quinta-feira, 9 de julho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 382 - Por Luiz Domingues


Antes um pouco de deixar a banda, Zé Luiz ajudou-me e assim, eu e ele trabalhamos mais uma vez com uma nova edição do fanzine do nosso fã-clube. Lançado em julho de 1987, este número "nove" emitiu vários indícios subliminares de que as coisas não andavam bem para a banda, e certamente, que mesmo a disfarçar e a tentar enaltecer pequenas vitórias obtidas nesse período, foi difícil escrever e lançar esse número.

Seria o último que lançaríamos, a obrigar-me a fazer uma ginástica para ressarcir alguns fãs que ainda teriam direito a receber mais números pela data de aniversário de suas respectivas mensalidades, nos meses futuros, mas o fato foi que depois que o Dinola anunciou a sua saída da banda em agosto, eu sabia que não poderia contar com Rubens e Beto para a tarefa da diagramação e lay-out, e como a minha inabilidade era total para tais tarefas, preferi encerrar a publicação do fanzine e manter apenas outros serviços básicos, como distribuição de filipetas, doravante.

Antes de falar sobre tal edição final do fanzine, no entanto, devo registrar um acontecimento desagradável ocorrido no recebimento de cartas de fãs. 

Não ocorreu exatamente nessa fase, mas antes que me esqueça, registro que certa vez, recebemos uma carta de uma mãe de uma fã.


Muito emocionada, essa senhora pediu-nos que parássemos de enviar comunicados à sua filha, pois ela falecera. Ficamos chocados, claro e embora nem a conhecêssemos pessoalmente, enviamos uma carta de condolências e eliminamos o seu nome da mala postal. Fora um acidente terrível, com a garota que era nova, na faixa de quinze ou dezesseis anos de idade, aproximadamente, ao ter caído da janela de seu quarto, sob uma altura bastante alta de um de edifício. E de fato, lembro-me da ocorrência em noticiário de jornalismo de TV, na época, mas não associei o nome dessa pobre moça ao fã-clube, mas lembrei-me quando li a carta triste de sua mãe. R.I.P.

Bem, vamos ao fanzine número nove:


1) Rádio - Falamos sobre a transmissão ao vivo que a emissora Oceânica FM de Caraguatatuba, fizera de nossos shows naquela cidade praiana, em abril de 1987. Fora isso, quatro programas de rádio deram testemunhais sobre a nossa decisão pública de ministrarmos aulas, eu (Luiz), Zé Luiz e Beto. De fato tivemos tal apoio da parte da "Rádio Matraca" (USP FM), do meu eterno amigo Laert Sarrumor, "Reynação" (97 FM), do jornalista Leopoldo Rey, "Riff Raff" (97 FM), do Richard Nacif, e Sinergia (USP FM), do jornalista, Valdir Montanari. Eis aí um sinal de que quatro programas a falar sobre aulas ministradas por nós, e não de shows ou lançamentos de nossa banda, não foi nada animador...

2) Demo-Tape - Anunciávamos a venda das duas demo-tape que graváramos em 1986,em formato K7, ao público em geral. Uma clara iniciativa que demonstrava não acreditarmos mais nelas como cartão de visitas para destinar às gravadoras majors.

3) Revista - Além da citação de várias matérias que haviam saído no período imediatamente anterior à julho de 1987, algumas publicações diferentes se destacavam. Por exemplo, o fato de termos entrado em um compêndio como o "ABZ do Rock Brasileiro", muito nos orgulhou, e mesmo tendo sido uma menção muito modesta, nos enalteceu o fato de que estávamos na história do Rock no Brasil, o que não foi pouca coisa.

Outra menção interessante, foi a da menção de nosso nome em uma matéria publicada através da revista inglesa de renome, no mundo do Heavy-Metal, chamada: "Metal Hammer". Nessa matéria denominada: "Brazillian Attack", um panorama da cena do Heavy-Metal brasileiro foi traçada, e o nosso nome foi citado, em meio à um monte de bandas contemporâneas. Bem, claro que apreciamos, apesar de ser o mundo metálico, que nunca foi o nosso, mas convenhamos, foi uma migalha muito insignificante.

E por fim, ao falar de publicações prometidas para o futuro, de fato, o Zé Luiz houvera sido abordado para ser entrevistado individualmente na Revista Mix, onde eu e Rubens já havíamos sido entrevistados anteriormente, mas tal publicação não se concretizou. Ainda esperávamos pela revista: "Bizz Heavy" (aquela história já contada há vários capítulos atrás), e nessa altura, já a conhecer os meandros da Rock Brigade, finalmente seríamos ali enfocados. Uma revista chamada: "Karaokê" também houvera nos abordado para realizarmos uma entrevista, mas tal contato não prosperou, simplesmente.

4) Uma nota triste e lamentável ao meu ver, ao analisar pela ótica atual, deu conta de que nenhuma gravadora houvera aceitado as nossas abordagens e daí, o fã-clube conclamou os fãs a escrever cartas para as gravadoras, para bombardeá-las. Pelo aspecto da função de um fã-clube, acho válido que tal tipo de ação seja feita, como mobilização, mas muito errado em meu entendimento, ao ter sido publicado no fanzine. Talvez na forma de um "memorandum" , portanto a minimizar-se a possibilidade dessa conclamação se tornar pública, tivesse sido mais conveniente.

5) TV - Uma boa nova enfim... a nossa teimosia em tentar usar o vídeoclip da música, "Sun City", produzido pela TV Cultura em 1986, finalmente logrou êxito. Ao contrariar a máxima de que não seria aceito em nenhuma outra emissora de TV, justamente por ter sido produzido por uma "coirmã", a TV Gazeta passou a exibi-lo com razoável constância no seu programa, "Realce". Mais do que isso, também foi exibido nos programas: "Night Clip", que varava as madrugadas de sexta para sábado e sábado para domingo, além do programa: "Realce Especial", uma edição de fim de semana do Realce, ambos da TV Gazeta.

6) Shows que Rolaram - Bem, houve neste caso, uma geral sobre os últimos shows realizados e a menção a um show que aconteceria na cidade de Ponta Grossa, no Paraná, onde de fato, não fomos tocar por conta de chuvas torrenciais na época de sua realização, mas  que jamais motivou a sua marcação para outra data, tampouco.

7) Fã-Aula - Um reforço a mais para a ideia de que eu (Luiz), Zé Luiz e Beto, estávamos a ministrar aulas. Ou seja, foi mais um sinal que o nosso foco se perdera.  

8) Promoção - De fato, não foi mentira, nós recebemos dezessete redações da parte de fãs, com o tema a versar sobre o por que gostavam de nosso trabalho. Eis um trecho da redação do ganhador, um rapaz chamado, Antonio Carlos: "O Mundo está caminhando para o fim, pois inconscientes lutam pelo poder atômico através da construção de novas armas, enquanto milhares de pessoas morrem de fome. É difícil acreditar que os governantes responsáveis por isso consigam dormir tranquilos. O que será de todas as crianças que ainda estão por nascer?" Foi bem interessante sem dúvida que o fã tenha abordado tal tema para dar vazão à menção de nossa música, no uso da frase final.

Ainda temíamos o colapso atômico advindo da Guerra Fria, nos anos oitenta. Não mudou muita coisa, hoje em dia... substituímos a guerra fria pelo terrorismo e na falta da temida União Soviética, outros "inimigos da vez" foram a surgir...

9) Fãs - uma das mais tristes e emblemáticas notas sobre a situação de dificuldade financeira do fã-clube, explicou a razão que motivou o encerramento do fanzine até segunda ordem. Opções para ressarcimentos da parte dos associados, seguiram-se.

10) Uma nota dura, muito dura mesmo, sobre o Studio V, comprovou a nossa frustração sobre a sua total inoperância para conosco. Tal menção foi um desabafo, na verdade, a culpá-los pelo nosso infortúnio e de fato, em uma questão de meses, passáramos da euforia total ao baixo astral que minou completamente as nossas forças, ao ponto da banda estar a se desmantelar naquele ponto.  

11) Fofoca - A sessão do fanzine que mais divertia-me em escrever, sem dúvida alguma, mas desta feita, foi difícil encontrar ânimo para brincar.

Para início de conversa, eu comentei sobre um boato que estava a se espalhar por São Paulo, a dar conta que a banda encerrara as suas atividades. De fato, muitas pessoas nos abordaram a perguntar sobre isso, inclusive o Luiz Calanca, e só posso deduzir que os sinais que emitíamos nessa época, deram margem a tais especulações.

Beto a andar de moto pelas ruas da cidade e em alta velocidade a bordo de uma XL 250... sim, ele estava com uma moto na ocasião, mas nada disso ocorria, pois ele sempre foi prudente na sua condução. Só usei o mote para poder glamorizar a situação e citar o guitarrista Duane Allman, do grupo norte-americano, The Allman Brothers Band que morreu em 1973 por causa de um acidente de moto. 

Zé Luiz continuava no ciclismo, é verdade.

Eu (Luiz) havia comemorado o meu aniversário na casa do Beto, com vários amigos presentes, representantes do Rock paulista e carioca. Meia verdade, pois a reunião aconteceria de qualquer maneira e não por conta de meu natalício. Quem me conhece, sabe bem que odeio comemorar aniversário, e não é por vaidade de querer esconder a idade, pois digo e repito: nasci em 1960, mas não divulgo o dia e mês, portanto, por favor não envie-me os votos de  "parabéns"...

O fato do Rubens ter passado um mês na cidade de Ubatuba-SP, também foi uma nota subliminar sobre o nosso afastamento enquanto banda. Nunca havíamos passado um período tão grande sem ensaios, ou no mínimo a convocar uma reunião.

O caso do roadie, Edgard, a pleitear um espaço em teatro para produzir os seus monólogos/declamações foi real enquanto aspiração. Porém, não houve nada de concreto nesse sentido, a tratar-se de um desejo seu expreso, tão somente.

O fato de Eliane Daic ter deixado a direção do fã-clube, apenas sinalizara que o Zé Luiz Dinola estava a se afastar da nossa banda e não faria sentido ela emprestar o seu nome doravante, para ser creditada como editora do fanzine.

Uma matéria a ser publicada na Revista Metal, deu conta da nossa frustração e rompimento com o Studio V.

12) Uma nota a comentar a foto ao vivo em Caraguatatuba-SP. Uma pena um show com essa estrutura toda ter ocorrido, em um momento de baixa da nossa energia.

13) Chave Situação - Se esse fanzine foi pródigo em lamentos e insinuações tristes sobre o fim iminente da  banda, nesse último box do fanzine, tal tendência escancarou-se de vez.

Um discurso em tom de desabafo, portanto inadequado para se publicar ao meu ver, mas que no calor das emoções, acabei por cometer como um exemplo de ato lastimável.  

Se nenhuma gravadora nos queria, nem mesmo pequenos selos e nesse caso, a gravadora Baratos Afins detinha os seus motivos para estar magoada conosco, e se o ânimo interno da banda estava em frangalhos, jamais deveríamos expor isso ao público, principalmente para o nosso público, que era fiel e lotava os nossos shows. Deveríamos ter tratado tal crise e revolta interna, de forma sigilosa, mas repito, no calor das emoções afloradas, isso se tornou o assunto do editorial...  

Faço a minha mea culpa, é claro, pois eu fui o responsável pela elaboração de todo o texto, ainda que os outros três tivessem direito de opinar. Ninguém se queixou na época, e assim saiu publicado e chegou às residências dos fãs que pagavam para ter o fanzine em mãos. 

Em meio a um universo com cerca de dois mil e duzentos sócios, espalhados em mais de cento e cinquenta cidades brasileiras e algumas até internacionais, cerca de cento e vinte pessoas pagavam regularmente a anuidade que dava direito ao recebimento do fanzine pelo correio.

Tempos difíceis, e cada vez mais perto do fim chegávamos, apesar dos incríveis fatos que nortearam os últimos meses de 1987, a caracterizar um esforço desesperado para salvar a banda e dessa batalha final, termos materializado um novo LP. 

Há algumas coisas para contar antes de chegarmos à esse clímax desesperador...

Continua...

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