulo, em 2006. Foto: Grace Lagôa
Reitero, só fomos convidar o Ivan Scartezini depois dessa decisão e não ao contrário como ele, Alex suspeitou. 
O disco foi lançado e a melhor fase da banda, com uma incrível sequência de boas novas, durou até o início de janeiro de 2007. Depois entramos em uma fase de dificuldades que foram quebradas por pequenas conquistas, mas o propósito se manteve de pé, inabalável. 
           Capa do segundo álbum do Pedra, lançado em 2008
O segundo disco foi ainda mais forte, musicalmente e embalado por uma obra de arte gráfica sensacional, que deu-nos alento. Mas os tempos foram muito difíceis e não bastava ser “bom”, tampouco aberto às novas ideias para alcançar ouvidos mais propensos a acompanhar sonoridades de outros nichos.
Da esquerda para a direita: Rodrigo Hid, Xando Zupo, Luiz Domingues e Ivan Scartezini. O Pedra no estúdio da emissora Brasil 2000, precisamente em 2006, para participar de um especial ao vivo. Foto: Grace Lagôa
Com o tempo, fomos a verificar que a banda colocara-se sob um cadafalso estrutural. A nossa música era sofisticada demais para ser executada em um circuito de casas noturnas aonde a ambientação servia para baladas inconsequentes de seus clientes, mas na contrapartida, oportunidades para exercermos a nossa arte em espaços melhor adequados, foram raras. 
Foi a “máxima da bolacha” a atormentar-nos: “vende mais por que é mais fresquinho ou por vender mais está sempre fresco?” No nosso caso significara: “vale a pena tocar em casas noturnas para embalar bebedeiras nas baladas de quem não estava interessado em nossa música, ou o melhor seria esperarmos por oportunidades raríssimas ao visar tocarmos em espaços com ótima infraestrutura e melhor adequação à nossa proposta artística?”
Pedra em ação no Centro Cultural São Paulo, em 2009. Luiz Domingues no destaque. Foto: Fabiano Cruz
Em 2009, nós flertamos com novas oportunidades ao chamarmos a atenção de um jornalista grande a serviço de um órgão mainstream de primeira grandeza. 
Nesse aspecto, logo no início desse ano, a euforia esbarrou na frustração, mas ao final do mesmo ano, uma outra chance chegou até nós, ou seja, alguém lá em cima, no mainstream, gostava de nós, até que enfim!
Mesmo assim, não conseguimos romper o bloqueio histórico instaurado para artistas do nosso patamar e o desânimo foi a nos minar as forças. 
                           Cartaz promocional criado em 2006
Eu não considerava que a banda deveria acabar em 2011 e que bastaria combinarmos entre nós componentes, um período em aberto em termos de férias prolongadas, mas não foi o que aconteceu e eu fui obrigado a cuidar da minha vida em outros quadrantes, ao aceitar convites para atuar em outros trabalhos. 
Achei que um pedido de reunião em 2012 seria apenas para cumprir um show pendente, mas os demais haviam resolvido que a banda deveria voltar. Não tenho espírito de provocador que gosta de tripudiar, não falei nada, mas ficara claro que o meu voto vencido em 2011, teve uma forte razão de ser naquela época e afinal comprovara-se agora nesse novo momento de 2012.
Houve enfim a retomada do trabalho, mas eu ficara dividido, pois não houve cabimento deixar trabalhos novos que eu abraçara e gostava de fazer parte, só por que o Pedra voltara. 
Pedra no Sesc Consolação, em São Paulo, no ano de 2012. Foto: Grace Lagôa
Eis que adveio um momento sob uma pequena euforia entre o fim de 2012 e o início de 2013, mas os bons ventos que sopraram foram meramente sazonais e não indicaram uma sequência sustentável. 
Lá vieram as manifestações populares de 2013 e o Pedra pautou-se pela ideia de que o mundo viraria de cabeça para baixo a cada coquetel Molotov jogado por um Black Bloc e o Fuzuê foi a bola da vez imaginária de então. Todos acreditam nessa premissa, menos eu, que a cada dia convencia-me que envelhecer e acumular experiência é um grande privilégio nesta vida...
Pedra em ação no Sesc Belenzinho em São Paulo, fevereiro de 2013. Foto: Grace Lagôa
Uma boa nova aqui e ali e muita tensão... a banda a se deteriorar e a gerar insatisfações, infelizmente. 
Veio 2014, e o panorama só apontara a piora. Nessa altura, eu que não queria ter parado em 2011, mas não empolgara-me com a volta da banda em 2012, estava a distanciar-me, como um astronauta que sai a vagar pelo espaço após perder contato com a nave mãe. 
Fiquei muito doente, vi a morte de perto, e isso protelou a minha decisão de deixar o trabalho, mas as contingências fizeram com que no meio de 2015, isso fosse anunciado enfim. 
The end, finito, muito obrigado... tais expressões descritas acima, como profeticamente o Xando deixou na última postagem no Blog da banda, no início de 2016, cabem aqui para o meu caso, também. 
Pedra no Sesc Belenzinho, em fevereiro de 2013. Luiz Domingues em destaque e Ivan Scartezini ao fundo. Foto: Grace Lagôa
Sobre o trabalho, tenho muito orgulho dele, pois o considero artisticamente, impecável. Discordo de algumas letras e ideias expressas, por conta de convicções diferentes meramente, porém só em termos estéticos e culturais enquanto mentalidade que não bate com meus princípios, mas mesmo nas partes em que discordo, enxergo que há qualidade na força poética e no ato da expressividade ali expresso. 
No todo, acho a obra do Pedra espetacular e orgulho-me de ter feito parte dela, ao trazer a minha pequena contribuição com poucas parcerias nas composições, igualmente nas ideias para arranjos, uma única letra que culminou em ser descartada e claro, aí sim integralmente, na concepção das linhas de baixo das canções que gravei nos três discos da banda.
Pedra (2006) - Na íntegra. 
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=_3oM8BaRwu8

Pedra II (2008) - Na íntegra. 
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=cAhUKnto7bc
 
Fuzuê (2015) - Na íntegra. 
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=1DrNgZ-1cJg

eu tenho muito orgulho também pelo áudio dos discos, que considero os melhores, tecnicamente a analisar, de todos os dezoito discos oficiais que gravei na minha vida (a contar até aqui, 2016, além de participação em dois discos de outros artistas e nessa conta não incluo as participações em coletâneas e fitas demo), na somatória de todas as bandas onde atuei, de 1976, até este presente de 2016, quando escrevi este trecho. 
Eu (Luiz Domingues), Renato Carneiro e Xando Zupo. Estúdio Overdrive, 2005. Foto: Grace Lagôa

Espero permanecer vivo e a trabalhar por muito anos ainda, e torço para que eu possa gravar mais discos e obter um padrão de áudio tão bom ou mesmo a superá-los, mas até este momento, os três discos do Pedra, representam o melhor áudio da minha carreira (com menção honrosa para o CD "Missão na Área 13", da Patrulha do Espaço e o EP "Seja Feliz", d'Os Kurandeiros, que são bons trabalhos nesse quesito, também) e nesse caso, agradeço de público a Renato Carneiro & Xando Zupo por proporcionarem-me isso. 
Pedra a lançar o seu primeiro álbum no Centro Cultural São Paulo em julho de 2007. Foto: Grace Lagôa 

Agradeço aos companheiros dessa jornada, à todas as pessoas que passaram pela nossa trajetória nesses anos todos, por sua inestimável ajuda e torcida pelo nosso sucesso e aos fãs que apreciaram e hão de continuar a nos apoiarem muito com o trabalho da banda, que na verdade está eternizado e já é um legado ao Rock Brasileiro e por que não (?), também da MPB. Black Music brasileira, e do Folk em geral. Reta final da minha história com o Pedra, falta falar das pessoas, apenas. 
                                  

Continua

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