terça-feira, 7 de julho de 2015

Autobiografia na Música - Sala de Aulas - Capítulo 86 - Por Luiz Domingues


Quando o ano de 1998 entrou, se por um lado a euforia pela minha nova empreitada musical foi total, não só pela novidade, mas principalmente pelo mergulho radical na atmosfera retrô, a pensar exclusivamente no aspecto das aulas em si, não haveria mesmo uma perspectiva de melhora no contingente de alunos que eu tinha, para confirmar-se a expectativa de que a tendência seria a de piorar a situação, ao invés de melhorar, como eu esperei desde a metade de 1996.

Paciência... tratou-se de um ciclo que caminhou para o seu final, mas ali no calor dos acontecimentos,  foi muito preocupante, no sentido de que naquele momento, o Sidharta fora apenas um projeto para médio e longo prazo, e por seu caráter radical em torno de um ideal e estética, a se revelar anticomercial ao extremo.
Portanto, esse início de 1998, foi vivido sob euforia em meu caso, por conta do projeto, mas também se apresentou como algo preocupante pela queda brusca, e em progressão, da minha renda pessoal.

Praticamente eu mantive a turma do final de 1997, com algumas baixas como eu salientei acima, e algumas poucas novas adesões, casos da volta de dois alunos antigos (Mônica Maia Netto, e Christian Du Voisin), e dois novos: Puppo e Flavio Amaya.

Mônica havia me ligado e eu achei inicialmente que desejava algum apoio referente à sua banda, mas surpreendi-me quando ela afirmou que queria voltar a ter aulas. Ela era oriunda da safra de 1992, e saíra por volta de 1996, ou seja, sob uma condição bastante avantajada em relação à quando chegara, praticamente a demarcar a estaca zero do aprendizado. 

A novidade foi que não era mais casada com o Dr. Nelson Maia Netto, mas mantinha uma relação simpática de amizade com o ex-marido, tanto que na primeira aula de sua volta, ela fez questão de telefonar para ele, e passar-me o fone para eu repercutir a sua volta, diretamente ao seu ex-marido. E doravante, voltara a usar o seu nome de solteira: Monica Schwaezwald

No caso do Christian Du Voisin, que fora um aluno de 1991, eu também fiquei surpreendido, pois a despeito da nossa boa sincronia em assuntos gerais, especificamente na parte musical, tínhamos as nossas divergências. Ele detinha uma orientação "modernosa" em termos de predileções musicais e o meu método, baseado na música das décadas de 1960 e 1970, pareceu não agradar-lhe exatamente.

Ele nunca expressou isso verbalmente, mas sempre foi quase nítida essa discordância. Contudo, pela amizade, e a deixar claro que técnica e teoricamente não houve muito mais o que eu poderia acrescentar-lhe em meio a uma nova fase de aulas, ainda assim ele insistiu que gostaria de retomar os seus estudos comigo.

A antecipar um fato ocorrido em alguns meses depois, ele anunciou vontade de interromper o curso novamente, e cerca de dois anos depois, por volta de 2000, ligou-me para dizer-me que "precisava me dizer uma coisa", que havia guardado para si durante muito tempo: -"eu nunca gostei das suas aulas. Achava-as fracas, e queria mesmo encontrar um professor que me ensinasse Jazz"...

A franqueza com a qual falou, não foi fácil para ele, pois antes de disparar tal revelação, pediu-me desculpas antecipadas e teve o cuidado de explicar-me que guardara aquilo por muito tempo, mas precisava desabafar. Ao ir além, fez a ressalva de que não era nada pessoal e que pelo contrário, gostava da minha pessoa etc.

Claramente, em minha avaliação, ele devia estar a passar por algum tipo de terapia psicanalítica e incentivado por seu terapeuta, muito provavelmente esforçou-se para buscar a sua catarse pessoal, o que particularmente, achei bastante saudável, como prática que todo mundo deveria exercitar (acredite, leitor: "engolir sapos",  faz muito mal para a saúde!). 

Neste caso, certamente que eu aceitei ouvir as suas ponderações e também admirei a franqueza e a coragem com a qual ele tomou tal atitude, depois de duas passagens pelas minhas aulas, a demonstrar, portanto, uma grandeza de caráter extraordinária.

Quanto à revelação em si, não me surpreendeu em nada. Mas, de maneira alguma eu esbocei desculpar-me por nada, pois não foi o caso. De minha parte, fiz o melhor que eu pude nas duas passagens pelas quais ele teve em minha aulas, e se não apreciou, foi um problema dele. Se percebia que ele não gostava, ao mesmo tempo, sabia que estava a evoluir, portanto, desabono-me de qualquer ônus nesse caso, e tanto que, a corroborar com essa tese, quando procurou-me para combinar uma volta, eu ponderei se ele teria certeza do que desejava, pois realmente não achava que poderia acrescentar mais algum elemento, mas ele insistiu e convenhamos, já era bem mais maduro quando voltou, inclusive não sendo mais adolescente.
Flavio Amaya com o baixo na mão, a estudar, e Puppo, sentado ao lado. Garotos bons, que não vibravam com a onda retrô da maioria, mas eram muito gentis como pessoas, e ambos, inteligentes ao extremo.

Já o Puppo, cujo primeiro nome esqueci-me completamente, mas desconfio ser Marcelo, era um rapaz muito esforçado e gentil. Logo eu descobri que ele era fanático por seriados de TV, atração que eu sempre acompanhei com entusiasmo, também, e assim, em nossas aulas, conversamos muito sobre o assunto, de forma prazerosa. 

Outra particularidade sobre esse aluno, foi que apesar de apreciar a minha aula, e a sua metodologia toda calcada em Rock dos anos 1960 & 1970, o som que ele gostava mesmo era o Thrash-Metal, e da banda, "Sepultura", sobretudo. Fanático pela banda dos irmãos Cavalera, Puppo forneceu-me informações interessantes sobre esse universo tão oposto ao meu, e muitas vezes ao conversarmos sobre o Pitbulls on Crack, que ele conhecia, me falou sobre aspectos significativos sobre os anos 1990, e como funcionava a mentalidade da garotada que seguia esse mundo peso-pesado.

Ele chegou a dizer-me que muita gente desse mundo, achava o Pitbulls on Crack, uma banda "bunda-mole". Rimos muito disso, mas fez sentido tais pessoas terem tal conceito sobre essa banda onde atuei na maior parte dos anos noventa, embora, convenhamos, tal revelação não mudou nada para a minha vida, pessoalmente, pois tratava-se da opinião generalizada de um público radical.

E o Flavio Amaya, tinha uma personalidade incrível. Apesar de ser do interior de São Paulo, era torcedor fervoroso do Vasco da Gama, e em sua explicação prosaica sobre tal estranha escolha de um clube não paulista para torcer, disse-me que o seu pai estudara medicina no Rio de Janeiro, e por conta disso, tornara-se torcedor do Botafogo e assim, para contrariá-lo, ele tornara-se vascaíno. Bem ele era bastante fanático, inclusive a fazer parte de uma torcida organizada, e costumava viajar ao Rio para assistir jogos, embora morasse em São Paulo, e fosse do interior (Presidente Prudente).

 E assim foi o começo de 1998...
Continua...

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